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A demissão sem justa causa no Brasil é inconstitucional?

Agenda 26/04/2017 às 11:03

Com respeito à pergunta do título deste breve artigo, o TRT/ES (Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo) decidiu que, sim, a demissão por justa causa no Brasil é inconstitucional. Será?

Com respeito à pergunta do título deste breve artigo, o TRT/ES (Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo) decidiu que sim, que a demissão por justa causa no Brasil é inconstitucional. Será?

Pode-se dizer que o TR/ES atropelou o STF (Supremo Tribunal Federal), ao criar a Súmula no 42, publicada em 24/01/2017, que proíbe a demissão sem justa causa. Segundo essa Súmula, a empresa que precisar demitir uma pessoa no Estado terá que fazê-lo por meio de justificativa. Além do TRT/ES, a nova regra ainda orientará decisões de primeira instância trabalhista no Judiciário capixaba e há o risco de um efeito cascata sobre TRFs de outros estados. Ao mesmo tempo, existe também o risco de alguns estados criarem algo similar à Súmula e outros não, criando-se alta incerteza jurídica no mercado de trabalho nacional. Qualquer um desses cenários não é bom para o Brasil.

A verdade é que o histórico desse tema é longo, de 25 anos, e somente pela decisão do STF se espera há 20 anos. Em 1982, em sua 68ª reunião, a OIT (Organização Mundial do Trabalho) criou um Tratado – a Convenção da OIT nº 158 – que extingue a demissão por iniciativa do empregador, com adesão de vários países. No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional em 17/09/1992 e ratificada pelo governo FHC em 4/1/1995, para vigorar 12 meses após. Em 10/04/1996, o governo promulgou a ratificação, publicando esse tratado em português.

Entretanto, oito meses após, o governo FHC revogou sua decisão, por meio do Decreto 2100/1996 (20/12/1996), decidindo que a Convenção da OIT nº 158 deixaria de vigorar no Brasil a partir de 20/12/1997. Diante desse Decreto, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) entraram no STF com a Adin 1.625 (17/06/1997), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, argumentando que o presidente da República não poderia denunciar um tratado internacional sem aprovação do Congresso.

A tramitação do assunto no STF em sido pautada por idas e vindas. Em 2003, cerca de seis anos após o ingresso da Adim 1.626, o ministro Maurício Corrêa, falecido, votou pela procedência da ação, entendendo que o Congresso deveria ter ratificado a decisão do presidente da República. O ministro Ayres Brito, aposentado, seguiu esse entendimento. O ministro Nelson Jobim, aposentado, entendeu o oposto. O ministro Joaquim Barbosa, também aposentado, e a ministra Rosa Weber entenderam que a ação procede. Em 2016, o ministro Teori Zavaski, recentemente falecido, votou pela improcedência da ação; porém, condicionada à ratificação de futuros tratados pelo Congresso. Na sequência, o ministro Dias Toffoli pediu vista.

No Espírito Santo, o relator da Súmula do TRF/ES, desembargador Carlos Henrique Bezerra Leite, afirma que a ação do governo FHC afrontou o artigo 49 da Constituição Federal, em seu inciso I, o qual preconiza que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. O relator ainda menciona existirem no STF quatro votos favoráveis à procedência da Adin.

Como não poderia deixar de ser, entidades representantes de empregadores e empregados divergem diametralmente sobre a questão. Cássio Borges, gerente-executivo jurídico da CNI (Confederação Nacional da Indústria), afirma que a Súmula no 42 é “um balde de água fria no empresariado, principalmente neste momento de crise”. Já para o secretário nacional de assuntos jurídicos da CUT, Valeir Ertle, a Súmula capixaba tem o exato sentido que a Central defende junto ao STF. Afinal, o que os especialistas em direito trabalhista pensam sobre um assunto tão candente?

A questão é controversa, mas sem entrar na discussão de cunho ideológico sobre o estado interferir mais ou menos na iniciativa privada, expressamos aqui a nossa opinião: a decisão do governo FHC –, em que pese o artigo 49 da Constituição Nacional e a argumentação do TRT/ES – não é inconstitucional e a legislação brasileira permite que o Supremo assim interprete o caso. Nosso entendimento é similar àquele do falecido ministro Teori Zavaski, que votou pela improcedência da Adin 1.625, condicionada à ratificação de futuros tratados pelo Congresso Nacional. O ministro aplicou, em seu entendimento, o conceito tratado na literatura jurídica como modulação dos efeitos das decisões. Buscaremos aqui, em breves palavras, qualificar tal conceito, que consideramos coerente com o contexto institucional do nosso País e lembrando que sua aplicação não é exclusividade do Brasil.

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Ocorre que quando o Poder Legislativo aprovou a Lei no 9868 (10/11/1999), que pode ser visualizada por leigos como uma espécie de irmã mais nova da Constituição Federal, ele forneceu ao STF um instrumento essencial para o julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade – as chamadas Adins entre outros instrumentos. E essa Lei preconiza, em seu artigo 27:

“Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

O que nos diz o artigo 27 da Lei no 9868? Isto: que o STF, guardião-mor da Constituição Federal, diante de situações que envolvam segurança jurídica ou excepcional interesse social – e este é caso que se apresenta. Alguém discordaria? –, pode definir que a inconstitucionalidade de uma lei ou ato é válida a partir do momento de sua decisão sobre o assunto; ou até um pouco mais à frente, a seu critério.

Eis aqui, portanto, o conceito de modulação dos efeitos das decisões: a flexibilidade para, em condições muito especiais, o STF determinar a validade de uma disposição constitucional a partir de sua decisão e, não do momento da promulgação da Constituição Federal, em benefício do País. Naturalmente, no âmbito deste post, tal conceito está resumido, o que não mostra sua complexidade e fascínio e recomendamos aos interessados pesquisas na literatura jurídica para mais esclarecimentos.

Finalizando, nossa visão nos parece bem fundamentada, com destaque para a Lei no 9868 (10/11/1999) que contempla o conceito de modulação dos efeitos das decisões no artigo 27. E sem colidir ou reduzir o papel da Carta Magna, a Constituição Federal do Brasil, da qual o STF é o guardião-mor; porém, permitindo flexibilizar o momento da validade de decisões muito especiais, em benefício do País.

Sobre os autores
André Mansur Brandão

Advogado da André Mansur Advogados Associados (Minas Gerais). Administrador de Empresas. Escritor.Saiba mais sobre nossa empresa em: http://andremansur.com/portfolio/

David Maestri

Por David Maestri é colaborador da redação “André Mansur Advogados Associados”. Coopera em pesquisas para o Escritório e tem especial interesse em questões candentes do nosso sistema jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, André Mansur; MAESTRI, David. A demissão sem justa causa no Brasil é inconstitucional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5047, 26 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55550. Acesso em: 21 nov. 2024.

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