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Trabalho livre numa sociedade escravocrata: um estudo a partir do conto “Pai contra Mãe” de Machado de Assis

O objetivo do trabalho é compreender que através da construção literária da obra “Pai contra Mãe” de Machado de Assis, escrita no fim da abolição da escravatura no século XIX, o processo da transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil.

                              

RESUMO: O objetivo do trabalho é compreender que através da construção literária da obra “Pai contra Mãe” de Machado de Assis, escrita no fim da abolição da escravatura no século XIX, o processo da transição do trabalho escravo para o trabalho livre na sociedade que era predominantemente escravocrata. Abordará a interdisciplinidade do Direito e Literatura no que tange a sua colaboração de uma para com a outra, unindo a ficção e a realidade. Além disso, serão analisadas leis relevantes que foram de suma importância para a legalização do fim do trabalho escravo no Brasil. Terá por base a utilização dos autores Machado de Assis, Irene Zanette Castaneda, André Karan, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy e Lúcio Kowarick. Trata-se de uma pesquisa explicativa, pois visou identificar os fatores que contribuíram para a ocorrência da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, descrevendo o cruzamento de informações relatadas na história do Brasil, sendo assim necessita a utilização de pesquisa bibliográfica para discutir a temática, tendo como método de abordagem o dedutivo, pois parte-se da análise de leis gerais para uma obra específica, que objetiva conduzir a reflexões concretas sobre a situação da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre em paradigma com a sociedade escravocrata.

SUMMARY: The aim of this paper is to understand through the literary construction of Machado de Assis' "Father against Mother", written at the end of the abolition of slavery in the 19th century, the process of the transition from slave labor to free labor in a society that was mostly slave. It will address the interdisciplinary nature of Law and Literature as regards their collaboration from one to the other, joining fiction and reality. In addition, relevant laws that were extremelly important for the legalization of the end of slave labor in Brazil will be analyzed. It will be based on the authors Machado de Assis, Irene Zanette Castaneda, André Karan, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy and Lucio Kowarick. This is an explanatory research, since it aimed to identify the factors that contributed to the transition from slave labor to free labor, describing the cross-referencing of information reported in the history of Brazil, thus requiring the use of bibliographical research to discuss the theme, using a deductive approach, once starts from the analysis of general laws for a specific one, which aims to lead to concrete reflections on the situation of the transition from slave labor to free labor in paradigm with the slave society.

PALAVRAS-CHAVE: Direito e Literatura. Pai contra Mãe. Trabalho escravo. Trabalho Livre

1 INTRODUÇÃO

A pesquisa em tela abordou a construção literária do conto “Pai contra Mãe”, de Machado de Assis, produzida em meados do século XIX, quando ocorreu a transição do fim da abolição da escravatura, relatando a relação da mão de obra entre aqueles que não pertenciam ao senhorio e nem a classe de escravos, nos quais eram chamados de trabalhadores livres.

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no ano de 1839, na cidade do Rio de Janeiro, escritor, mulato, filho de um operário mestiço é um dos mais conceituados  autores na história da literatura brasileira produziu em suas obras em vários gêneros sendo como poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário, sendo a tônica de seus trabalhos literários a correlação do homem e o meio social e político da sua época. Sem dúvida, Machado de Assis influenciou toda uma geração e é considerado, pelos que se dedicam ao estudo de sua obra um dos pilares que resultou nas profundas mudanças da sociedade político social ocorridas no final do século XIX.

No ano de 1906 foi produzida a obra Relíquias de Casa Velha que reuniu vários contos, dentre eles o primeiro conto foi “Pai Contra Mãe” que relata a história de Cândido Neves, um branco, pouco dado ao trabalho, pois não tinha emprego fixo, casou-se e logo sua esposa teve o primeiro filho, passando por crise financeira resolveu caçar escravos fugidos. Diante de tal situação Cândido capturou uma escrava chamada Arminda que, ainda grávida,  havia fugido de seu dono. Domado pelo egoísmo e ganância pela recompensa, entrega a escrava, e Candido leva a morte o filho dela para salvar seu primogênito do orfanato.

Com relação à opção do tema Trabalho Livre numa Sociedade Escravocrata: Um Estudo a partir do conto “Pai contra Mãe” de Machado de Direito e Literatura com sua respectiva sublinha foi devido à importância que a Literatura influenciou em nosso ordenamento jurídico, o aspecto filosófico e retórico da Literatura fez com que jurista fixasse seus conhecimentos de uma forma criadora e crítica, além de manter uma linguística inovadora, veio em sua história emocionar, surpreender, chocar dentre outros.  Assim como o Direito vem para solucionar e harmonizar os conflitos de interesses dos indivíduos perante a sociedade em que se vive. A relação que o Direito e Literatura embora com concepções distintas, seja realidade e ficção, estão entrelaçados pelo mesmo motivo: o homem.

Deste modo, esta pesquisa buscou relacionar as dificuldades enfrentadas por aqueles grupos que não pertenciam ao proprietário e nem aqueles que eram os escravos, traçando a problemática da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, levantando o seguinte problema: O quê a obra “Pai contra Mãe” de Machado de Assis trouxe como efeito e consequência para a compreensão do fenômeno do trabalho livre sob a égide escravista?

Neste contexto, o objetivo geral que foi a essência dessa pesquisa, visou compreender a relação da transição do trabalho escravo para o trabalho livre como meio de sobrevivência na ordem sócio econômico escravocrata.

A metodologia foi aplicada uma pesquisa básica, que teve como objetivo analisar o contexto histórico da relação do trabalho escravo para o trabalho livre na sociedade escravocrata com a busca do capital para desenvolvimento da vida econômica e social do indivíduo perante o meio em que se vive, relatando as dificuldades enfrentadas.

As questões e a forma de abordagem do problema foram feita por meio da pesquisa qualitativa, visto que, o objetivo geral designou compreender a relação da transição do trabalho escravo para o trabalho livre numa ordem sócio econômico escravocrata.

Referente ao objetivo, a pesquisa descreveu-se como explicativa, pois objetivou identificar os fatores que contribuíram para a ocorrência da transição do trabalho escravo para o trabalho livre, descrevendo o cruzamento de informações relatadas na história do Brasil.

Ademais, realizou-se a pesquisa bibliográfica a partir de obras e artigos científicos, que demonstraram e discutiram a temática. Esse procedimento visou à formulação de respostas ao problema levantado, verificando os traços históricos e caminhos percorridos pelos trabalhadores livres dentro do período escravocrata no Brasil.

O método de abordagem usado foi o método dedutivo, que permitiu a análise do todo paras as partes, ou seja, as leis gerais como Direito do Trabalho, Direitos Humanos e Constituição Federal relacionando aos particulares do presente trabalho.

E por fim, como método de procedimento o foi adotado o método monográfico que estudou o caso do trabalhador livre no Brasil no fim da abolição da escravatura, observando e possibilitando a investigação dos fatos demonstrado na presente obra literária.

Referentes aos autores fundamentais para o desenvolvimento dessa pesquisa foram utilizados Assis (1906), Castaneda (2011), Karan (2008), Godoy (2008), Lago (2014), Kowarick (1994).

Em conformidade com a estruturação abordou-se a interface do Direito e da Literatura, a história do autor Machado de Assis, a influência de seu conto “Pai contra Mãe” de acordo com a relação do desenvolvimento da problemática entre escravidão e trabalho livre, o contexto histórico do trabalho livre e quais são suas reflexões na atualidade e, por fim, a importância da origem do trabalho livre em nosso ordenamento jurídico.

Assim, verifica-se que com o auxílio do conto que a referida pesquisa pode conduzir a reflexões concretas sobre a situação da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre em paradigma com a sociedade escravocrata daquela época. Neste aspecto analisou-se o contexto, descrevendo as dificuldades, as consequências e efeitos produzidos por aqueles que não pertenciam a classe de senhorio e nem de escravos     sendo que os seus direitos e deveres não possuíam um amparo específico em nosso ordenamento jurídico brasileiro demonstrado a partir da narrativa da Literatura Machadiana escrita no século XIX.

2 DIREITO E LITERATURA

O poder das palavras é o que direciona um discurso, um enredo, uma petição, um recurso dentre outros, através da narrativa, para que produza a linguagem, a argumentação e interpretação existente na interface do Direito e Literatura que vem justamente para descrever que, embora sejam ciências distintas, uma poderá influenciar a outra a produzir causas e efeitos para a compreensão na ocorrência da manipulação das palavras.

Godoy descreve que:

O estudo do direito na literatura mostra-se marcado por formulações pragmáticas. Justifica-se por percepções que dão conta de que o profissional do direito colheria, na literatura manancial de exemplos, indicações de efeito retórico, tinturas de cultura, demãos de generalidade sistêmica. O jurista conhecedor da literatura seria intimo com os problemas da alma humana[...]. (GODOY, 2008, p.10)

Demonstra que a Literatura pode humanizar o Direito, por meio de sua inspiração, emoção, diferenciando assim, o modo de ver e escrever as coisas, tirando aquela linguagem da prática jurídica que não toca o ser humano, mas a ficção, essência da Literatura, permite esse toque. Sendo assim, o Direito opera com a norma em busca de uma verdade, a Literatura pode abordar com a mesma linguagem, mas com ato de interpretação de vontade e não de poder como é descrito no Direito.

Nessa linha de raciocínio compreende-se que o aspecto referente à linguagem é a forma que se é escrita, a maneira é determinante para que seus textos jurídicos e literários sejam produzidos e desenvolvidos para seu público alvo. A ficção e realidade se perfazem através da linguagem comunicada. Esse aspecto faz uma análise, no qual se descobre a interdisciplinidade entre o Direito e a Literatura, visto que, o Direito pode ser avaliado também fora do seu campo metalinguístico, utilizando-se da Literatura para a compreensão de seus valores jurídicos, caracterizado pela retórica e o estilo por meio da narrativa da Literatura, sendo utilizada em normas e discursos na atuação do jurista perante o universo jurídico.

É por meio da Literatura que a ficção é capaz de demonstrar ao leitor uma realidade parecida com a sua, tendo o poder de sensibilizá-lo a causas que não poderia comovê-lo por meio de relatos jurídicos que são bem formais, o direito em si não poderia ocasionar um processo de raciocínio mais humanístico e sensível como a literatura constrói, ela, a Literatura, carrega esse poder de envolvimento do indivíduo atuando como função de recuperar o sentido que fora perdido durante o processamento de desenvolvimento do direito, por isso essa interferência que a Literatura possui sobre o Direito, como descreve André Karan diz que:

Assim, se a ciência é grosseira, de um lado, porém a vida é sutil, de outro, a literatura mostra-se imprescindível para corrigir essa distância, visto que o saber que ela mobiliza nunca é inteiro, definitivo, derradeiro, mas tem a capacidade de transformar o mundo através da subversão da língua. (KARAN e outros, 2008, p.15).

O Direito é positivista, é vivenciado pelo universo de palavras, histórias, versões normativas e argumentativas nas confecções de peças processuais. É voltado para a regulação das condutas e comportamento humano, em conformidade com seus critérios ideológicos criado pelo processo do momento histórico, procede de preceitos normativos que devem ser extremamente obedecidos sob pena de uma sanção ou reprimenda.

A obra jurídica e literária nasce de um contexto problemático, sendo que a primeira advém da realidade e a segunda a partir do contexto imaginário. Uma pode ser utilizada como um complemento para a outra que possibilite uma leitura aberta a novos horizontes, ou seja, a influência da literatura nos estudos de um jurista através de obras literárias é de grande valia, haja vista que auxilia na investigação jurídica fomentando a refletir não só na base do fenômeno jurídico, mas também a partir de uma racionalidade emocional, provocando assim mudanças em questões éticas e morais onde na maioria das vezes não se encontram em manuais e em códigos a busca por uma determinada resposta do problema ocasionado.

Dessa forma, a Literatura representa o “eu interior do ser humano” com sua forma de surpreender, criticar, repensar, filosofar dentre outros, e o Direito representa o mundo exterior do ser humano, seus conflitos e linguagem padronizada perante aquele meio que foi descoberto o problema do cotidiano com suas respectivas soluções em busca de uma verdade, mas sempre com o arranjo de influência que a Literatura pode trazer de revolucionário para o Direito.

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3 O AUTOR

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em uma chácara no morro do Livramento no dia 21 de junho do ano de 1839, na cidade do Rio de Janeiro, escritor, mulato, filho de um operário mestiço chamado Francisco José de Assis e da lavadeira Maria Leopoldina Machado, brasileiro, um dos mais conceituados na história da literatura brasileira produziu em suas obras em vários gêneros sendo como poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, folhetinista, jornalista, e crítico literário, no qual seu alvo foi explorar o ser humano.

Perdeu a mãe ainda pequeno na sua transição da infância para a adolescência. Faleceu no dia 29 de setembro de 1908. Foi o fundador da cadeira n.º 23 da Academia Brasileira de Letras, ocupou por aproximadamente 10 anos a presidência da Academia, que passou a ter o nome de Casa de Machado de Assis.

Aos 15 anos de idade publicou seu primeiro livro literário chamado “À Ilma. Sra. D. P. J. A” no ano de 1854, já em 1856 entrou para a imprensa nacional como aprendiz de tipógrafo e em 1858 foi revisor e colaborador no Correio Mercantil e logo em 1960 a convite de Quintino Bocaiúva, passou a pertencer a redação do Diário do Rio de Janeiro. Além disso, escrevia também para a revista O Espelho, no qual estreou como crítico teatral e, por isso, publicou vários contos.

Seu primeiro livro publicado foi a tradução de Queda que as mulheres têm para os tolos em 1861, e em 1864 publicou seu livro de poesias chamado Crisálidas, dentre outros trabalhos desenvolvidos em sua carreira.

Casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, foi sua companheira por 35 anos, faleceu em 1904 que além, de ser sua esposa era também sua enfermeira, pois Machado sofria de uma doença chamada epilepsia. O primeiro romance de Machado foi Ressureição em 1872, e logo em seguida foi nomeado a primeiro oficial da Secretaria de Agricultura.

No ano de 1881 publicou o livro que dava início a uma nova direção de sua carreira literária a obra foi nomeada a Memórias Póstumas de Brás Cubas, e assim por diante suas obras eram compostas de vários gêneros literários.

Machado um homem crítico, romancista e com essência de realista escreveu e contribuiu para a Literatura Brasileira as mais fantásticas histórias que para sempre marcará a vida daqueles que se interessam por Literatura.

4 A OBRA

Trata-se de um conto, publicado em 1906, que faz parte do livro Relíquias de Casa Velha que tem características realistas, escrito por Machado de Assis, cujo o titulo é Pai contra Mãe, a narrativa que acontece no Rio de Janeiro no século XIX, no qual seu protagonista foi Cândido Neves.

A história se passa no fim da abolição da escravidão, e Cândido era um homem branco que não tinha emprego fixo, quando resolveu virar caçador de escravos fugidos. Conheceu Clara, moça vistosa que morava com sua tia, Monica. O amor os uniu e logo Candido e Clara se casaram e foram morar com essa tia. Em seguida, logo veio o primeiro filho, naquela situação financeira escassa e difícil, Cândido a conselho da tia Monica iria levar a criança para a Roda dos Enjeitados (nome dado ao orfanato).

Depois de tanto investigar, ele observou um anúncio no qual dizia que um senhorio procurava uma escrava fugida por nome de Arminda e que daria a recompensa de 100 mil réis para quem a capturasse e a devolvesse em sua propriedade. Sem saber em que recorrer e o que fazer, pois não havia dinheiro para o sustento de sua família, Cândido se viu obrigado a levar seu amado filho para o orfanato.

Ao percorrer o caminho, Cândido viu uma negra com as descrições daquele cartaz que vira anteriormente e se deu por conta que era ela, a Arminda a escrava fugitiva. Correu até uma farmácia e deixou seu filho com o dono, e de lá foi em direção de Arminda e sem pensar já a agarrou e a arrastou pelas ruas daquela cidade, indo pra casa do seu dono. Arminda gritava e implorava para que a libertasse, pois estava grávida e não queria que seu filho crescesse no meio daquele ambiente de escravos, até mencionou que serviria Cândido pelo resto da vida em prol de sua liberdade.

Cândido chegou na casa do senhorio e a entregou para seu dono, recebeu sua recompensa e foi-se embora. Naquele momento, Arminda abortou o filho devido às circunstâncias em que se encontrava em total desespero, medo e dor. Cândido busca seu filho e vai para sua casa, feliz por ter recuperado e recomposto a sua família.

Um trecho que comoveu o enfoque da a história desse conto foi: “Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração”.( ASSIS,1906, p.12).O posicionamento de Machado de Assis, neste conto não foi só na ficção, mas também de crítico, irônico,  e com requintes de crueldade demonstrado em cada detalhe da narrativa, o choque de diversidade de cultura, raça e valores. O capitalismo emanava da liberdade que promovia a prisão de ambos os lados tanto do branco quanto do negro. O aspecto realista fez um jogo de articulações estabelecido com um vínculo intencional de dar ênfase entre essa ficção e a realidade do contexto.

Diante do que foi exposto, o autor e a obra foram fundamentais para a compreensão da sociedade daquela época, da diversidade de problemas enfrentados para a compreensão da transição do trabalho escravo para o trabalho livre numa sociedade escravocrata, demonstrado através da interface entre Direito e Literatura.

5 O TRABALHO LIVRE NA SOCIEDADE ESCRAVOCÁTICA EM UM ESTUDO A PARTIR DO CONTO DE MACHADO DE ASSIS

Narrado em 3ª pessoa, o conto Pai contra Mãe apresenta a história de um homem chamado Cândido Neves, e essa narrativa se passa em um período de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, no qual o personagem busca seu sustento em um tipo de serviço desumano  agindo com indiferença à dor alheia virando caçador de escravos fugidos, porém era uma opção de trabalho para aqueles que vivia em um século sem oportunidades a medida que era conquistada sua liberdade.

A regulamentação do trabalho livre no Brasil no final do século XIX era precária, haja vista, que o fim do trabalho escravo ainda estava em processo de extinção perante a sociedade escravocrata. Sociedade que era a predominante na narrativa do conto.  Esse tipo de trabalho livre pertencia àquelas pessoas que não se enquadravam como senhorios e nem como escravos. Assim é demonstrado no seguinte trecho de Pai contra Mãe Machado de Assis:

Ora pegar escravos fugidos era um oficio do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento de força com que se mantém a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reinvidicadoras. Ninguém se metia em tal oficio por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de um achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para por ordem a desordem.(ASSIS, 1906, p. 29).

Ora, pelo que demonstra o trecho fica evidente a forma como era feito a caça ao escravo que fugia de seu dono; tratados como propriedade, mas a necessidade de sobreviver a tal sistema vigente na época, qualquer modo de trabalho era explorado.

Porém, a legislação pertinente na época, disciplinava na lei 2.040 que:

Art.6: São declarados libertos: §1. Os escravos pertencentes à nação, dando-lhes o governo a ocupação que julgar conveniente [...] § Em geral, os escravos libertados em virtude dessa lei ficam durante cinco anos sob inspeção do governo. Eles são obrigados a contratar seus serviços sob a pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos. Cessará porém, o constrangimento do trabalho sempre que o liberto exibir contrato de serviço.(BRASIL, 1871, P.150).

O governo até se preocupou em disciplinar o trabalho do liberto, tentando buscar formas de coibi-lo e estabelecer sua inserção no meio laboral para não tornar-se um vadio, demonstrando-se assim, a precariedade de deficiência para aplicar a lei ao trabalhador livre.

Outro trecho que descreve a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, diz Machado:

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", -- ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.(ASSIS,1906,p.29)

Do ponto de vista da sociedade escravista, a liberdade do escravo era vista como um contrato posto a certas condições desumanas, e sua fuga tinha um alto preço, proposto pelo caçador para sua captura. É claramente demonstrada a falta de dinheiro, o emprego incerto detectado pelas ironias do autor, manipulado pelo capitalismo, o personagem fazia uso de suas habilidades para a desenvoltura da ordem do sistema na busca da defesa do direito de propriedade do senhorio perante o escravo que exercia seu trabalho em suas terras.

A sua liberdade era vinculada a um emprego incerto, mas que dessa forma aprisionava outrem para continuar livre unindo assim, o útil ao agradável, vivendo do lucro a qualquer custo.

Pelo clima emotivo e provocador que a narrativa propôs, a ideia era demonstrada pelas características de uma sociedade escravocrata que certos indivíduos que não se encaixavam no quadro do senhorio e nem de escravo não seguiam padrões, ou seja, ainda que era seu início, o trabalho escravo via-se em uma evolução totalmente lenta, mas que já desencadeava para o trabalho livre caracterizando um momento histórico que definia a existência de um sistema que dependia da desigualdade social e econômica, como foi caracterizado no trecho:

O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa,com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado. Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. .(ASSIS, 1906, p.02)

Como se observou, os homens livres se contentavam com o pouco que possuía, mesmo diante de condições cruéis e sem escrúpulo vivenciado ao trabalhador escravo, o trabalhador livre passava por cima de todos os defeitos e buscava seus meios para ganhar dinheiro.

Vale ressaltar também o trabalho que era desempenhado pelo feitor que era a principal pessoa que gerenciava e administrava o trabalho dos escravos ,mas estava subordinado ao senhorio, este que autorizava o feitor a tomar as medidas que achasse necessária para manter a conduta e, além disso, sua função era também de vigiar e castigar aqueles escravos no período que estivessem trabalhando abaixo do pretendido ou em momento de fuga e rebeldia, este recebia salário para desempenhar tal trabalho, assim descreve Antonil:

Eu não digo que se não dê autoridade aos feitores; digo que esta autoridade há de ser bem ordenada e dependente, não absoluta, de sorte que os menores se hajam com subordinação ao maior, e todos ao senhor, a quem servem. Convém que os escravos se persuadam que o feitor-mor tem muito poder para lhes mandar e para os repreender e castigar, quando for necessário, porém de tal sorte que também saibam que podem recorrer ao senhor e que hão de ser ouvidos, como pede a justiça.(ANTONIL,2007,P.90)

O feitor fiscalizava constantemente o trabalho desempenhado pelo escravo, sua comida e disciplina. Uma figura que, antes de ser caçador de escravos e procurar novos rumos era o que exercia tal trabalho, mas o sistema foi mudando e a feição de feitor foi se transformando em trabalhador livre, como já descrito um mero caçador de escravos que não possuía vinculo empregatício com o senhorio ou qualquer subordinação, podendo ser utilizado a qualquer hora como uma mão de obra alternativa.

A instabilidade de emprego em tal século era demasiada, não tinha uma base, a luta era desigual configurando uma batalha por valores que eram obscuros em uma hierarquia miserável e predominantemente capitalista. A sociedade escravagista não abria oportunidade da valoração da inserção do homem livre no mercado de trabalho, pois havia uma necessidade de manter o poder na elite para controlar seu capital e sempre com mão de obra barata e desvalorizada.

Por outro lado, o autor cita a situação de outros homens que por conta do desemprego, aderiram à profissão de caçador de escravos fugidos.

Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. .(ASSIS,1906,p.15)

O desemprego ia a cada dia aumentando, e o trabalhador que se via livre buscava alternativas, e via que a profissão que era a do momento de caçar escravos estava gerando “lucros” pôs-se a tal condição. Mas a concorrência começou a aumentar, e Cândido começara a enfrentar dificuldades devido à proporção de desempregados livres que buscavam nesse tipo de trabalho o seu sustento.

A busca desenfreada era evidente, o autor vislumbrou em seu conto a discussão da situação do trabalho no Brasil após o fim da escravidão, assim como a situação era tão precária e preocupante da vida de uma parte da sociedade que não se inseria nem no quadro dos proprietários e nem no de escravos.

A luta pela sobrevivência de Cândido era constante, pois o próprio sistema colocava dificuldades de homens para trabalhar nessa sociedade escravista. Trabalhos mal remunerados, instáveis, e a opção de capturar escravos fugidos estavam no auge do trabalho livre, mas ,que no decorrer do tempo vários desempregados recorriam a este ofício.

A exposição de diferentes liberdades foi explanada em várias partes do conto, Machado expôs a permanência de uma sociedade em tempos escravocratas através do problema do trabalho e sua transição do escravo para o livre, representado pelo protagonista Candido Neves e de sua família.

A miséria, a falta de trabalho bem remunerado, a falta de estabilidade social e a dependência de uma parte da sociedade que mesmo tendo sua liberdade não conquistava seu espaço e se via aprisionada em um sistema egoísta que era a própria sociedade escravocrata.

Dessa forma, como complementação do enredo, Irene Zanette de Castaneda em sua analise sobre o conto, explicou cada parte da narrativa abordando as diferenças, a importância de cada personagem, relatando detalhadamente o contexto no qual foi empregada a história, além de relatar a literatura machadiana no século XIX, como descreve:

O que sentimos desta leitura é que Machado passou para uma linguagem simbólica o antagonismo de duas culturas num espaço que não era seu; europeus e africanos que se hostilizam, sendo a cor o motivo maior de separação entre eles [...] (CASTANEDA, 2011, p. 81).

Portanto, o conto demonstra dois tipos de narrativa, no qual a primeira se referiu ao momento histórico de caráter informativo, e o segundo literário com um enredo que narra e descreve os momentos de angústia do protagonista no exercício de sua profissão, um conto que demonstrou também a transição da abolição da escravidão no Brasil e a contribuição da força do trabalho escravo e seus efeitos, dentre eles, a transição para o trabalho livre.

6 A HISTÓRIA E A LEI SOB A ÉGIDE DA SOCIEDADE ESCRAVOCRATA

 O processo que a abolição da escravatura no Brasil sofreu foi lenta e gradual, e teve início com a Lei Eusébio de Queirós no ano de 1850, seguida pela Lei do Ventre Livre em 1871, por conseguinte a Lei dos Sexagenários de 1885 e finalizada pela Lei Áurea em 1888. Foram anos para ocorrer a liberdade que mesmo com toda a legislação sancionada na época não conseguiu extinguir a tortura e subordinação forçada de indivíduos que eram submetidos a tais condições, mas que com todo esse processo de muito sofrimento, guerras e revoltas, tem o que é hoje o chamado Trabalho Livre.

O progresso que teve a Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra criou condições para que ocorresse a abolição da escravidão. Formavam-se grupos sociais interessados na ampliação do mercado surgindo assim, uma política contrária a escravidão.  Os líderes do abolicionismo promoviam várias campanhas contra o tráfico negreiro, conseguindo obter com êxito boa parte de seus protestos. Com efeito, o governo britânico começou a exigir que todas as nações que mantinham o comércio de escravos acabassem definitivamente, gerando assim, uma contradição entre a política britânica e interesses dos senhorios no Brasil pelo fato de boa parte da produção nacional ser exportada para a Inglaterra, lugar de onde vinham capitais e produtos manufaturados.

Diante de todas essas contradições de interesses de conflitos, alguns políticos conseguiram a aprovação da Lei Eusébio de Queirós sancionada na data de 4 de setembro de 1850, que decretou em seus artigos à respeito das medidas de repressão e punição pertinentes ao tráfico de africanos que eram trazidos do estrangeiro através de embarcações clandestinas para uso e exploração do trabalho escravo no Brasil, , como descreve o artigo 3:

Art.3: são autores do crime de importação, ou tentativa dessa importação, o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro ou que concorrerem para os ocultar ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair à apreensão no mar, ou em ato de desembarque, sendo perseguido. (BRASIL, 1850).

A criação desta lei viabilizou a punição grosseira daqueles que de alguma forma contemplavam os abusos do tráfico de pessoas que eram tratadas como mercadorias e não tinham amparo quando eram submetidas as tais condições.

Por conseguinte, foi criada a lei do Ventre Livre aprovada no ano de 1871, a primeira lei abolicionista sancionada em nossa história brasileira. Segundo ela, os filhos de escravas, nascidos após sua promulgação, teria sua liberdade concedida, mas que para adquiri-la teria que trabalhar na propriedade do senhorio até que se completasse 21 anos de idade. Um direito humilhante, pois era posto a condições para se conquistar a liberdade, visto que, em pleno desenvolvimento da vida do ser humano restringia sua infância, sua adolescência e sua fase adulta tratada como um produto que tinha tempo para vencimento, mas que ao mesmo tempo seria um meio de controle para a inserção do liberto na seara do trabalho regular.

 Logo mais, foi sancionada outra lei a chamada Lei dos Sexagenários, esta que veio libertar escravos com mais de 65 anos de idade, dificilmente um escravo com o ritmo de vida que levava com péssimas condições de trabalho via coerção por meio de métodos violentos e cativeiros, conseguia chegar a essa idade. Antes de chegar a essa idade, muitos ficavam doentes, cansados e quase não produziam a mão de obra destinada, até chegar à morte, e dessa maneira, era uma ótima vantagem para os proprietários de escravos que economizavam com alimentação e moradia, pois se livravam daqueles que, por conta de vários fatores, já não serviam mais para o trabalho forçado.

E com o decorrer do processo de extinção do trabalho escravo A Lei Áurea em 13 de maio de 1888 foi um ponto culminante para a abolição da escravatura, de um lado um processo à desagregação desse sistema escravista, e de outro, ocorrência de modificações ocorridas na estrutura econômica e social do Brasil. Esta lei veio quebrar barreiras e declarar extinta toda e qualquer forma de escravidão, um grande marco pra transição do trabalho escravo para o trabalho livre num país que durante tanto tempo se tornou palco de tortura, exploração e humilhação do homem perante o sistema escravocrata.

O trabalho escravo durante anos carregou consigo a dor, a angústia, o desprezo, a desvalorização de o próprio ser humano tornando-o como propriedade de outro ser que dizia ser humano, a sensação que se podia prever era de que o escravo via que a sua vida era do berço ao túmulo, tendo seu destino traçado por tanta crueldade, mas que a partir dessa luta nasceu  o trabalho livre, conquistado através do próprio trabalho escravo, um processo complexo de formação do mercado de trabalho no Brasil ,mas que foi evoluindo a medida de suas conquistas.

O trabalho livre foi visto naquela época como trabalho de “vadios” feitos por marginais, no qual era observado com muita desconfiança, pois o liberto na concepção daquela sociedade só teria serventia se estivesse sendo coagido e controlado, assim não teria espaço para a preguiça e seu trabalho era desenvolvido com eficiência, não houve depois da abolição uma lei que assegurasse seu direito de cidadão, acesso a escola, moradia, saúde, ou mesmo que regulamentasse a relação entre empregados e patrões.

 Prado Jr. explica essa situação que:

A população livre, mas pobre, não encontrava lugar algum naquele sistema que se reduzia ao binômio "senhor e escravo". Quem não fosse escravo e não pudesse ser senhor, era um elemento desajustado, que não se podia entrosar normalmente no organismo econômico e social do país. Isto que já vinha dos tempos remotos da colônia, resultava em contingentes relativamente grandes de indivíduos mais ou menos desocupados, de vida incerta e aleatória,e que davam nos casos extremos nestes estados patológicos da vida social: a vadiagem criminosa e a prostituição. (PRADO JR, 1972, p.148).

Boa parte dessa população livre era composta por negros, libertos, brancos, índios, mulatos, que viviam em condições rudimentares e envolvidas em atividades de subsistência. Pôde verificar que o trabalhador livre estava encadeado a qualquer possibilidade de desenvolver uma atividade rentável, já que as possibilidades de trabalhar em fazenda não atendiam as expectativas dele, pois não queria mais suportar as mesmas condições de trabalho que era imposta ao escravo. Logo, propiciou-se o jargão de que estas pessoas eram vadias e imprestáveis para o trabalho subordinado.

E por fim, as elites dominantes, especificamente os fazendeiros, temiam que esses libertos tivessem acesso à propriedade ou algum espaço que pudessem desenvolver algum tipo de trabalho autônomo, foi criada a Lei de Terras nº601 de 18 de Setembro de 1950, lei que regulamentava a propriedade privada no Brasil. Tudo isso em prol de que impedissem que os libertos se tornassem donos de terras nos quais os grandes fazendeiros e políticos eram dominantes e privilegiados.

Dessa forma, ao verificar cada ponto histórico do trabalho escravo em sua transição para o trabalho livre, foi um processo em longo prazo que teve suas peculiaridades e situações de necessidade para que ocorresse a inclusão do liberto numa ordem sócio ecomicamente escravocrata.

7 ATUALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO SOBRE A AUTONOMIA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

A expressão direito de trabalho é utilizada e consagrada pela nossa legislação, doutrina e jurisprudência para constituir esse ramo da ciência jurídica, no qual é composto por regras, princípios que regulam a relação entre empregado e empregador com intuito de prevenir o conflito também entre capital e trabalho preservando a vida social e consequentemente gerando a paz.

Observa-se que o Direito do Trabalho no Brasil não foi criado especificamente por meio de reivindicações sociais articuladas pelas entidades representativas dos trabalhadores, e sim através do trajeto do trabalho escravo para a ocorrência do trabalho livre, no qual as leis vigentes na época contribuíram para sua formação. Surgiu a partir daí a concentração proletária em grandes centros urbanos que também decorreram da Revolução Industrial que só foi determinante no inicio do século XX, pois por mais que tivesse ocorrido o fim da escravidão proibida por lei, ainda ocorria a utilização da mão de obra escrava.

Getúlio Vargas, presidente do país na década de trinta no século XX, editou uma série de medidas legislativas que cominou a autonomia do Direito do Trabalho no Brasil, mas que em âmbito constitucional, o Direito do Trabalho só revigorou a partir da promulgação da Lei Maior de 1934. Foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho aprovada pelo Decreto-Lei nº 5452 de 01 de Maio de 1943.

Com esse trajeto na história do trabalho no Brasil, nossa Carta Magna de 1988 ampliou um leque de garantias constitucionais ao trabalhador subordinado, trouxe consigo inúmeros artigos que defendem, limitam  e regulamentam o trabalho como por exemplo o Princípio da Igualdade e Liberdade sem submissão a tortura nem tratamento desumano ou degradante e ao livre exercício de qualquer trabalho como descreve o artigo 5:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...]

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; (BRASIL, 1988).

A igualdade e liberdade devem ser verificadas em sentido amplo, a primeira se refere como uma base fundamental de democracia, ela determina o tratamento igual àquele que se encontra em situação equivalente e que se trate o desigual em situação desigual na maneira de sua desigualdade, obrigando assim, tanto o legislador e aplicador quanto o particular na forma de sua proporcionalidade aplicar a lei em suas limitações; já a segunda, a explicação se dirige no sentido do direito de ir e vir sem meios que impeça a vontade do indivíduo desde que seja exposto a normas que devem ser respeitadas, independentemente de ser brasileiro ou estrangeiro.

O dispositivo também regulamenta o livre exercício de qualquer trabalho, de oficio ou profissão desde que respeite as qualificações  estabelecidas pela lei, isto é, o indivíduo tem o livre arbítrio de escolher qual profissão irá exercer, o modo como irá trabalhar, e com quem irá trabalhar respeitando as qualificações necessárias para sua prestação perante a sociedade que vive, um direito que no passado não existia, o trabalhador escravo era submetido a vontade de seu patrão e teria que fazer o que ele quisesse, sem escolhas e sem direito de procurar melhorias, um direito que hoje o trabalhador livre possui sem qualquer restrição.

  No que tange a respeito de punição ao direito violado daquele posto em situação de trabalho escravo nosso atual Código Penal assegura em seu o artigo 149:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. [...]

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (BRASIL, 1940).

Este dispositivo explica que reduzir alguém a condição análoga de escravo traduz a anulação da personalidade da vítima, reduzindo-a a um estado de submissão física e psíquica, utilizando-se do emprego com ou sem violência e ameaça. Não é só trabalhar forçosamente, mas também colocá-la em situações degradantes como jornada exaustiva de trabalho, desprezo a condições mínimas como saúde, alimentação, higiene, equipamentos adequados de acordo com o tipo de trabalho, fatores que contribuem para o esgotamento total de um trabalhador exposto a estas condições.

O bem jurídico protegido é a liberdade do agente, preserva seu direito de ir e vir ou de permanecer onde queira, esta submissão afronta um dos princípios mais relevantes do Estado Democrático de Direito que é da Dignidade da Pessoa Humana. Vale ressaltar, que esse crime é comum em fazendas situadas no interior da nossa Nação , outra localidade seria em fábricas que contratam mão de obra de imigrantes estrangeiros clandestinos.

A emenda constitucional 81/2014 trouxe uma importante alteração no artigo 243 da Constituição Federal de 1988 que diz:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer régio do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, em qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art.5º.[...](BRASIL, 2014).

Estabeleceu que propriedades rurais e urbanas do Brasil onde for localizada a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas a reforma agrária e programas habitacionais sem qualquer indenização ao proprietário podendo também o bem ser confiscado e revertido ao fundo especial, direito conquistado com bravura, pois no passado, quando era detectado o trabalho escravo tanto em fazendas quanto na cidade, a polícia e a justiça não impedia a arbitrariedade do senhorio este que exercia livremente seu domínio, fazendo com que os escravos obedecessem e ficariam subordinados a tal controle, não acontecia absolutamente nada com sua a respectiva propriedade, pois o poder legislativo era representado por grandes fazendeiros que defendiam interesses senhoriais.

No que tange à respeito da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ela integra em seus artigos a necessidade do ser humano em viver em sociedade, no espaço e tempo e a cultura de cada povo, para facilitar sua compreensão, interpretação e aplicação na relação entre trabalhador e empregador. Essa lei regula todos os aspectos como, por exemplo, jornada de trabalho, subordinação, salário, condições dignas do meio laboral liberdade de trabalho dentre outros, ou seja, ocorre uma valorização do trabalho humano perante a sociedade em que se vive.

Portanto, a transição do trabalho escravo para o trabalho livre foi evoluindo a cada passo que a sociedade enfrentava, desde suas leis abolicionistas até que se chegasse a atual legislação e adequações em cada necessidade que vem surgindo pelo conflitos de interesses entre capital e mão de obra.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto, verifica-se a interdisciplinidade entre o Direito e Literatura foi de suma importância para sua compreensão, através de obras literárias como foi o objeto do referido trabalho, a Literatura influência no estudo e na própria prática do Direito, utilizando-a para interpretar a sociedade em que se vive, fazendo com que o jurista e as pessoas de modo em geral reflitam sobre o mundo que os cerca.

A Literatura abriu uma visão bem diferenciada para ser utilizada no Direito, ela buscou inserir um modelo mais humanístico e afetivo, voltada para uma liberdade mais criativa, de modo que convença o seu público, no qual o jurista domine o jogo de palavras para defender interesses jurídicos, desenvolver habilidades na leitura para a compreensão e interpretação dos textos socialmente compartilhados dos indivíduos envolvidos no meio processual. Trouxe para o Direito o equilíbrio entre a razão e emoção, aquele que enriquecer seus conhecimentos para poder ir além do Direito através da Literatura poderá desenvolver a capacidade de compreender a realidade através da ficção.

Para isso, foi necessário trazer este conto de Machado para traçar uma importante análise da Literatura no Direito, expondo a ficção para a realidade, a narrativa da história demonstrou o trajeto da transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil sob  a égide de uma sociedade totalmente escravocrata. Navegou-se pelas leis mais relevantes da época para se compreender essa transferência de identidade da concepção de trabalho. Foi evidente que não foi um processo rápido, muito pelo contrário, foi um trajeto cheio de tragédias, guerras, torturas, lutas, conquistas e vitórias.

Observa-se que o trabalhador livre ao ser inserido na sociedade escravocrata era mal visto, era um vadio sem comprometimento, sem ordens, sem submissão ao seu senhorio, nada adiantava ser livre se a visão que a sociedade tinha era essa. A falta de oportunidade e credibilidade era evidente, e a cada dia a disputa para ganhar seu espaço na sociedade era mais difícil.

O trabalho escravo aos poucos foi sofrendo as transformações, a cada lei sancionada era um passo a mais para ocorrer a emancipação do indivíduo. O primeiro passo foi a criação da Lei Eusébio de Queirós que modificou a legislação escravista no Brasil, ela proibia o trafico de escravos para o País, o segundo passo foi a Lei do Ventre Livre que considerava libertos todos os filhos  de escravas que nasciam após a criação da data da lei, o terceiro passo foi a Lei dos Sexagenários que concedia a liberdade aos escravos que atingia a idade de 65 anos, e o quarto passo foi a Lei Áurea que teve por finalidade libertar todos os escravos que estavam presos a sociedade escravocrata.

Por mais que as progressões de todas essas leis faziam, a batalha árdua com a elite era precária, pois após ocorrer a abolição da escravatura não houve um projeto que permitisse a inserção do trabalhador livre ser independente. Dessa maneira, muitos ainda se viam presos ao trabalho escravo continuando a prestar seus serviços para garantir seu sustento e sua moradia. Eram trabalhadores vistos como larápios, petulantes, que não tinham nenhum vinculo com ninguém e por isso não serviam para desenvolver um trabalho sem que ocorra a subordinação forçada como era de praxe.

Acrescenta-se a essa que com o passar dos anos, a legislação foi sendo moldada de acordo com a demanda da sociedade, e nossa Carta Magna de 1988 trouxe consigo vários direitos e deveres referente ao trabalho escravo e trabalho livre , o direito de liberdade e igualdade em seu artigo 5 preconiza uma proteção inerente ao ser humano respaldado na dignidade da pessoa humana.

Já o Código Penal trouxe punições severas para aqueles que colocassem o indivíduo a condição análoga ao do trabalho escravo tendo aumento de pena para aqueles que tiverem motivos de preconceitos, amparou a o direito de ir e vir, de possuir um trabalho digno sem qualquer tipo de tratamento desumano e degradante.

Outra importante inovação foi a aprovação da emenda constitucional 81/2014 que alterou o artigo 243 da Lei Maior que estabeleceu a perda da propriedade que fosse detectada o trabalho escravo seja na área rural ou urbana sem que haja qualquer indenização ao proprietário.

Vale ressaltar que a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sancionada na vigência do governo de Getúlio Vargas, foi um grande marco para a regulamentação do Direito do Trabalho no Brasil com legislação especifica para garantir a relação entre trabalhador e empregador no âmbito de seus conflitos de interesses.

Em suma, a transição do trabalho escravo para o trabalho livre sob a égide de uma sociedade escravocrata na narrativa de Machado explanou os pontos mais complexos da abolição da escravatura na história da legislação brasileira escravista, no qual demonstrou as dificuldades enfrentadas pela classe dos libertos e sua inserção numa sociedade que até hoje é rigorosa e a liberdade é refém de um capitalismo egoísta e prepotente a um direito inerente ao trabalhador de que é ser livre.

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PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1972.

Sobre as autoras
Mara Aline Rodrigues Porto

Acadêmica do 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas do Araguaia – FACISA.

Raimunda Alves Batista

Mestre em Letras e Linguística. Professora e Membro da Comissão Técnica de Assessoria ao Programa e Iniciação Científica da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais e Aplicada do Araguaia – FACISA.Professora da Universidade Federal de Mato Grosso- aposentada.

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