No dia 27 de outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal proferiu um importante julgamento, em sede de repercussão geral, decidindo que “A Administração Pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público”.
Com essa decisão, o STF sedimentou uma grande celeuma em torno da possibilidade ou não da Administração Pública efetuar o desconto dos dias em que os servidores faltaram ao serviço, sem que haja necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
A título de esclarecimento, havia em torno de 126 processos judiciais sobrestados à espera dessa decisão, que agora serão finalizados com base no entendimento manifestado pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Como é sabido, o direito de greve é um direito constitucionalmente garantido aos servidores públicos, porém, até os dias atuais, ainda não foi editada pelo Congresso Nacional uma lei que regulamente a matéria no âmbito do serviço público.
Tal inércia legislativa levou o Supremo Tribunal Federal a estender a aplicação da Lei 7.783/89, que regulamenta o exercício do direito de greve no Setor Privado, aos servidores públicos em geral, sendo que sempre pairaram dúvidas sobre a legitimidade dos descontos dos dias faltados pelos servidores grevistas diretamente pela Administração Pública.
A decisão proferida recentemente pelo STF, no entanto, coloca em questão uma discussão mais ampla, qual seja, a Supremacia do Interesse Público versus o Direito Fundamental à Greve.
O Princípio da Supremacia do Interesse Público é uma das “pedras de toque” do Direito Administrativo, segundo o qual o interesse da coletividade deve se sobrepor ao interesse particular.
Por outro lado, o direito de greve é um direito fundamental, sendo parte da macroestrutura de garantias e direitos fundamentais elencados pela Constituição Federal e assegurados aos cidadãos em geral, dentre eles, os servidores públicos.
Portanto, há que se buscar uma ponderação desses interesses em conflito, de maneira a não se excluir totalmente um direito em face da aplicação do outro.
Se é certo que o serviço público deve ser prestado de forma contínua, não é menos certo que os servidores públicos não possam fazer reivindicações para melhorias de carreira e de condições de trabalho.
Da forma como foi colocada a questão pelo STF, a menos que haja acordo ou que o movimento grevista decorra de conduta ilícita do Poder Público, será permitido o desconto de salários dos servidores faltosos.
Portanto, há que se questionar em que medida a referida decisão não tolhe ou até mesmo esvazia o direito fundamental à greve, pois, daqui pra frente, os servidores ficarão temerosos em faltar ao trabalho para reivindicar melhorias de carreira diante da possibilidade de cortes salariais.
Note-se que as melhorias de carreira e de condições de trabalho são conseguidas com muita luta, pois são raros os governantes que têm um olhar diferenciado para os servidores públicos, sendo o direito de greve um importante instrumento para compelir os Administradores a dar mais atenção às reivindicações de cada categoria.
Não se está, com isso, defendendo irrestritamente o exercício do direito de greve, pois há situações que beiram o absurdo, notadamente quando há abuso ou quando envolvem a paralisação de serviços públicos essenciais.
Por isso, o equilíbrio seria a melhor medida de harmonização dos interesses aqui discutidos, sem penalizar os servidores grevistas e nem a população. Portanto, uma decisão mais adequada deveria buscar um equilíbrio entre a Supremacia do Interesse Público e o Direito Fundamental à Greve.
Lançadas essas premissas, resta saber como a decisão do STF irá refletir nas reivindicações de todas as categorias de servidores públicos do País.