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Aplicabilidade do Decreto 46.906/15 (MG) no âmbito das instituições militares estaduais

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4- Compatibilidade entre o Decreto 46.906/2015 e a Lei 14.310/2002.

O militarismo, por si só, já demonstra uma rigidez em suas normas e regulamentos, o que dificulta a adoção de normas extramilitares, dificultando a atualização de mecanismos punitivos. A própria hierarquia e disciplina, pilares das instituições militares, fazem com que normas como o Decreto 46.906/15 não sejam adotados no ambiente jurídico disciplinar militar, por temor de prejudicarem os pilares institucionais.

A lei 14.310/02, o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais, apresenta dispositivo de certa benevolência às infrações disciplinares em seu Artigo 10. Entretanto, não se pode conceber a ideia de que o Ajustamento Disciplinar é prejudicial à hierarquia e à disciplina.

A norma que institui o Ajustamento Disciplinar, em seu artigo primeiro, deixa claro que se trata de dispositivo aplicável no âmbito da Administração Pública do Poder Executivo Estadual, daí então se percebe que não exclui as instituições militares e, como entidades da Administração Direta do Poder Executivo, não obsta a sua aplicabilidade, por força da própria norma.

De forma análoga, o Código de Ética e Disciplina dos Militares, em seu artigo 91, permite ao Governador do Estado editar normas para aplicação do Código, e, como se vê, o Decreto 46.906 trata-se de uma normatização disciplinar em âmbito geral da Administração Pública. Então, nada impede a sua recepção pela Lei 14310/02, pois não expõe em seu conteúdo um rol taxativo a quais órgãos será aplicável.

Para se entender melhor a compatibilidade de ambas as normas, devem ser analisados os princípios basilares das Instituições Militares, bem como os princípios que regem a Administração pública, ressaltando que as citadas instituições compõem a Administração Pública, e, portanto, estão sujeitas aos mesmos princípios.

A hierarquia e a disciplina, bases latentes do militarismo, demonstram a incidência dos Poderes Hierárquico e Disciplinar do Estado. No estudo em foco, analisar-se-á o Poder Disciplinar que guarda peculiaridades, ou seja, trata-se de uma faculdade do Estado de punir seus servidores e os que estiverem sob o regime da Administração Pública pelo cometimento de infrações funcionais. Trata-se de uma faculdade, então guarda certa discricionariedade na aplicação da sanção administrativa.

Outra característica do poder disciplinar é seu discricionarismo, no sentido que não está vinculada a prévia definição em lei sobre a infração funcional e a respectiva sanção. Não se aplica ao poder disciplinar o princípio da pena especifica que domina inteiramente o Direito Criminal comum, ao afirmar a inexistência da infração penal sem previa lei que o defina e apene: “nullumcrimen, nullapoenasine lege”. Esse princípio não vigora em matéria disciplinar. O administrador, no seu prudente critério, tendo em vista os deveres do infrator em relação ao seu serviço e verificada a falta, aplicara a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas. (MEIRELLES, 2015, p.140)

A lei 14.310/02 também guarda dispositivos que dão discricionariedade ao administrador. É o caso do artigo 10.

Art. 10- Sempre que possível, a autoridade competente para aplicar a sanção disciplinar, verificará a conveniência e a oportunidade de substitui-la por aconselhamento ou advertência verbal pessoal, ouvido o CEDMU.

(MINAS GERAIS. Lei 14.310, 2002)

Nota-se que, mesmo na tradicional rigidez da Administração militar, existe margem para uma discricionariedade regrada, própria do Poder Disciplinar, o que, por sua natureza, não interfere e nem prejudica a disciplina dos servidores militares.

Num paralelo entre o art. 10 da lei 14.310/02 e o Ajustamento Disciplinar, verifica-se que por nenhum motivo a adoção do Decreto 46.906/15 interfere na disciplina, pois o artigo 10 trata-se de uma substituição de sanção mais grave pelo aconselhamento ou advertência, não exigindo do servidor um comprometimento em não cometer novas faltas, uma vez que observar-se-á a conveniência e oportunidade, não limitando o período mínimo para um novo benefício do citado artigo. Já o Ajustamento Disciplinar impõe, ao servidor, certos limites que o forçam a adequar-se ao serviço desempenhado, pois não poderá obter novo benefício pelo dobro do tempo ajustado no termo, não poderá obter licença para tratar de interesses particulares etc. Sobretudo, durante o cumprimento do período estipulado no termo de ajustamento disciplinar, o servidor passa por uma espécie de período de prova, ou seja, não poderá cometer nova falta sob pena de instauração imediata de processo administrativo disciplinar referente à falta que deu causa ao termo, além de responder pela nova infração cometida.

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Nesse diapasão, nada tem a influenciar negativamente o Decreto Estadual 46.906/15 na hierarquia e disciplina militares, uma vez que, frente ao Poder Disciplinar do Estado, o referido diploma mostra-se eficaz na reeducação do servidor e, consequentemente, busca atingir o objetivo do Estado, que é a prestação dos serviços públicos de melhor qualidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando os dispositivos contidos no Código de Ética dos Militares Estaduais de Minas Gerais, observa-se que existe uma possibilidade de adaptação a dos mecanismos previstos no Decreto 46.906/15, no âmbito da PMMG e CBMMG[3]. O dispositivo que mais se aproxima do criado pelo Decreto é o aconselhamento ou Advertência verbal pessoal, o qual, por si só, não implica em nenhuma contrapartida do militar transgressor para com a Administração, ademais, tal medida de substituição de sanção possui regra de aplicação menos precisa que o Termo de Ajustamento Disciplinar. Sendo assim, não há grandes empecilhos para aplicação do TAD no âmbito dos militares estaduais de Minas Gerais.

Além disso, na hipótese de aplicação do art. 10, verifica-se a substituição de uma sanção por outra, enquanto, na aplicação do Termo de Ajustamento Disciplinar, há um acordo entre o servidor e a administração com intuito de suspender a punição ou mesmo instaurar procedimento apuratório contra o servidor, e, em troca, este servidor assume alguns compromissos enquanto a apuração está suspensa.

Tal medida assemelha-se à transação penal. Dessa forma, além da economia de processos, toda a sociedade mineira iria ser beneficiada com a aplicação da medida, visto que, com a diminuição do número de processos/procedimentos administrativos, haveria uma otimização do efetivo empregado na atividade-fim das instituições militares, através da descentralização dos militares empregados especificamente nos órgãos de Corregedoria e Auditoria Setorial.

Outro aspecto positivo esperado com a aplicação do TAD seria no que diz respeito à própria disciplina militar, visto que, fato não raro observado entre os militares é a reincidência no cometimento de transgressões em curto espaço de tempo. Neste contexto, a utilização do TAD poderia ser perfeitamente favorável no sentido de, buscando garantir as cláusulas acordadas junto à Administração militar, espera-se que o transgressor realinhe sua conduta com intuito de evitar a punição pela transgressão constatada, e, ainda, evitar novo cometimento de transgressão disciplinar.  


5- referências BIBLIOGRÁFICAS

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 41ª Edição. São Paulo/SP: Editora Malheiros Editores, 2015. 140 p.

JUNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Administrativo. 06ª ed., Salvador: Podium, 200, 541 p.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo :Atlas, 2014.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, pag.57.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 105

GOMES, Sebastião Edilson. Direito Administrativo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, 617 p.

NETTO, Álvaro César dos Santos. Direito Administrativo I, Guia de aulas. 1ª ed. Campinas: Komedi, 2005, 208 p.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, 622 p.

MINAS GERAIS. Lei nº 14.310, de 19 de junho de 2002. Dispõe sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais.

MINAS GERAIS. Decreto nº 46.906, de 16 de dezembro de 2015. Institui o Termo de Ajustamento Disciplinar no âmbito da Administração Pública.

CONTROLADORIA GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Decreto institui Ajustamento Disciplinar no Estado. <http://controladoriageral.mg.gov.br/ajuda/page/264-decreto-institui-ajustamento-disciplinar-no-estado>.  Acesso em: 17 out. 2016

POLICIA MILITAR DE MINAS GERAIS. D ecisão Administrativa nº 21, de 20 de setembro de 2002. Discricionariedade na aplicação de sanção disciplinar. Belo Horizonte: Comando Geral, 2002.


Notas

[1] Polícia Militar de Minas Gerais

[2] Conselho de Ética e Disciplina dos Militares da unidade.

[3] Corpo de Bombeiros Militares de Minas Gerais.

Sobre os autores
Douglas Luis de Oliveira

Mestre e graduado pela Universidade Federal de Viçosa, coordenador do programa de pós-graduação em Direito e Gestão Pública, professor a área de Direito Público, nas Faculdades Univiçosa e Dinâmica.

Vinícius Alcântara

Graduando em Direito pela Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, Tecnólo em Segurança Pública, 3º Sgt da Polícia Militar de Minas Gerais.

Weliton

Graduando em Direito pela FADIP, 3º Sargento da Policia Militar de Minas Gerais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo referente ao Decreto 46906, de 16/12/2015, que institui o Ajustamento Disciplinar no âmbito da Administração Pública do Poder Executivo Estadual.

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