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A demissão sem justa causa no Brasil é inconstitucional?

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Com respeito à pergunta do título deste breve artigo, o TRT/ES (Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo) decidiu que, sim, a demissão por justa causa no Brasil é inconstitucional. Será?

Com respeito à pergunta do título deste breve artigo, o TRT/ES (Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo) decidiu que sim, que a demissão por justa causa no Brasil é inconstitucional. Será?

Pode-se dizer que o TR/ES atropelou o STF (Supremo Tribunal Federal), ao criar a Súmula no 42, publicada em 24/01/2017, que proíbe a demissão sem justa causa. Segundo essa Súmula, a empresa que precisar demitir uma pessoa no Estado terá que fazê-lo por meio de justificativa. Além do TRT/ES, a nova regra ainda orientará decisões de primeira instância trabalhista no Judiciário capixaba e há o risco de um efeito cascata sobre TRFs de outros estados. Ao mesmo tempo, existe também o risco de alguns estados criarem algo similar à Súmula e outros não, criando-se alta incerteza jurídica no mercado de trabalho nacional. Qualquer um desses cenários não é bom para o Brasil.

A verdade é que o histórico desse tema é longo, de 25 anos, e somente pela decisão do STF se espera há 20 anos. Em 1982, em sua 68ª reunião, a OIT (Organização Mundial do Trabalho) criou um Tratado – a Convenção da OIT nº 158 – que extingue a demissão por iniciativa do empregador, com adesão de vários países. No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional em 17/09/1992 e ratificada pelo governo FHC em 4/1/1995, para vigorar 12 meses após. Em 10/04/1996, o governo promulgou a ratificação, publicando esse tratado em português.

Entretanto, oito meses após, o governo FHC revogou sua decisão, por meio do Decreto 2100/1996 (20/12/1996), decidindo que a Convenção da OIT nº 158 deixaria de vigorar no Brasil a partir de 20/12/1997. Diante desse Decreto, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) entraram no STF com a Adin 1.625 (17/06/1997), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, argumentando que o presidente da República não poderia denunciar um tratado internacional sem aprovação do Congresso.

A tramitação do assunto no STF em sido pautada por idas e vindas. Em 2003, cerca de seis anos após o ingresso da Adim 1.626, o ministro Maurício Corrêa, falecido, votou pela procedência da ação, entendendo que o Congresso deveria ter ratificado a decisão do presidente da República. O ministro Ayres Brito, aposentado, seguiu esse entendimento. O ministro Nelson Jobim, aposentado, entendeu o oposto. O ministro Joaquim Barbosa, também aposentado, e a ministra Rosa Weber entenderam que a ação procede. Em 2016, o ministro Teori Zavaski, recentemente falecido, votou pela improcedência da ação; porém, condicionada à ratificação de futuros tratados pelo Congresso. Na sequência, o ministro Dias Toffoli pediu vista.

No Espírito Santo, o relator da Súmula do TRF/ES, desembargador Carlos Henrique Bezerra Leite, afirma que a ação do governo FHC afrontou o artigo 49 da Constituição Federal, em seu inciso I, o qual preconiza que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”. O relator ainda menciona existirem no STF quatro votos favoráveis à procedência da Adin.

Como não poderia deixar de ser, entidades representantes de empregadores e empregados divergem diametralmente sobre a questão. Cássio Borges, gerente-executivo jurídico da CNI (Confederação Nacional da Indústria), afirma que a Súmula no 42 é “um balde de água fria no empresariado, principalmente neste momento de crise”. Já para o secretário nacional de assuntos jurídicos da CUT, Valeir Ertle, a Súmula capixaba tem o exato sentido que a Central defende junto ao STF. Afinal, o que os especialistas em direito trabalhista pensam sobre um assunto tão candente?

A questão é controversa, mas sem entrar na discussão de cunho ideológico sobre o estado interferir mais ou menos na iniciativa privada, expressamos aqui a nossa opinião: a decisão do governo FHC –, em que pese o artigo 49 da Constituição Nacional e a argumentação do TRT/ES – não é inconstitucional e a legislação brasileira permite que o Supremo assim interprete o caso. Nosso entendimento é similar àquele do falecido ministro Teori Zavaski, que votou pela improcedência da Adin 1.625, condicionada à ratificação de futuros tratados pelo Congresso Nacional. O ministro aplicou, em seu entendimento, o conceito tratado na literatura jurídica como modulação dos efeitos das decisões. Buscaremos aqui, em breves palavras, qualificar tal conceito, que consideramos coerente com o contexto institucional do nosso País e lembrando que sua aplicação não é exclusividade do Brasil.

Ocorre que quando o Poder Legislativo aprovou a Lei no 9868 (10/11/1999), que pode ser visualizada por leigos como uma espécie de irmã mais nova da Constituição Federal, ele forneceu ao STF um instrumento essencial para o julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade – as chamadas Adins entre outros instrumentos. E essa Lei preconiza, em seu artigo 27:

“Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

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O que nos diz o artigo 27 da Lei no 9868? Isto: que o STF, guardião-mor da Constituição Federal, diante de situações que envolvam segurança jurídica ou excepcional interesse social – e este é caso que se apresenta. Alguém discordaria? –, pode definir que a inconstitucionalidade de uma lei ou ato é válida a partir do momento de sua decisão sobre o assunto; ou até um pouco mais à frente, a seu critério.

Eis aqui, portanto, o conceito de modulação dos efeitos das decisões: a flexibilidade para, em condições muito especiais, o STF determinar a validade de uma disposição constitucional a partir de sua decisão e, não do momento da promulgação da Constituição Federal, em benefício do País. Naturalmente, no âmbito deste post, tal conceito está resumido, o que não mostra sua complexidade e fascínio e recomendamos aos interessados pesquisas na literatura jurídica para mais esclarecimentos.

Finalizando, nossa visão nos parece bem fundamentada, com destaque para a Lei no 9868 (10/11/1999) que contempla o conceito de modulação dos efeitos das decisões no artigo 27. E sem colidir ou reduzir o papel da Carta Magna, a Constituição Federal do Brasil, da qual o STF é o guardião-mor; porém, permitindo flexibilizar o momento da validade de decisões muito especiais, em benefício do País.

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Sobre os autores
André Mansur Brandão

Advogado da André Mansur Advogados Associados (Minas Gerais). Administrador de Empresas. Escritor.Saiba mais sobre nossa empresa em: http://andremansur.com/portfolio/

David Maestri

Por David Maestri é colaborador da redação “André Mansur Advogados Associados”. Coopera em pesquisas para o Escritório e tem especial interesse em questões candentes do nosso sistema jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, André Mansur ; MAESTRI, David. A demissão sem justa causa no Brasil é inconstitucional?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5047, 26 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55550. Acesso em: 21 nov. 2024.

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