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Redução da maioridade penal: placebo para sociedade

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Agenda 12/02/2017 às 17:35

Diante de um contexto atual de discussões sobre o direito da criança e do adolescente e a votação da PEC 171/93, é possível fazer uma análise mais profunda sobre a situação do jovem no Brasil, conhecendo melhor seu histórico e seus direitos.

RESUMO: Diante de um contexto atual de discussões sobre o Direito da criança e do adolescente e a votação da PEC 171/93, é possível fazer uma análise mais profunda sobre a situação do jovem no Brasil, conhecendo o histórico de sofrimento e privação de direitos vivenciados desde a chegada dos portugueses. A História nos retrata uma trajetória de sofrimento e descaso, onde a criança não era vista como um sujeito de Direito. A desigualdade social e a falta de oportunidades, também assombram os sonhos de quem deseja apenas, ser tratado como igual e ter os mesmos recursos e acessos de parte da população. Em contrapartida, esses jovens são vistos por parte da sociedade como um problema para o desenvolvimento do país, aonde vêm sendo tomado medidas para acabar com esse problema, fazendo o caminho inverso e indo contra todas as lutas pela garantia do Direito, adquiridas nas últimas décadas. Para a construção do presente artigo utilizou-se do método dedutivo. Como instrumental procedimental foi adotado o bibliográfico, a partir de obras que possibilitem compreender a teoria da proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Adolescente. Direito. Maioridade Penal.


1 INTRODUÇÃO

Este artigo foi elaborado com o intuito de investigar o real papel da criança e do adolescente no Brasil e os motivos pelos quais se busca a redução da maioridade penal, como pretexto para diminuir a violência que desola a sociedade atual. Em meio a tantos conflitos e opiniões, o artigo traz um breve apontamento sobre os Direitos da criança e do adolescente, já adquiridos e quais as consequências da aprovação da PEC 171/93. Diante de apontamentos na mídia, positivos e contrários a redução da maioridade penal, o artigo apresenta um estudo com base na história da criança e do adolescente no Brasil, qual a nossa responsabilidade como cidadãos diante desta situação e o que está em jogo em tal contexto.


2 BREVES APONTAMENTOS DA HISTÓRIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Quando a História da criança no Brasil é contada entre tantos tormentos e desamparo, o que se pode perceber é que ela sempre aparece como figurante e sem a devida importância no que diz respeito ao seu papel na sociedade. Essa história é marcada por abandono, escravidão, abusos, entre tantas outras violências sofridas de forma ainda mais dura nos primeiros três séculos após a chegada dos portugueses ao Brasil. Como marco da triste trajetória de violências, podemos ressaltar a chegada dos jesuítas que, de certo modo, passam a dominar e educar aquelas crianças nativas, segundo eles, que não tinham conhecimento algum, sendo assim incapazes de conviver em sociedade até que fossem doutrinadas. Os Jesuítas passaram a estabelecer uma nova educação, tendo a infância como a etapa ideal para aprendizado e este, quando não ocorria dentro dos padrões impostos, as crianças recebiam castigos físicos, onde aos poucos a violência se tornava parte do processo da educação (DEL PRIORE, 1991).

No século XVIII, algumas entidades tomaram para si a responsabilidade de cuidar das crianças, que foi o caso do Estatuto da Irmandade de Santa Ana. A Roda dos Expostos, que consistia em um mecanismo de madeira em formato giratório, usado para deixar a criança enjeitada, sem identificar o responsável, era o modelo mais aderido nas instituições de caridade que cuidavam de crianças abandonadas. Mais tarde, essas mesmas crianças passariam e exercer trabalhos forçados, com alegação de que se tornaram úteis. Essa roda, usada inicialmente na França e depois em Portugal, era composta por um eixo onde permitia que as mães depositassem ali seus bebês sem serem identificadas, sendo usada durante muitos anos no Brasil (MARCÍLIO, 2006).

No período do Brasil Colonial a população em extrema pobreza era dizimada por epidemias, sendo entre os recém-nascidos até dois anos, os maiores índices de mortalidade. Além das doenças e da pobreza, as crianças que eram abandonadas nas ruas corriam o risco de serem devoradas por animais domésticos que se encontrassem nesses locais (MARCÍLIO, 2006).

Começam então os primeiros rumores sobre quem deveria ser responsável por manter as instituições e essas crianças rejeitadas. Foi então concentrada nas câmaras e irmandades a responsabilidade de cuidado, sendo então construídas as casas de abrigo, contratadas amas de leite e outros responsáveis por cuidar dessas crianças. Não se pode deixar de citar que mesmo após recolhidos, o percentual de mortes era altíssimo (DEL PRIORE, 2000).

Para Marcílio (1998), somente em 1775 foi compreendido que essas crianças abandonadas deveriam ser criadas com dignidade, então foi onde as Casas Assistenciais e Rodas passaram a contar com os subsídios do governo. As famílias de posses eram incentivadas a acolher essas crianças abandonadas, que mais tarde, prestariam serviços em troca da moradia e alimentação, onde tal ato era visto como benfeitoria, ao invés de trabalho escravo.

A primeira Constituição brasileira foi promulgada sobre a Política do Império em março de 1824; foi a mais longa Constituição Federal a vigorar, mas no que tange a questão da infância, pouco avanço foi constatado. Assim, a criança aparece em situação diferenciada dos demais cidadãos (RAMOS, 2014).

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Perdurava ainda, até o momento, a Roda dos Expostos, e assim, crianças abandonadas continuavam a ser encaminhadas para famílias, onde prestariam serviços a mesma em troca da moradia. Porém, a Lei de Silveira Mota, de 12 de junho de 1862, proibiu a separação de filhos de pais escravos, onde os mesmos aos sete anos são obrigados a entrar no mundo adulto, tornando-se mais um servo e realizar as tarefas que eram pré-estabelecidas para homens e mulheres. Alguns senhores eram mais brandos e usavam as crianças para tarefas mais leves como mensageiro, pajem ou cuidadoras de crianças e idosos. Em relação à idade para as tarefas, eram caracterizadas por fases (MARCÍLIO, 1998).

Em 1890, o sistema judiciário brasileiro é reformado, tomando o lugar do Código Criminal do Império. Essa reforma autentifica a adoção no Código através do Decreto nº 847. O mesmo Código Penal isentava menores de 9 anos completos de serem responsabilizados por crimes. Quanto as crianças de 9 anos completos até os 14 anos, eram levadas para ambientes disciplinares industriais, quando comprovado alguma infração. No século XX era bem comum usar como intuito a organização social para combater a criminalidade, encaminhar essas crianças e jovens das ruas para estabelecimentos especiais (MARCÍLIO, 2006).

Com a ascensão do Liberalismo, começa a ser constatado a importância que as crianças terão como protagonistas de um futuro melhor. A proclamação da República trouxe um novo olhar em torno da infância, de forma mais afetiva, e entre esses olhares diferenciados, surgiram as primeiras medidas em 16 de novembro de 1889, que favoreciam as crianças e jovens, como a remuneração pelos serviços prestados, a redução da jornada de trabalho e a extinção dos castigos físicos, até antão usados como punição, ao menos no campo normativo (RAMOS, 2014).

Ainda, de acordo com Ramos (2014), nessa mesma época, a influência do positivismo acabara desprezando e excluindo a população pobre, alegando estar em nome da Bandeira “Ordem e Progresso”, tornando ainda maior o abismo entre as classes.

Para Durkheim a sociedade acaba se fortalecendo com a solidariedade, porém, a solidariedade para ele significa vínculo social e elementos que formam determinados grupos que compartilham os seus valores, regidos sobre normas que favorecem determinadas classes, onde são observados apenas os fatos, sem levar em conta o contexto geral e suas consequências (DURKHEIM, 1895).


3 AS IMPOSIÇÕES DO PERÍODO

É no início fim do século XIX que surgem também as primeiras escolas em algumas localidades no Brasil, onde eram divididas entre instituições religiosas que atuavam em âmbito geral, e instituições privadas destinadas apenas para as crianças da elite. Um dos motivos da criação dessas escolas foi para evitar que as crianças e jovens ficassem pelas ruas ou espaços públicos, sem ter o que fazer, caracterizado como “vadiagem”, evitando o aglomero e a possível prática de algum resquício cultural, como a capoeira que foi proibida na época (DEL PRIORE, 2000). Cumpre salientar que o “Código Criminal de 16 de dezembro de 1830 estabeleceu a imputabilidade em quatorze anos” (RAMOS, 2014).

A herança do período deixou traços que são percebidos até os dias atuais em relação à divisão das classes e hierarquia. O trabalho escravo também se estendeu ao longo de todo o período, onde mesmo após a alforria, a elite continuara a usar os serviços de modo exploratório para garantir seu bem-estar, sendo tanto em tarefas domésticas, quanto outros trabalhos que favorecessem as elites. As colônias militares utilizavam o trabalho como forma de educação, as pessoas eram educadas para a salvação através do trabalho (MARCÍLIO, 2006).

No século XIX, entre 1904 e 1916, os crimes comedidos por “menores” estavam relacionados como, desordem, vadiagem, embriaguez e furtos. Já em Regime Republicano, os legisladores criaram um novo Código Penal que substituísse o de 1831, tendo em vista a realidade mais coerente em relação à época. Em 1890, então sai a versão, porém pouco modificada em relação ao Código anterior. Apesar de constar que "não se julgarão criminosos menores de 14 anos" (DEL PRIORE, 2000, p. 216), havia uma ressalva que afirmava o julgamento de todas as idades, caso comprovado discernimento sobre o ato.

Ainda no século XX, devido a superlotação dos institutos disciplinares, o Governo criou a instituição pública de recolhimento. Em 1902, a Lei 844 autoriza o enclausuramento de crianças e adolescentes que cometiam infração penal no instituto de correção, sendo que permaneceriam até os 21 anos. Esses jovens reclusos, deviam realizar atividades físicas, assistir às aulas, tinham instrução militar e trabalhavam em lavouras (MARCÍLIO, 2006).

Somente em 1919, com o surgimento do Departamento Nacional da criança, e início da filantropia, foram questionados os rigores das penas em relação a estes. Com a aprovação do Código de menores (1927), é sugerido que a justiça atue como forma de recuperação dessas crianças e adolescentes e não mais com caráter punitivo. Até o ano de 1960, o Estado assume sua responsabilidade em relação à criança e adolescente e desenvolve alguns projetos como: Serviço de Assistência ao Menor e posteriormente a Funabem (MARCÍLIO, 2006).

Em 1923, é regulamentada a organização geral da assistência social, sendo um dos primeiros passos para proteção à crianças e aos jovens. Segundo CORRÊA (2009):

No Brasil, o que se decretou foi um Código de Menores, em 1927, do qual constava a proibição do trabalho de crianças até 12 anos e sua impunidade até os 14 anos. Dos 14 aos 18 anos, as crianças poderiam ser internadas em ‘estabelecimentos especiais’ e dos 18 anos em diante seriam puníveis pelos crimes cometidos.

O Código Penal do Império passou também a interpretar como crime o abandono de incapazes, e em 1927 surge como Código de Menores. Iniciam também nessa época as primeiras reinvindicações sobre as péssimas condições de trabalho, em especial para as crianças, questionadas no Tratado de Versalhes, posteriormente criada a Organização Internacional do Trabalho.

O discurso da assistência e da proteção aos menores desvaídos e o Código de Melo Matos, de 1927, definiram um novo projeto jurídico e institucional, voltado para os menores, não punitivo, recuperador, disciplinar, tutelar e paternal. (MARCÌLIO, 2006, p. 222).

Em 1938, surge o Serviço Social de Menores e o Conselho Nacional de Serviço Social, com parâmetros no Código de Mello Mattos. O Serviço de Assistência ao Menor, que foi criado em 1941, atua de forma mais abrangente, trabalhando então um atendimento psicossocial, com intuito de devolver os jovens para a sociedade dentro de padrões considerados corretos. Esse modelo não obteve o resultado esperado e então em 1964, foi substituído pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Esse segundo, também foi bastante criticado por não conseguir desenvolver práticas que realmente acabassem com o problema social que havia se estabelecido (MARCÍLIO, 2006).


4 O REGRESSO DO DIREITO DURANTE A DITADURA

Durante a ditadura militar em 1967, surge a Lei 5.258, reduzindo a idade de inimputabilidade, que até então era de 18 e novamente passa para 14 anos de idade. A alteração não parou por aí, sendo que as punições tornaram-se ainda maiores para os jovens, e ainda dentro da teoria de discernimento, não eram considerados sujeitos de Direito, denominados incapazes e assim sendo julgados, na maioria das vezes, de forma injusta, por um Juiz representante do Estado Maior (FOUCAULT, 1996).

Segundo Foucault (1996), o código de menores era usado apenas para moldar os jovens dentro de um padrão útil à sociedade, sendo que além da coerção, o afastamento do mundo que conheciam era considerado um método eficaz para atender a esse propósito.

Ramos (2014), explica que essa decisão tomada em 1967 foi considerada um retrocesso para o Brasil, e mostrou ser ineficaz para solucionar os problemas enfrentados, tais como pobreza, estagnação do desenvolvimento e violência.

No ano de 1979, considerado o ano da criança, aprovou-se o Código de Menores e os anos seguintes se deram com muitos movimentos em prol das crianças e adolescentes. O surgimento de movimentos e organizações como o Movimento dos meninos e meninas de rua, a Ordem dos Advogados do Brasil, sindicatos e organizações religiosas e comunitárias, foram essenciais para o avanço em relação ao Direito da criança e do adolescente (MARCÍLIO, 2006).

Após a Constituição da República Federativa do Brasil (1988) e tantas lutas buscando reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direito, a partir do ano de 1990, acreditou-se que o problema havia sido resolvido.

Essa mudança é significativa, pois considera, a partir de agora, que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos, independente de sua condição social e a lei deverá respeitar essa condição. (LIBERATI, 2006, p. 27).

O maior avanço em relação ao Direito da Criança e do Adolescente aconteceu então em 1988 com a Doutrina da Proteção Integral, tornando crianças e adolescente sujeito de direito. Com a promulgação da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a ser assegurado o Direito a educação, saúde, atividades recreativas, entre outras questões que foram avaliadas como essenciais para nossas crianças e jovens (RAMOS, 2014).

O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 diz que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Porém, apesar de tantas conquistas legais, o tema Direito da criança e do adolescente ainda vem ganhando espaço nas principais discussões ao redor do mundo. Esses direitos estão garantidos em Lei pela Constituição Federal no artigo 227 e também nos artigos 1º e 3º do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Quanto aos Direitos especiais, estão garantidos no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 5° do ECA (CUSTÓDIO, 2008).

Corroborando com a teoria da proteção integral, busca-se na teoria de Vygotsky (1996) ao afirmar ser possível compreender os processos sociais e individuais, cognitivos e afetivos, de forma dialética, em que sujeito e ambiente não são dicotômicos, mas fazem parte de uma mesma construção. As estruturas sociais e mentais têm raízes históricas, dessa maneira, ambas são construídas e sofrem influência da cultura na qual estão inseridas. Esta influência está presente na forma como os indivíduos significam sua realidade.

Para Vygotsky (1996), a sociedade é, portanto, responsável por impor valores, padrões e normas sociais vigentes.

Para Rousseau, em seu famoso discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, alega que a influência do meio é determinante para que o homem entenda o que vem a ser uma necessidade. Ele usa como exemplo as crianças abandonadas em florestas e que passaram a conviver com animais, adaptando-se com o estilo de vida daquele grupo, incluindo a forma de se comunicar, andar e comer (ROUSSEAU, 1750 apud OLIVEIRA, 1989).

Por necessidade ou por conscientização, as crianças e os adolescentes passam a fazer parte do contexto histórico agora sendo entendidos como sujeitos de Direito e não mais sendo meros expectadores (MARCÍLIO, 2006).

Sobre a autora
Andreza Lubavy

Aluna do Curso de Especialização em Educação, diversidade e redes de proteção social, graduada em gestão de Recursos Humanos (Unesc).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUBAVY, Andreza. Redução da maioridade penal: placebo para sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4974, 12 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54561. Acesso em: 25 nov. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado ao Curso de Especialização em Educação, diversidade e redes de proteção social – UNESC, como requisito parcial para obtenção do título de especialista, sob orientação do prof. Dr. Ismael Francisco de Souza.

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