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Da desnecessidade do resultado naturalístico no crime de poluição sonora

Agenda 18/03/2017 às 12:30

Diante do caos sonoro instalado nos grandes centros urbanos, o Direito Penal tem se mostrado a única solução capaz de intimidar seus poluidores responsáveis. A correta caracterização desse crime se mostra imperiosa para a segurança jurídica da sociedade.

1. Introdução.

Os grandes centros urbanos hoje são verdadeiros núcleos habitacionais permeados de poluições e degradações ambientais os quais adoecem lenta e progressivamente seus habitantes.

Com o fenômeno urbano da migração cada vez maior de contingente humano no pós-Segunda Guerra Mundial, o Brasil, acompanhando a tendência mundial, deixou de ser um país eminentemente agrário e passou a ser uma nação formada por grandes centros urbanos.

No Brasil, o censo de 1964 foi o primeiro a apontar que a população urbana tinha superado a população rural.

O crescimento das cidades infelizmente não veio acompanhado do necessário desenvolvimento, sendo que a desorganização espacial do tecido urbano ensejou, como ainda enseja, conflitos de diversos jaezes entre seus moradores, além de submetê-los a situações ecológicas desfavoráveis nesse meio ambiente artificial.

Dentre outros mais, a poluição sonora se mostra uma das mais graves formas de diminuição da qualidade de vida dos habitantes de centros urbanos, sejam os mesmos grandes ou não.

Atualmente a poluição sonora é a terceira maior forma de poluição dos centros urbanos, perdendo somente para a poluição de recursos hídricos e a poluição atmosférica por partículas.

A legislação sobre o assunto é vasta, passando por normas de índole penal, civil, administrativas, ambientais, dentre outros mecanismos jurídicos visando a erradicar, ou tentar controlar, os efeitos deletérios dessa forma de poluição.

Dessa forma, cumpre analisar se essa modalidade de poluição demanda ou não a ocorrência do resultado naturalístico para sua caracterização como infração penal estabelecida na Lei de Crimes Ambientais.


2. Desenvolvimento.

Dentre outros mecanismos legais que visam a combater essa forma de degradação humana, temos a Lei de Crimes Ambientais, a qual, em seu art. 54 e parágrafos, expressamente estabeleceu a conduta ilícita daquele que causa poluição contra o meio ambiente.

Nessa senda, o art. 54 da Lei de Crimes Ambientais possui a seguinte redação:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Pela análise da redação do caput do tipo penal percebemos que o sujeito passivo pode incorrer no mesmo de duas formas: com ou sem o resultado naturalístico.

Daí a existência da cláusula disjuntiva “ou” na redação do mesmo.

Assim, claramente a filosofia da linguagem aponta que referida disjunção “ou” no caput do artigo alerta para a possibilidade de o sujeito ativo do crime cometê-lo promovendo poluição de qualquer natureza:

1ª) em níveis tais que resultem em danos à saúde humana;

2ª) em níveis tais que provoquem a mortandade de animais ou

3ª) em níveis tais que provoquem a destruição significativa da flora.

Nessas três hipóteses temos a existência de um tipo penal o qual reclama a conduta do agente, resultado e o nexo de causalidade entre ambos.

Nesse sentido, o resultado nas três hipóteses é inerente ao crime de natureza material, com a modificação concreta do mundo dos fatos (danos à saúde humana, mortandade de animais ou destruição significativa da flora) pela poluição causada pelo agente.

Contudo o tipo penal em comento também possui em sua redação a figura do crime formal.

A cláusula disjuntiva “ou” no caput denota esse fato, eis que não há palavras inúteis na lei, e a mesma deve ser interpretada de forma sistêmica com o Direito Ambiental, cuja finalidade maior é garantir a existência de todas as espécies vivas no planeta terra (teoria ecocêntrica do direito ambiental).

Nessa senda, temos que a expressão “ou possam resultar”, em oposição à expressão “resultem” (a qual a antecede), demonstra de forma inequívoca a mens legis no sentido da tipificação de condutas distintas ambientalmente reprováveis, ainda que não necessariamente tenha havido a modificação do bem material sobre o qual recaia a conduta do agente.

Logo, estamos diante de um crime formal, sem resultado naturalístico, de consumação antecipada.

Esse é o sentido da lei, ao estabelecer expressamente que “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana”.

Isso porque além do resultado concreto (material), a conduta daquele que viola uma norma ambiental com a mera “possibilidade de danos” à saúde humana merece o mesmo tratamento sancionatório daquele que efetivamente causa danos à saúde humana.

O tipo penal jamais poderia comportar dois resultados distintos (“resultem” e “possam resultar”) se não fossem os mesmos absolutamente necessários, sob o ponto de vista material e formal.

E essa proteção ampliada do crime formal tem correlação direta com os princípios da prevenção e precaução do direito ambiental.

Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

O STJ, intérprete máximo das normas infraconstitucionais, tem o pacífico entendimento de que o delito de poluição previsto no art. 54, caput, da Lei n.º 9.605/97 comporta o cometimento do crime em seu aspecto formal.

E como tal, o mesmo dispensa o resultado naturalístico para sua caracterização:

PENAL E PROCESSUAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. POLUIÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE LAUDO TÉCNICO OFICIAL. CRIME FORMAL E DE PERIGO ABSTRATO. DOCUMENTOS SUFICIENTES. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REPARAÇÃO DO DANO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

1. Esta Corte superior firmou o entendimento de que o trancamento de ação penal ou de inquérito policial em sede de habeas corpus constitui medida excepcional, só admitida quando provada, sem necessidade de dilação probatória, a atipicidade do fato, a ausência de indícios de autoria capazes de sustentar a acusação ou, ainda, a existência de causa de extinção da punibilidade, o que não ocorre na hipótese dos autos. 2. De acordo com o entendimento deste Tribunal, a Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência têm conferido à parte inicial do art. 54 da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é idônea a configurar o crime de poluição, evidenciada sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato. 3. O delito de poluição ambiental em questão dispensa resultado naturalístico e a potencialidade de dano da atividade descrita na denúncia é suficiente para caracterizar o crime de poluição ambiental, independentemente de laudo específico na empresa, inexistindo, no caso, qualquer das hipóteses excepcionais, de forma que o exame da alegada ausência de justa causa para a instauração da ação penal demanda incursão no acervo fático-probatório, o que é inviável na via estreita. 4. Não é inepta a denúncia que, atentando aos ditames do art. 41 do CPP, qualifica os acusados, descreve o fato criminoso e suas circunstâncias. 5. Não há ilegalidade nas condições propostas pelo Parquet para suspensão condicional do processo, sendo certo que a reparação do dano causado, salvo na impossibilidade de fazê-lo, prevista no art. 89, § 1º, I, da Lei n. 9.099/1995, é imprescindível para concessão do sursis processual. 6. Nos crimes ambientais, a suspensão condicional do processo sujeita-se ao disposto no art. 28 da Lei n. 9.605/1998, só se extiguindo a punibilidade após a emissão de laudo que constate a reparação do dano ambiental, prorrogando-se o sursis quanto a essa condição, caso a reparação não tenha sido completa.7. Recurso desprovido. (RHC 62.119/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2015, DJe 05/02/2016).

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AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA PREVENÇÃO. POLUIÇÃO MEDIANTE LANÇAMENTO DE DEJETOS PROVENIENTES DE SUINOCULTURA DIRETAMENTE NO SOLO EM DESCONFORMIDADE COM LEIS AMBIENTAIS. ART. 54, § 2º, V, DA LEI N. 9.605/1998. CRIME FORMAL. POTENCIALIDADE LESIVA DE CAUSAR DANOS À SAÚDE HUMANA EVIDENCIADA. CRIME CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I. Os princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, previstos no art. 225, da Constituição da República, devem orientar a interpretação das leis, tanto no direito ambiental, no que tange à matéria administrativa, quanto no direito penal, porquanto o meio ambiente é um patrimônio para essa geração e para as futuras, bem como direito fundamental, ensejando a adoção de condutas cautelosas, que evitem ao máximo possível o risco de dano, ainda que potencial, ao meio ambiente. II. A Lei n. 9.605/1998, ao dispor sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dar outras providências, constitui um divisor de águas em matéria de repressão a ilícitos ambientais. Isto porque ela trouxe um outro viés, um outro padrão de punibilidade em matéria de crimes ambientais, trazendo a figura do crime de perigo. III. O delito previsto na primeira parte do art. 54, da Lei n. 9.605/1998, possui natureza formal, porquanto o risco, a potencialidade de dano à saúde humana, é suficiente para configurar a conduta delitiva, não se exigindo, portanto, resultado naturalístico. Precedente. IV. A Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência tem conferido à parte inicial do artigo 54, da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é idônea a configurar o crime de poluição, evidenciada sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato. V. Configurado o crime de poluição, consistente no lançamento de dejetos provenientes da criação de cerca de dois mil suínos em sistema de confinamento em 3 (três) pocilgas verticais, despejados a céu aberto, correndo por uma vala que os levava até às margens do Rio do Peixe, situado em área de preservação permanente, sendo a atividade notoriamente de alto potencial poluidor, desenvolvida sem o devido licenciamento ambiental, evidenciando a potencialidade do risco à saúde humana. VI. Agravo regimental provido e recurso especial improvido, restabelecendo-se o acórdão recorrido. (AgRg no REsp 1418795/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2014, DJe 07/08/2014).

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. POLUIÇÃO (ARTIGO 54, CAPUT, DA LEI 9.605/1998). ALEGAÇÃO DE FALTA DE DESCRIÇÃO DA CONDUTA DO RECORRENTE. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA.

1. A hipótese cuida de denúncia que narra supostos delitos praticados por intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais. 2. Embora num primeiro momento o elemento volitivo necessário para a configuração de uma conduta delituosa tenha sido considerado o óbice à responsabilização criminal da pessoa jurídica, é certo que nos dias atuais esta é expressamente admitida, conforme preceitua, por exemplo, o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal. 3. E ainda que tal responsabilização seja possível apenas nas hipóteses legais, é certo que a personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução. 4. Não pode ser acoimada de inepta a denúncia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente as condutas típicas, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal. 5. Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente a atuação individual do acusado, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.

APONTADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE PERÍCIA QUE ATESTE A OCORRÊNCIA DE POLUIÇÃO QUE RESULTOU OU PUDESSE RESULTAR EM DANOS À SAÚDE HUMANA, MORTANDADE DE ANIMAIS OU DESTRUIÇÃO SIGNIFICATIVA DA FLORA. CRIME FORMAL. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE EFETIVA LESÃO À SAÚDE DAS PESSOAS. EXISTÊNCIA DE LAUDO CONCLUINDO QUE HOUVE DANOS AMBIENTAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Da leitura do caput do artigo 54 da Lei 9.605/1998, depreende-se que a poluição deve ser penalmente relevante, vale dizer, deve ser capaz de causar a morte ou a destruição de animais ou plantas, ou causar danos à saúde humana. 2. Quando se trata de poluição que possa resultar em danos à saúde humana, está-se diante de crime formal, que não exige a presença de resultado naturalístico, consistente na efetiva afetação da saúde das pessoas. 3. Desse modo, o fato de existir nos autos da ação penal laudo judicial no qual se afirmaria a inexistência de danos ambientais vigentes, por si só, não tem o condão de atestar a inocorrência do delito denunciado, de cunho formal, sendo certo que a aludida prova pericial deve ser valorada em conjunto com os demais elementos de prova pelo magistrado competente por ocasião da análise do mérito da acusação. 4. Ainda que assim não fosse, foi realizada perícia no local na qual se atestou que a poluição narrada na denúncia causou efetivos danos ao meio ambiente e à saúde humana, não havendo que se falar em falta de justa causa para a persecução penal. 5. Recurso improvido. (RHC 40.317/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 29/10/2013).

PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DA CONDUTA DOS GESTORES DA EMPRESA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 54 DA LEI N. 9.605/1998. CRIME FORMAL. POTENCIALIDADE EVIDENCIADA. LAUDO QUE ATESTA VÍCIOS NA ESTRUTURA UTILIZADA PELA EMPRESA. RESPONSABILIDADE QUE NÃO SE AFASTA EM RAZÃO DE CULPA OU DOLO DE TERCEIROS.

1.  A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 548.181/PR, de relatoria da em. Ministra Rosa Weber, decidiu que o art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. 2. Abandonada a teoria da dupla imputação necessária, eventual ausência de descrição pormenorizada da conduta dos gestores da empresa não resulta no esvaziamento do elemento volitivo do tipo penal (culpa ou dolo) em relação à pessoa jurídica. 3. De acordo com o entendimento deste Tribunal, a Lei de Crimes Ambientais deve ser interpretada à luz dos princípios do desenvolvimento sustentável e da prevenção, indicando o acerto da análise que a doutrina e a jurisprudência têm conferido à parte inicial do art. 54, da Lei n. 9.605/1998, de que a mera possibilidade de causar dano à saúde humana é suficiente para configurar o crime de poluição, dada a sua natureza formal ou, ainda, de perigo abstrato. 4. Concretização do dano que evidencia a potencialidade preexistente. 5. Responsabilidade que não se afasta em razão de culpa ou dolo de terceiros, considerando-se a existência de laudo técnico que atesta diversos vícios referentes à segurança da estrutura utilizada pela empresa para o transporte de minério destinado à sua atividade econômica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RMS 48.085/PA, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 20/11/2015).

HABEAS CORPUS. ART. 54, § 2º, INCISO IV, DA LEI N. 9.605/98. POLUIÇÃO SONORA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. ANÁLISE SOBRE A MATERIALIDADE DO DELITO QUE NÃO PODE SER FEITA NA VIA ELEITA. CONDUTA TÍPICA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADA PELA DENÚNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, que há imputação de fato penalmente atípico, a inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria do delito ou, ainda, a extinção da punibilidade. 2. O Impetrante alega falta de justa causa para a ação penal porque a poluição sonora não foi abrangida pela Lei n.º 9.605/98, que trata dos crimes contra o meio ambiente. Entretanto, os fatos imputados ao Paciente, em tese, encontram adequação típica, tendo em vista que o réu é acusado causar poluição em níveis tais que poderiam resultar em danos à saúde humana, nos exatos termos do dispositivo legal apontado na denúncia. 3. Uma vez que a poluição sonora não é expressamente excluída do tipo legal, acolher a tese de atipicidade da conduta, nesses moldes, ultrapassa os próprios limites do habeas corpus, pois depende, inexoravelmente, de amplo procedimento probatório e reflexivo, mormente porque a denúncia, fundamentada em laudo pericial, deixa claro que a emissão de sons e ruídos acima do nível permitido trouxe risco de lesões auditivas à várias pessoas. 4. Ordem denegada. (HC 159.329/MA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 10/10/2011).

Cumpre informar que há dezenas outras decisões de diversos tribunais pátrios, seja na esfera estadual, seja na esfera federal, reafirmando a natureza do crime de perigo do art. 54, caput, da Lei de Crimes Ambientais, as quais não foram colacionadas por absoluta desnecessidade, ante o posicionamento manifestado pelo STJ.

Por sua vez, na doutrina o entendimento não poderia ser diferente.

Nesse sentido, em seu livro “Direito Ambiental Brasileiro”, Paulo Affonso Leme Machado explicitamente confere a natureza de crime formal à conduta típica de causar poluição em nível tal que possa resultar em danos à saúde humana. Segundo informa o festejado autor:

“A saúde humana, os animais e a flora foram protegidos com intensidade diferente no art. 54. Este artigo pode ser analisado em duas partes. A primeira parte descreve crime de resultado e crime de perigo. É crime causar poluição em níveis tais que resultem danos à saúde humana, como, também, é crime causar poluição que possa resultar danos à saúde humana. A segunda parte do art. 54 considera crime causar poluição em níveis que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Nessa segunda parte não ficou considerado o crime de perigo e excluiu-se a fauna aquática, já protegida no art. 33” (Curso de Direito Ambiental, Paulo Affonso Leme Machado, 10ª ed., p. 668, grifamos).

No mesmo giro, Celso Antônio Pacheco Fiorillo entende que o crime em comento é de perigo, e não de resultado.

Dessa forma entende o doutrinador que se trata de um crime de perigo concreto, onde expressamente o legislador refutou necessidade de demonstração de resultado nos delitos em comento, ao estabelecer que:

“Urge salientar ainda que o delito em tela é um crime de perigo concreto, o que significa dizer que o legislador não presumiu o perigo, exigindo do acusador a sua prova. A adoção de crimes de perigo encontra-se em perfeita consonância com o direito ambiental, privilegiando-se o princípio da prevenção. Dessa forma, a conduta já estará caracterizada com a potencialidade do dano, sendo desnecessária para a tipificação a realização do resultado naturalístico danoso” (Curso de Direito Ambiental Brasileiro, Celso Antônio Pacheco Fiorillo, 1ª ed, p. 120, grifamos).

Por seu turno, Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado, em sua obra “Proteção Penal e Meio Ambiente”, expressamente endossa essa linha de pensamento, ao afirmar:

“Partindo dessa concepção normativa do evento, ou da concepção mista, considerando a ofensa sofrida pelo bem jurídico tutelado, classifica-se o crime como: crime de dano, quando o tipo prevê o dano ao bem jurídico tutelado, ou seja, quando o bem jurídico é destruído ou diminuído – há lesão efetiva, por exemplo: [...] art. 54 (“causar poluição [...] em níveis tais que resultem [...] em danos à saúde humana”)... e crime de perigo, quando o bem tutelado é exposto a perigo de um dano – há lesão potencial, ou seja, quando o bem jurídico é ameaçado de dano, por exemplo: arts. 54, caput (“possam resultar”) e §3º, 56 e 61, da Lei n.º 9.605/98”. (Proteção Penal do Meio Ambiente, Alessandra Rapassi Mascarenhas Prado, 1ª ed., p. 109, grifamos).

Contudo, referida norma penal é uma norma em branco stricto sensu; logo, a mesma demanda uma complementação heterogênea para plena eficácia de seu enunciado incriminador punitivo.

No Brasil, diante do quanto estabelecido no art. 30, VIII, da CF/88, caberá a cada Muncípio estabelecer os níveis máximos de pressão sonora para cada área de seu território administrado, conforme a caracterização da área estabelecida em primeira linha pelo seu Plano Diretor Municipal e secundariamente pela lei zoneamento do solo municipal.

Em alguns Municípios mais desenvolvidos, não é raro encontrar o assunto delineado no próprio Código Ambiental Municipal, o que se mostra louvável, ante a especificidade que a matéria exige e assim também demanda seu tratamento particularizado.

Há muito tempo que poluição sonora deixou de ser matéria objeto dos “Códigos de Postura” dos Municípios, ante a complexidade de seu traquejo.

Assim, somente com a devida caracterização da área do Município e suas particularidades conseguir-se-á estabelecer adequadamente a normatização dos limites máximos de pressão sonora admitíveis diante do caso concreto – área hospitalar, área predominantemente residencial, área exclusivamente residencial, área predominantemente comercial etc.

Caso não haja regramento local sobre o assunto, adotar-se-á, na existência, os limites máximos permitidos pelo Estado Federativo onde tenha ocorrido a poluição.

Por exemplo, na Bahia, o Conselho Estadual de Meio Ambiente editou a Resolução CEPRAM n.º 1.150, de 14.11.1995, a qual versa sobre a determinação dos níveis de ruído em ambientes internos e externos das áreas habitadas.

Caso haja um conflito positivo de normas entre a norma estadual e a municipal no tocante ao regramento jurídico do quantum de energia sonora a ser permitido, adotar-se-á a postura mais conservativa (menor limite), em decorrência do princípio da prevenção do direito ambiental.

Sempre bom relembrar que o assunto se encontra na seara do direito penal ambiental, onde os princípios da prevenção e precaução imperam e norteiam toda a atividade legislativa e jurídica. Logo, há de se proteger os sujeitos ofendidos pelos níveis de energia promovidos pelo autor do fato.

Por fim, caso não haja normatização municipal nem estadual específica do assunto sobre o assunto, os operadores do direito poderão se valer dos limites estabelecidos pelas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT 10.151 e 10:152, conforme seja a questão a ser apreciada referente a emissões em logradouros públicos ou acessíveis ao público (áreas externas) ou áreas internas.

Mister ressaltar que conquanto não seja a ABNT órgão estatal, a mesma goza de prestígio notadamente reconhecido pelos Tribunais pátrios, em razão da excelência e da natureza imparcial, científica e idônea de seus trabalhos acadêmicos, sendo uma verdadeira referência em padronização de procedimentos de medição.

Nesse toar, cumpre informar que as susomencionadas normas ABNT 10:151 e 10:152 estabeleceram de forma criteriosa os níveis máximos de ruído em relação a áreas habitadas – ambientes urbanos – com base em estudos sobre saúde humana publicados pela Organização Mundial de Saúde – OMS, órgão das Nações Unidas.

Dentre diversos estudos publicados, dentre os quais mencionamos simploriamente WHO -Guidelines for Community-Noise, 1999; WHO – Noise technical meeting on exposure-response relationships of noise on health, 2003; WHO – Report on the second meeting on night noise guidelines, 2004, todos, sem exceção, apontam para efeitos deletérios com efeitos fisiológicos e psicológicos a exposição humana a níveis de intensidade sonora acima de 55dB.

Assim, há de se analisar o fato sob a égide da norma mais protetiva, sendo a abordagem inicial feita necessariamente diante das disposições municipais e estaduais sobre o assunto, onde prevalecerá a norma mais protetiva.

Somente de forma eventual e secundária admitir-se-á a aplicação dos limites estabelecidos pelas mencionadas normas da ABNT.

Por oportuno cabe dizer que o crime em análise se trata de delito formal, de perigo abstrato coletivo, não demandando vítima certa e individualizada, eis que o sentido da norma é proteger o meio ambiente sonoro daquele tipo de conduta, onde qualquer pessoa que se expusesse a referidos níveis de energia sofreria as consequências deletérias produzidas pelo autor do fato.


3. Conclusão.

A exposição de terceiros a níveis de pressão sonora acima do legalmente permitidos enseja o reconhecimento do crime de poluição sonora do art. 54, caput, da Lei n.º 9.605/98, eis que esta modalidade de crime é de perigo abstrato (ou, no máximo, perigo concreto, segundo entendimento), mas jamais admitir-se-ia a necessidade da demonstração do resultado materialístico da poluição nessa modalidade de delito.

Logo, a caracterização de aludido crime independe de resultado naturalístico.

Sobre o autor
Paulo Eduardo Sampaio Figueiredo

Promotor de Justiça do Estado da Bahia. Especializado em Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá, 2003. Especializado em Meio Ambiente e Urbanismo pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, 2016. Licenciado em filosofia pela Universidade Estadual de Santa Cruz, 2016. Mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Paulo Eduardo Sampaio. Da desnecessidade do resultado naturalístico no crime de poluição sonora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5008, 18 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53580. Acesso em: 25 nov. 2024.

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