A análise sobre o controle de políticas públicas envolve uma série de tópicos relativos, imprescindíveis à implementação de possíveis soluções para a labiríntica situação. Deve-se abordar, por exemplo, que o tema ora proposto engloba a discussão da relação Estado/particular, afinal, a Constituição Federal de 1988 traça determinadas prerrogativas que são “direitos de todos e dever do Estado”. E qual o papel do cidadão neste cenário?
Afinal, o cidadão é o usuário das implementações governamentais, e deve, desta forma, atuar constantemente na consolidação dos projetos destinados à população, posto que ele é o que sente efetivamente as mudanças proporcionadas pelas políticas públicas (para quem não está interessado em nenhuma teoria, e que tem como alucinação suportar o dia-a-dia – a música de Belchior tem muito a dizer). Este sentimento é salutar nas melhorias de um país extenso como o Brasil, onde “os contrários se justapõem” (apresentação de Fernando Henrique Cardoso à 51º Edição de Casa Grande e Senzala, Editora Global) e com formação cultural assaz peculiar.
Este sentimento tem relação quanto à implementação das políticas públicas, pois esta é a demonstração prática dos anseios sociais, daquilo que o povo realmente necessita em determinado momento.
O debate ora proposto dialoga com conceitos bastante reproduzidos no ambiente jurídico, por exemplo, a ideia de eficiência e celeridade na atividade pública (aqui vem à tona a busca pelo desafogamento do Judiciário, que merece reflexão em outro momento), tema de discussão há muito tempo iniciada (interessante citar a Reforma Administrativa da EC. 19/98, que incorporou o Princípio da Eficiência no art. 37 da CRFB). Importante alertar que a busca por eficiência e celeridade também possui limites, recorrendo à Literatura e lembrando da máxima do “coro” na obra Antígona de Sófocles no sentido de que “quem rapidamente julga, facilmente erra”. É preciso que o cidadão esteja atento quanto a este ponto: a busca pela eficiência na prestação do serviço público não legitima desmedidas por parte do próprio setor público.
É cediço por todos que o controle da atividade pública sofreu consideráveis mudanças no decorrer dos anos, isto porque os meios de fiscalização da atividade da administração pública são corroborados pelos avanços tecnológicos, proporcionando, desta maneira, uma aproximação e participação mais efetiva do cidadão nas tarefas do Estado.
Vale salientar, sob título de complemento, o aprimoramento dos sites de transparência, que proporciona a divulgação de salários de servidores na internet (expandida em esfera global e em curto tempo devido às redes sociais), a velocidade (e liquidez) de informações sobre o cotidiano da atividade pública, a publicação de vídeos destinados à população com explicações de temas político/jurídicos, com vistas à simplificação do linguajar técnico etc.
O controle social, entendido como a atitude do cidadão perante a atividade da administração pública, configura-se como o mais importante tipo de fiscalização das políticas governamentais, posto que reflete na atitude dos parlamentares e representa a máxima de qualquer nação, qual seja, de que para viver em comunidade é necessário respeito e responsabilidade entre cidadãos, e entre estes e seus representantes.
Essas melhorias passam, sem dúvida, por aperfeiçoamentos constantes e crescentes, que dizem respeito a uma gama de diligências, que passam despercebidas no corrido cotidiano. Para melhor compreensão do tema, recorre-se à Filosofia de Michel Foucault, que elabora o conceito de “microfísica do poder”, dispondo que as relações de poder e a dominação se encontram esmiuçados nas mais variadas instituições, e que para a compreensão séria e eficaz dos problemas que envolvem a sociedade hodierna e disciplinar, faz-se necessário uma análise pormenorizada, “de baixo para cima”, capaz de compreender os aspectos culturais do problema proposto, e assim repará-lo.
Destarte, para o aperfeiçoamento do controle das políticas públicas é salutar a participação popular neste processo, então, interessante também que a população seja ciente e consciente de suas pulsões e revoltas, para cobrá-las com efeito. Para isto, o Direito precisa ser levado a sério (o Direito em sentido amplo, não apenas as leis em viés estrito, mas, notadamente, o ensino jurídico e a hermenêutica jurídica), para que a Constituição se torne o livro de cabeceira dos cidadãos, não um projeto utópico de sonhos impossíveis.
Todos os cidadãos merecem maior contato com o texto constitucional, com a organização política do Estado, com seus direitos e deveres, para que assim possam cobrar de seus representantes. Uma espécie de “constante auditoria popular” que resulta em efetivo controle da atividade pública.
Questões deste jaez abrangem, principalmente, a relação harmônica entre os poderes, e, notadamente, o equilíbrio financeiro: a concatenação dos gastos possíveis pelo Governo e as políticas passíveis de implementação. Este tópico, por sua vez, carece de uma análise extremamente pormenorizada, que ultrapassa os limites do presente trabalho. O assunto diz respeito por exemplo à desconstrução (amparado em Derrida) da famosa máxima que resulta na “oportunidade e conveniência do executor das políticas públicas” e da reflexão sobre a “supremacia do interesse público sobre o privado”.
A discussão se acirra quando se coloca em cheque a função que o Poder Judiciário passa a exercer no contexto histórico pós-segunda guerra, isto, pois, o juiz passa a atuar como um dos responsáveis (lembrando da sociedade aberta de intérpretes proposta por Peter Haberle) pela construção do modelo de Estado que se propõe. Vale salientar, no entanto, que a supracitada conjuntura não deve servir como “álibi” para o aparecimento da arbitrariedade judicial, tampouco da configuração de um “juiz herói” que tudo pode fazer. O respeito aos limites traçados constitucionalmente é fundamento de validade da própria Constituição.
Como ensina Lenio Streck “se no Estado Liberal a tensão se focava na vontade geral (Legislativo) e no Estado Social no Executivo, pela necessidade de resolver problemas sociais a partir de políticas públicas, no Estado Democrático de Direito engendra-se uma nova formulação nessa relação”, assim o Judiciário atua no sentido de “suprir a inércia dos demais poderes”, oportunizando ao cidadão o acesso à justiça como ponte para a concretização do projeto estabelecido constitucionalmente. (STRECK, p.44)
A discussão sobre os limites de atuação de cada poder gera muita controvérsia no meio acadêmico, o que de fato é presumível diante da postura que o intérprete julgador assume no contexto do Estado Democrático, que é de Direito. Entretanto, para a população diretamente interessada, a participação do Judiciário no controle das políticas públicas pode ser de grande valia - desde que respeite os limites semânticos do texto jurídico máximo, louvando também a integridade e autonomia do Direito. Isto porque o acesso à justiça e a inafastabilidade da prestação jurisdicional fazem parte, justamente, das prerrogativas do cidadão perante o Estado, que, descontente com a atuação do "administrador" procura seu resguardo no campo jurídico.
No ano de 1948, em seu clássico “Coronelismo, enxada e voto” Victor Nunes Leal proclamou que “tivéssemos maior dose de espírito público e as coisas certamente se passariam de outra forma”. (LEAL, p.239). Veja a atualidade deste pensamento. O sentimento de atitude e descontentamento do cidadão é conteúdo necessário para a vida em conjunto, inclusive para que o país não se transforme naquele modelo de Estado profetizado por Huxley em seu “Admirável Mundo Novo”, em que todos são felizes e contentes com suas vidas, cegos e obedientes, sem perspectiva de mudanças e crescimentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51º Edição. Rev. São Paulo: Editora Global, 2006.
HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Lino Vallandro e Vidal Serrano, São Paulo: Editora Globo, 2009.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 7º Edição, São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
STRECK, Lenio Luis. Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica, 3 º Edição, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2013.