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A estrutura legal do Sistema Único de Saúde:

breve escorço sobre o Direito Constitucional Sanitário

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Agenda 05/07/2004 às 00:00

LEI ORGÂNICA DA SAÚDE (LEI 8.080/90)

A Lei Orgânica da Saúde, Lei 8.080/90 veio regulamentar as ações de saúde no Brasil, entendida amplamente a expressão, seja para abrigar a saúde preventiva e curativa propriamente dita, seja a vigilância sanitária, seja mesmo os fatores externos concernentes a saúde como o saneamento básico, alimentação, trabalho etc.

O Art. 198 da Constituição Federal de 1988 prevê a integralização em rede hierarquizada e regionalizada dos serviços e ações de saúde em forma de sistema único e o art. 200 trata de estabelecer os objetivos de tal sistema.

"Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;

III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;

V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho" (Grifos nossos).

A norma constitucional como destacado acima é quem faz a referência à atividade regulamentadora do legislador infraconstitucional. A Lei 8.080/90 nasce para dar visibilidade e estrutura ao SUS, juntamente com a Lei 8.142/90, a qual, como já dito, deriva da necessidade de ultrapassar-se os vetos que a LOS recebeu, criando os Conselhos e Conferência de Saúde bem como implementando os instrumentos de controle social das políticas de saúde.

A Lei 8.080/90 é dividida em cinco títulos que tratam, respectivamente sobre: disposições gerais, o sistema único de saúde, os serviços privados de assistência à saúde, recursos humanos e financiamento. Passamos a fazer uma breve análise de apresentação sobre cada qual.

Das disposições gerais

Nesse título a LOS avança em relação à conceituação do direito à saúde em dois pontos substancialmente.

Em primeiro lugar ao tratar do direito à saúde, consoante a perspectiva constitucional, como um direito fundamental. Nesse ponto de vista não se trata de defender o direito à vida compreensivamente, e sim de entender a saúde como um direito à vida qualificado, direito às condições mínimas necessárias para uma existência digna. Dessa maneira o Estado não pode mais conformar-se à rudimentar função de prestador de serviços de saúde, o que traduziria uma relação individual, contratual, de consumo entre o cidadão e o SUS. Em face da saúde enquanto direito fundamental o Estado reveste-se do papel de garantidor positivo de uma política sanitária ampla com o fito de desincumbir-se da sua responsabilidade, de seu dever constitucional de prestar, a qual corresponde um direito difuso.

Em segundo lugar ao abordar no art. 3º os fatores determinantes ou condicionantes da saúde tais como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, a LOS ampliou de maneira corajosa o conceito da saúde. O conceito inclusivo ou compreensivo de saúde presente na LOS permite compreender que os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País, o que situa nitidamente e intencionalmente o direito à saúde como elemento basilar da construção da cidadania brasileira.

É de se entender que o espectro de abrangência da LOS alcança não apenas o setor público, mas igualmente o setor privado já que as ações e serviços de saúde são de relevância social.

O Sistema Único de Saúde

Como já dito anteriormente a organização dos serviços e ações de saúde em forma de Sistema único já era mandamento de índole constitucional, de maneira que a LOS surge para integrar a eficácia da previsão.

Sobre o alcance da vinculação dos serviços públicos em todas as esferas federativas ao SUS afirmam categoricamente CARVALHO e SANTOS (1995:63):

"Com o comando único em cada esfera de governo e a determinação legal de que esse comando será exercido nos Estados pela Secretaria de Saúde, todos os serviço de saúde nos Estados e Municípios terão, obrigatoriamente, de ficar subordinados à normatividade do SUS. A LOS não deixou espaço para o que ERNANI BRAGA uma vez denominou ‘feudalismo institucional’.

Desse modo, os serviços de saúde, ainda que não estejam formalmente subordinados ou vinculados às Secretarias Estaduais ou Municipais de Saúde, como os hospitais penitenciários (geralmente subordinados às Secretarias de Justiça ou de Segurança), os hospitais das Forças Armadas e os hospitais universitários, integram o SUS e, constitucionalmente e legalmente, hão de submeter-se à direção única do SUS, no tocante à política de saúde."

De ressaltar que a participação dos hospitais universitários no plano do SUS far-se-á mediante convênio (art.45 da LOS), e não automaticamente como a princípio de depreende do texto do art. 4º da Lei em comento.

Quanto aos objetivos do SUS é notável a ampliação que a LOS confere aos oito incisos do art.200 da CF/88, que nela transformam-se em vinte e um. Todas as finalidades aqui traçadas, a bem da verdade, encontram respaldo constitucional, pois não fogem aos assuntos referentes à vigilância sanitária, à saúde do trabalhador, ao saneamento básico, ao controle e fiscalização de serviços e produtos e recursos humanos. Quanto aos princípios e diretrizes já forma tratados no princípio desse trabalho.

Para finalizar essa parte cabe a referência ao art. 8º que encomenda a direção do SUS para cada esfera federativa, no plano federal ao Ministério da Saúde, nos Estados às Secretarias Estaduais e nos Municípios às Secretarias Municipais. Menção obrigatória merece também a previsão do consórcio entre os Municípios facultado pelo art. 10 da LOS.

Acerca da competência regulatória das três entidades federativas (arts. 16 a 18) já aludimos no capítulo anterior.

Dos serviços privados da Assistência à saúde

Quanto aos serviços privados de saúde a LOS prevê duas classificações: aqueles que não pertencem ao SUS, respaldados pela liberdade que a Constituição Federal de 1988 confere à iniciativa privada no setor, feitas apenas as restrições concernentes ao capital estrangeiro, constantes do art. 199, §3º desse Excelso Diploma, e os que mediante convênio prestam serviço complementar de saúde ao Sistema Único.

Para a contratação dos particulares pessoas jurídicas que prestarão o serviço de saúde privado complementar (art.199, §1º da CF/88), na hipótese das condições do setor público não cobrirem a demanda, o que é uma realidade nacional evidente, faz-se necessária a realização de licitação nos moldes da Lei 8.666/93. Advertem CARVALHO e SANTOS (ob.cit.:183) que a inobservância dessa regra tem sido generalizada no plano federal, sem que haja qualquer justificativa palpável para o afastamento da aplicação da Lei 8.666/90.

O art. 25 da LOS lembra o mandamento constitucional de que a preferência para formulação de convênios para que as entidades privadas integrem o SUS é das instituições de fins filantrópicos.

O art. 26, §1º fala sobre os critérios para remuneração e parâmetros da cobertura assistencial, pelo que é importante assinalar que são duas atividades submetidas à competência da Direção Nacional do SUS mediante aprovação do Conselho Nacional de Saúde.

Dos recursos humanos

Uma das preocupações da Constituição Federal na área da saúde foi, expressamente, a formação de recursos humanos (art. 200, III). A LOS busca implementar uma política de fomento à qualificação específica na área através de programas de aperfeiçoamento pessoal em todos os níveis de ensino, inclusive pós-graduação, bem como a valorização da dedicação exclusiva ao SUS. Sobre o tema socorro-me novamente de CARVALHO e SANTOS (ob.cit.:208):

"Por mais bem estruturado que venha a ser o Sistema Único de Saúde, por mais abrangente e pormenorizada que venha a ser a legislação ordenadora do SUS, por mais recursos financeiros e materiais de que disponha o sistema, e por mais avançados que sejam os enunciados da política de saúde e os objetivos fixados na Lei Orgânica da Saúde, O SUS NÃO FUNCIONARÁ A CONTENTO E OS IDEAIS NELE TRADUZIDOS ESTARÃO FADADOS AO FRACASSO se não dispuser de recursos humanos qualificados e, obviamente, valorizados sempre" (Grifos no original).

A Norma Operacional Básica 01/93 no documento A ousadia de cumprir e fazer cumprir a Lei incumbia um grupo de trabalho especificamente para elaborar diretrizes e apoio técnico à "preparação e gestão de RH para o Sistema; ordenar a formação em articulação com o aparelho formador e entidades profissionais".

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Do financiamento

A norma inspiradora da matéria é de matiz constitucional. Reza o art. 195 da Constituição Federal que "a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais".

A EC 29/2000 também introduziu modificações que repercutem na elaboração dos orçamentos da saúde nas três esferas federativas na obrigatoriedade da observância de percentuais vinculados à saúde, in verbis:

"Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

I - os percentuais de que trata o § 2º;

II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;

III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;

IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União."

Há de se levar em conta após a referida emenda constitucional que o orçamento da seguridade social conta na área de saúde com receita vinculada de impostos, além de contribuição social específica no nível federal (CPMF).

No caso dos Estados-membros e Distrito Federal comporá o orçamento nacional da saúde 11% da receita do imposto sobre transmissão causa mortis, do ICMS e do IPVA, assim como suas participações na distribuição da receita do IRPJ pago à União pelos seus órgãos, do FPE e do IPI (Art. 77,II do ADCT). Quanto aos Municípios 15% dos valores recebidos de sua receita originária e transferida. Já a União assumiu um critério mais financeiro-atuarial, acrescendo em 5% o montante de sua contribuição em 1999 ao orçamento da saúde para 2000, e de 2001 a 2004 essa quantia corrigida pela variação nominal do PIB.

A LOS prevê a somatória de outras fontes ao orçamento da saúde como aquelas provenientes de doações, alienações patrimoniais, taxas e emolumentos na área de saúde e serviços que possam ser prestados, contanto que não interfiram na área-fim do SUS (art.32).

É de ressaltar que a Lei adverte que as ações de saneamento básico executadas supletivamente pelo SUS serão financiadas com recursos do Sistema Financeiro de Habitação, precipuamente (art. 32, §3º da LOS), assim como o fomento à pesquisa poderão ser co-financiadas por Universidades e Instituições de fomento, além das próprias unidades executoras.


AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA

A ANVISA foi criada pela Medida Provisória 1.791, de 1998 posteriormente convertida na Lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999. Sua finalidade é administrar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, a qual foi definida na Lei Orgânica da Saúde como "um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde" (art. 6º, §1º da Lei 8.080/90).

Foi concebida no novel modelo das Agências Nacionais, cuja natureza jurídica é de autarquia submetida a regime especial. É gerida por uma Diretoria Colegiada composta por até cinco membros escolhidos pelo Presidente da República e ratificados pelo Senado Federal, nos moldes da indicação para Ministros dos Tribunais Superiores e altas autoridades do Executivo. O mandato da Diretoria será de três anos permitida uma única recondução e dentre tais membros o Presidente da República escolherá o Diretor-Presidente. Além da Diretoria Colegiada a ANVISA conta também com um Procurador e um Ouvidor.

Na sua estrutura foi criada também um Conselho Consultivo formado por membros dos no mínimo, representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, dos produtores, dos comerciantes, da comunidade científica e dos usuários. A Lei deixa para o regulamento estabelecer a competência e o número de membros do Conselho. Diz o Decreto 3.029 de 16 de abril de 1999:

"Art. 17. O Conselho Consultivo tem a seguinte composição:

I - Ministro de Estado da Saúde ou seu representante legal, que o presidirá;

II - Ministro de Estado da Agricultura e do Abastecimento ou seu representante legal ;

III - Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia ou seu representante legal;

IV - Conselho Nacional de Saúde - um representante;

V - Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde - um representante;

VI - Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde - um representante;

VII - Confederação Nacional das Indústrias - um representante;

VIII - Confederação Nacional do Comércio - um representante;

IX - Comunidade Científica, convidados pelo Ministro de Estado da Saúde - dois representantes;

X - Defesa do Consumidor - dois representantes de órgãos legalmente constituídos.

§ 1º O Diretor-Presidente da Agência participará das reuniões do Conselho Consultivo, sem direito a voto.

§ 2º O Presidente do Conselho Consultivo, além do voto normal, terá também o de qualidade.

§ 3º Os membros do Conselho Consultivo poderão ser representados, em suas ausências e impedimentos, por membros suplentes por eles indicados e designados pelo Ministro de Estado da Saúde." (NR) (Parágrafo incluído pelo Dec. nº 3.571, de 21.8.2000)"

A ANVISA tem como objetivos precípuos a regulação, controle e fiscalização dos produtos que impliquem riscos à saúde pública, tais como medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias, alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos veterinários, cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes, saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos, conjuntos, reagentes e insumos destinados a diagnóstico, equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem, imunobiológicos e suas substâncias ativas, sangue e hemoderivados, órgãos, tecidos humanos e veterinários para uso em transplantes ou reconstituições, radioisótopos para uso diagnóstico in vivo e radiofármacos e produtos radioativos utilizados em diagnóstico e terapia, cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de radiação (art. 7º da Lei 9.782/99).

Na sua atuação a ANVISA deve pautar-se pelos objetivos de atuar sobre as circunstâncias especiais que provoquem potencialmente riscos à saúde, por isso seu espectro de ação é amplo, envolvendo não apenas poder de polícia, mas poder de normatizar.

A Lei é expressa ao exigir a observância do princípio da descentralização administrativa da gestão, na efetividade do princípio de subsidiariedade visto acima, para que a ANVISA possa delegar poderes, inclusive de arrecadação como veremos adiante, aos demais entes federativos, mediante assentimento dos Conselhos de Saúde. Mas será sempre sua a responsabilidade superior de prestar orientação técnica aos Estados-membros e Municípios, bem como será incumbência do Ministério da Saúde a formulação, acompanhamento e avaliação no plano nacional da política e prioridades das ações de vigilância sanitária para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, que é coordenado pela ANVISA. Para a implementação da política de descentralização a referência legislativa é a Lei 8.080/90 já estudada anteriormente.

A ANVISA veio substituir a extinta Secretaria de Vigilância Sanitária, órgão do Ministério da Saúde e hoje ocupa, juntamente com o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Vigilância Sanitária, a trindade que deve desincumbir-se das ações dessa natureza no país. Para a consecução de suas atribuições a Lei 9.782/99 estabelece uma gama ampla de poderes à Agência os quais realizam com clareza um novo perfil intervencionista para o poder Executivo no atendimento à demandas dinâmicas cuja resolução muitas vezes escapa ao ritmo lento das tramitações legislativas. Dentre as prerrogativas da ANVISA cabe citar:

"Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;

IV - estabelecer normas e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde;

V - intervir, temporariamente, na administração de entidades produtoras, que sejam financiadas, subsidiadas ou mantidas com recursos públicos, assim como nos prestadores de serviços e ou produtores exclusivos ou estratégicos para o abastecimento do mercado nacional, obedecido o disposto no art. 5º da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2º da Lei nº 9.695, de 20 de agosto de 1998;

VI - administrar e arrecadar a taxa de fiscalização de vigilância sanitária, instituída pelo art. 23 desta Lei;

VII - autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei e de comercialização de medicamentos;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)

VIII - anuir com a importação e exportação dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei;

IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;

X - conceder e cancelar o certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação;

.....

XIV - interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

XVI - cancelar a autorização de funcionamento e a autorização especial de funcionamento de empresas, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

XVII - coordenar as ações de vigilância sanitária realizadas por todos os laboratórios que compõem a rede oficial de laboratórios de controle de qualidade em saúde;

XVIII - estabelecer, coordenar e monitorar os sistemas de vigilância toxicológica e farmacológica;

XIX - promover a revisão e atualização periódica da farmacopéia;

XX - manter sistema de informação contínuo e permanente para integrar suas atividades com as demais ações de saúde, com prioridade às ações de vigilância epidemiológica e assistência ambulatorial e hospitalar;

XXI - monitorar e auditar os órgãos e entidades estaduais, distrital e municipais que integram o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, incluindo-se os laboratórios oficiais de controle de qualidade em saúde;

XXII - coordenar e executar o controle da qualidade de bens e produtos relacionados no art. 8º desta Lei, por meio de análises previstas na legislação sanitária, ou de programas especiais de monitoramento da qualidade em saúde;

XXIII - fomentar o desenvolvimento de recursos humanos para o sistema e a cooperação técnico-científica nacional e internacional;

XXIV - autuar e aplicar as penalidades previstas em lei.

XXV - monitorar a evolução dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes, insumos e serviços de saúde, podendo para tanto:

a. requisitar, quando julgar necessário, informações sobre produção, insumos, matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados, em poder de pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso;( Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)

b. proceder ao exame de estoques, papéis e escritas de quaisquer empresas ou pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)

c. quando for verificada a existência de indícios da ocorrência de infrações previstas nos incisos III ou IV do art. 20 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, mediante aumento injustificado de preços ou imposição de preços excessivos, dos bens e serviços referidos nesses incisos, convocar os responsáveis para, no prazo máximo de dez dias úteis, justificar a respectiva conduta;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro 2000)

d. aplicar a penalidade prevista no art. 26 da Lei nº 8.884, de 1994;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)

§ 1º A Agência poderá delegar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a execução de atribuições que lhe são próprias, excetuadas as previstas nos incisos I, V, VIII, IX, XV, XVI, XVII, XVIII e XIX deste artigo."

Agora entre os poderes da ANVISA o que mais impressiona, senão incomoda, encontra-se no art.8º, §4º, o qual além do produtos listados na Lei de interesse à proteção sanitária e portanto autorizadores da ação da ANVISA, "a Agência poderá regulamentar outros produtos e serviços de interesse para o controle de riscos à saúde da população, alcançados pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária".

A norma citada constitui uma verdadeira norma em branco como as constantes da doutrina penalista, hoje muito em voga na seara ambiental, onde os riscos muitas vezes apenas podem ser avaliados diante do fato, dificilmente cabíveis no raio de uma previsão legislativa. Trata-se de uma prerrogativa fronteiriça do Estado de Direito, um alargamento de fronteiras que sugere uma alteração de paradigmas.

Trata-se de saber que os regulamentos expedidos pela ANVISA teriam o poder de obrigar a terceiros coercitivamente tal como uma lei formal. A doutrina costuma apontar três dificuldades fundamentais para tanto, quais sejam o fato de que a atividade normativa no plano administrativo submete apenas por obra do dever de obediência hierárquica na Administração Pública, sendo pífio seu alcance em face de terceiros. No mesmo diapasão, a regulamentação no rigor da disciplina constitucional é faculdade do Presidente da República (art. 84, IV da CF/88), sendo a Diretoria Colegiada da ANVISA incompetente para expedir regulamentos para a fiel execução da lei. Por fim, o art. 8º, §4º, da Lei 9.782/99 parece autorizar a ANVISA a inovar na ordem jurídica ao conferir-lhe poderes para definir outros produtos que não estejam compreendidos pela referida Lei, sendo este papel estranho ao poder regulamentar que existe, por excelência, para disciplinar a execução da Lei e não para ultrapassar-lhe os limites, acrescentando-lhe novos elementos ou subtraindo os já definidos. Nesse sentido aponta MORAES (2001:47):

"Portanto, o §4º do art. 8º da Lei 9.782 deverá, nesse aspecto, ser interpretado restritivamente, isto é, os outros produtos de que trata o artigo em comento, só poderão ser aqueles já cuidados nessa Lei ou em outra vigente. Não poderá a Agência fiscalizar ou controlar outros produtos não previstos em lei porque, do contrário, estaria inovando a ordem jurídica e, por conseguinte, afrontando o princípio constitucional da legalidade"

A autora citada chega a mencionar a perspectiva de entendimento da atividade normativa da ANVISA caracterizar-se como complementar de "norma em branco", mas refuta a idéia por aceita-la cabível na seara de tipificação criminal e não no que concerne a fiscalização de bens e serviços pela Agência, ao que pensamos opor o argumento de quem pode o mais, também pode o menos... Parece-nos que se a tipificação a partir de norma penal em branco, mesmo em matéria de vigilância sanitária é possível, como já sói acontecer no direito penal ambiental, igualmente e com mais razão a dilatação do rol de bens afeitos à supervisão da ANVISA seria aceitável, porque a autorização genérica está perfeitamente expressa na Lei, a natureza dos objetos claramente delineável pela enumeração dos artigos 7º e 8º, bem como os anexos da Lei, e, finalmente, as finalidades da ANVISA definidas em lei no conceito de vigilância sanitária dado pela LOS permitiriam o controle efetivo das ações da agência.

Não se trata de delegação legislativa camuflada, o que seria claramente inconstitucional pelo disposto no art. 68 e parágrafos da CF/88, já que essa apenas pode ser dada nas hipóteses previstas naquele dispositivo ao Presidente da República. Também não há que se falar em decreto autônomo, figura de aceitação controvertida entre os administrativistas, pois mesmo para quem os admita sua expedição é privativa do Chefe máxime do Executivo, nos termos do já citado art. 84, IV da Constituição Federal.

Como já dito acima, o poder conferido à ANVISA apenas se pode admitir no direito brasileiro como o de complementar por força de dever regulamentar uma norma em branco. Os limites do poder regulamentar com mais razão estarão presentes no caso, isso porque se ao decreto do Chefe do Executivo já se impõe o dever de conformar-se à Lei, com mais razão as Instruções, Resoluções e Portarias que órgãos administrativos podem expedir estarão cingidas por tais barreiras. Como ensina a palavra precisa de BANDEIRA DE MELLO (1996:208):

"Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão faze-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão faze-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebe-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta".

Eis aí a questão que em um esforço exegético mais correto resolve-se: a autorização do §4º do art. 8º da Lei 9.782/99 não pode ser interpretada extensivamente como a permitir a criação de outras modalidades de imputação ou restrição a direitos que não as previstas na lei, mas sim como ampliação do rol de bens e serviços passíveis da fiscalização, quando sejam tais que possuam conexão intrínseca com a natureza da atividade protetiva de vigilância sanitária. Observe-se que não se cuida de extensão de poder algum, pois a ANVISA continuará dispondo dos mesmas prerrogativas de polícia e normativa que a Lei formal já lhe faculta, senão de um detalhamento dos objetos passíveis de fiscalização, os quais pela sua natureza, pelos riscos que potencialmente apresentam já se encontram compreendidos na finalidade, na justificativa ontológica da ANVISA. Portanto, não vemos ofensa alguma ao princípio da legalidade já que não importa a permissão em uma ampliação da capacidade de ANVISA fazer ou obrigar alguém a fazer alguma coisa que não esteja prevista em lei formal. Os meios de coerção da ANVISA definidos em lei não podem ser ampliados por regulamentos de qualquer lavra. Mas o detalhamento da enumeração de produtos e serviços sujeitos às mesmas condições de fiscalização legalmente previstas parece-nos possível de harmonizar-se no ordenamento jurídico brasileiro.

Um detalhe interessante também a mencionar sobre a ANVISA é que a sua administração faz-se fundamentada juridicamente em um contrato de gestão que é assinado entre o Ministério da Saúde e o Diretor-Presidente que assumir a agência. É essa contrato de gestão que consignará as prioridades e objetivos do mandato a ser cumprido pela Diretoria e os critérios de avaliação de desempenho. Reza a Lei:

"Art. 19. A Administração da Agência será regida por um contrato de gestão, negociado entre o seu Diretor-Presidente e o Ministro de Estado da Saúde, ouvidos previamente os Ministros de Estado da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão, no prazo máximo de cento e vinte dias seguintes à nomeação do Diretor-Presidente da autarquia. (Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)

Parágrafo único. O contrato de gestão é o instrumento de avaliação da atuação administrativa da autarquia e de seu desempenho, estabelecendo os parâmetros para a administração interna da autarquia bem como os indicadores que permitam quantificar, objetivamente, a sua avaliação periódica.

Art. 20. O descumprimento injustificado do contrato de gestão implicará a exoneração do Diretor-Presidente, pelo Presidente da República, mediante solicitação do Ministro de Estado da Saúde

Por fim, a Lei 9.782/99 autoriza a exoneração imotivada do Diretor-Presidente da Agência ao nuto do Presidente da República nos primeiros quatro meses de mandato, após o que será afastado apenas nos casos de prática de ato de improbidade administrativa, de condenação penal transitada em julgado e de descumprimento injustificado do contrato de gestão da autarquia.

Sua manutenção financeira advém basicamente da receita da Taxa de Vigilância sanitária, paga anualmente em valores fixos pelas empresas nas hipóteses, exemplificativamente, de autorização de funcionamento por estabelecimento ou unidade fabril e para cada tipo de atividade, sobre a indústria de medicamentos, equipamentos (medicina nuclear, tomografia computadorizada, ressonância magnética e cineangiocoronagrafia), etc.

Além disso a ANVISA arrecada receita do seu patrimônio alienado ou arrendado, de doações, da cobrança de sua dívida ativa e da imposição de multas (art. 22 da Lei 9.782/99).

Sobre o autor
Sandro Alex de Souza Simões

Procurado Federal Especializado- INSS, Professor de Teoria da Constituição e História do Direito no Centro Universitário do Pará - CESUPA,Mestre em Direito Público- UFPA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Sandro Alex Souza. A estrutura legal do Sistema Único de Saúde:: breve escorço sobre o Direito Constitucional Sanitário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 363, 5 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5420. Acesso em: 25 dez. 2024.

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