Com o advento da Lei 11340/06 (Lei Maria da Penha) o significado do termo mulher passa a exercer uma conotação bem mais complexa. Precedente o referido diploma legal, ao deparar-se com a expressão “mulher” não havia qualquer dificuldade em assimilar seu significado, bastando para tanto utilizar-se tão somente da interpretação literal.
Tal preceito foi inovador em muitos aspectos, construindo mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, algo que ainda não existia no ordenamento jurídico brasileiro. Restringe-se o presente artigo meramente ao exame do hodierno significado do vocábulo “mulher” empregado pelo legislador, bem como sua amplitude a partir de uma interpretação extensiva, utilizando-se, para tanto, do processo hermenêutico jurídico.
Visando elucidar o pretendido, passamos a análise da lei 11340/06, especificamente o caput de seu artigo 5º, vejamos:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:(grifo nosso)
Cumpre observar, preliminarmente, a partir do caput supracitado, que o legislador preconiza a violência contra a mulher baseada no gênero e não assentada estritamente numa acepção biológica.
Destarte, a proteção demandada da Lei Maria da Penha deve ser assimilada no sentido amplo do sistema de gênero. Logo, faz-se mister para a correta compreensão do sujeito passivo amparado pela referida legislação o conceito jurídico de gênero. Gênero pode ser definido em sentido stricto sensu como sinônimo de sexo, referindo-se ao sexo masculino ou feminino. Entretanto, utilizando-se de um conceito lato sensu, gênero é entendido como aquilo que diferencia socialmente as pessoas, tendo em vista padrões histórico-culturais atribuídos para os homens e mulheres.
Apenas para pontuar a questão, temos a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha a homem vítima de violência doméstica:
Seguindo a ideia da aplicabilidade da Lei Maria da Penha em casos em a vítima não seja mulher, em julho de 2014 a juíza da Comarca de Primavera do Leste, Aline Luciane Quinto, também concedeu medidas protetivas a um caso de união homoafetiva. Na ocasião, uma das partes foi agredida pelo ex-companheiro que não aceitou o término do relacionamento.[1]
Similarmente, existem decisões de aplicação do referido diploma legal para transexuais masculinos, vejamos:
Agora, outra decisão também amplia a aplicação da Lei Maria da Penha, dessa vez para transexual masculino (proc. N. 201103873908, Tribunal de Justiça de Goiás - 1ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis, juíza Ana Cláudia Veloso Magalhães, vítima de violência doméstica.[2]
Em virtude dessas considerações, entendemos que as louváveis medidas protetivas elencadas nos artigos 22, 23 e 24 da Lei 11340/06, possam ser aplicadas a quaisquer vítimas de violência doméstica e familiar.
Isto posto, vislumbra-se que a mera substituição do vocábulo “mulher” por um termo de maior abrangência, como, por exemplo, “vítima”, não só asseguraria todos os mecanismos de proteção às mulheres vítima de violência doméstica e familiar, como alcançaria outros sujeitos vítimas de ação ou omissão baseada no gênero que lhe possa vir a sofrer morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Nota
[1] http://www.olhardireto.com.br/jurídico/noticias/exibir.asp?id=23652, em 15/09/2016.
[2] http://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/121814113/aplicacao-da-lei-maria-da-penhaatransexual. Alice Bianchini em 15/09/2016.