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A Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) e seus reflexos na arrecadação de tributos para os Municípios

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Agenda 04/02/2017 às 19:25

A Lei Complementar nº 87/969, conhecida como Lei Kandir, foi aprovada originalmente para favorecer as exportações, prevendo uma compensação aos Estados e Municípios. Porém, após as inúmeras modificações em seu texto original, tal compensação não passa de verba a título de fomento às exportações, o que não corresponde à realidade das perdas advindas das isenções previstas no mesmo diploma. Além disso, os resultados esperados pelo Governo Federal, no que diz respeito ao incremento nas exportações, não foram atingidos.

1. INTRODUÇÃO

Em um Estado Federal, como é o caso do Brasil, a autonomia dos entes federados é de vital importância. Tal autonomia é conseguida, entre outras formas, pela autonomia financeira desses entes que formam a Federação. Não existe autonomia política sem que haja de antemão uma autonomia financeira. Essa autonomia financeira passa necessariamente por uma autonomia tributária, que é de onde se obtém a principal fonte de receitas, tanto da União Federal como dos demais membros da Federação.

Os Municípios brasileiros encontram-se em situação de dependência financeira da União Federal e dos Estados-membros, situação que foi bastante agravada com a redistribuição, após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, de encargos que antes eram de atribuição da União Federal, para os Municípios, como a prestação dos serviços e saúde, educação básica, etc.

O corte nas receitas dos Municípios acarreta reflexos diretos na prestação de serviços de demanda social, serviços esses que passaram a ser atribuição dos Estados e Municípios, após diversos convênios firmados entre eles e a União Federal. Estes entes federados assumiram vários encargos sociais que antes eram atribuição concorrente ou exclusiva do Governo Federal, em troca de que fossem repassadas verbas para o custeio desses projetos sociais criados pela União Federal. A ideia era de que o Governo Federal criaria e financiaria tais projetos, sendo que a execução ficaria a cargo dos Estados e Municípios.

O que se percebe é uma queda na qualidade dos serviços sociais prestados pelos Municípios, em parte pelo fato de que as verbas dos convênios firmados com o Governo Federal não vêm sendo repassadas a contento, e complementando o cenário, tivemos como reflexo da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), que regula a arrecadação e distribuição do ICMS, uma significativa queda nas receitas tributárias oriundas de repasses pelos Estados, (parcela de 25% do ICMS) que foi suprimida pela desoneração de ICMS – Exportação.

A competência tributária dos entes da Federação no Brasil sempre foi objeto de debates e de discussões, por envolver interesses políticos e econômicos de grande monta, fato esse agravado pelas patentes diferenças das diversas regiões brasileiras em termos de desenvolvimento socioeconômico. Com o advento da Constituição de 1988 as competências tributárias foram reformuladas de maneira significativa, mais notadamente no que diz respeito à repartição de receitas entre os entes da Federação. A União Federal, ente principal e com maior poder de tributação, abriu mão de alguns tributos que antes eram de sua titularidade em prol das demais esferas federativas, mas com o decorrer da década de 1990, logo após a promulgação da CRFB veio paulatinamente ampliando sua base tributária.

Apesar de toda a problemática trazida pela Lei Kandir já ter sido bastante debatida, com posicionamentos divergentes por parte da União Federal e dos Estados e Municípios, ainda assim o tema se reveste de grande importância, afinal estamos em um momento político-econômico delicado, em que mais uma vez o Governo Federal se vê obrigado a cortar despesa de toda ordem.

Esses cortes notadamente passam pelos repasses de verbas para os Estados e Municípios, o que torna mais grave a situação econômica já delicada dessas unidades da Federação. Existe um movimento por parte dos Poderes Executivos e Legislativos dos entes federados para que se discuta uma reforma tributária completa e efetiva, o que passaria necessariamente passaria pela análise do atual modo de se tributar esse imposto (ICMS), mas data a conjuntura política pela qual passa o País, medidas que requeiram um maior consenso estão fora de questão.

O trabalho analisa as características do Pacto Federativo no Brasil, suas particularidades, verificando como a atual configuração do Pacto Federativo no Brasil coloca em elevado grau de subordinação os Estados e Municípios com relação à União Federal.

Prosseguindo, verifica-se a amplitude da reforma tributária de 1988, ponderando sobre como os entes da Federação eventualmente se beneficiaram dessa reforma; em um segundo momento, estuda-se a regulamentação do principal tributo da Federação, o ICMS, que conforme previsão constitucional veio a ser detalhado pela Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir).

Posteriormente, aprofunda-se o estudo das consequências das isenções trazidas pela referida lei, não só para os Municípios, mas também para o setor exportador, e, por fim, será atacado o objetivo principal do estudo, que é poder averiguar quais as consequências que trouxe essa lei, desde a sua promulgação, para a atual realidade financeira dos Municípios.

O método de abordagem adotado foi o dialético, devido às características do tema escolhido. Será feita uma análise dos argumentos prós e contras a lei em estudo, tanto por parte do Governo Federal de um lado e dos Estados e Municípios de outro.


2. ORIGENS DO FEDERALISMO BRASILEIRO E AS INFLUÊNCIAS NA AUTONIMIA DOS ENTES FEDERADOS

O Federalismo no Brasil é tido como peculiar, dadas a sua origem, que veio derivado de um governo unitário que cedeu parte de sua autonomia administrativa em favor de administrações locais criadas artificialmente com objetivo de facilitar a administração de um país essencialmente agrário, deficiente em meios de comunicação e controle e com um território de proporções continentais.

Ao contrário do que ocorreu, por exemplo, com os Estados Unidos da América, em que suas treze colônias, então autônomas, resolveram abrir mão de parte de sua autonomia para, em prol de todos, constituírem um poder central, aqui no Brasil ocorreu de maneira inversa. Tínhamos um poder centralizado, o Império, que após a Proclamação da República optou por ceder parte de suas atribuições e poderes aos Estados-membro, formando uma espécie de “Federação à brasileira”.

Situação anômala em que, com o intuito de se manter a coesão do Estado (impedir o desmembramento), abdica-se apenas de parte da sua autoridade sobre os federados. Verifica-se com isso que a nossa Federação se diferencia das demais, notadamente do modelo norte-americano. Aqui as competências foram distribuídas pela CRFB aos entes subnacionais, mas a parcela maior de atribuições ficou a cargo da União Federal, que se valendo do poder de arrecadação tributária submete os demais entes a um grau elevado de subordinação, o que contraria toda a ideologia de uma Federação.

Por ser uma Federação, teoricamente, o governo deveria ser descentralizado, colaborativo, assim como a arrecadação tributária. Não é assim que acontece no Brasil, e não era assim também antes da CRFB de 1988. A Constituição de 1967 (EC 01/69) já trazia alguns pontos de divergência em matéria de distribuição de competências tributárias. Lembra Nagib Slaibi Filho (2004, p.811):

[...] de qualquer forma, a História de nossas Constituições demonstra que, cada vez mais, são ampliados os poderes federais e restringidos os estaduais, tendência que foi quebrada pela Constituição de 1988, que procurou reforçar não só os Estados-membro, mas também os Municípios, em processo de reação ao centralismo imperante no período militar de 1964-1985.

O Sistema Tributário Nacional que existia antes da reforma tributária de 1988 era baseado na Constituição anterior, que atribuía a titularidade da maioria dos tributos à União Federal, detentora da competência sobre onze dos dezesseis tributos existentes à época. A consequência disso era a concentração de receitas nas mãos da União Federal, em detrimento dos Estados e Municípios.

Dentre as diversas mudanças nos regimes de governo, passando do autoritário (centralizador) ao democrático (descentralizador e participativo), verifica-se desde a década de 1980 uma crescente transferência de responsabilidades político-sociais por parte da União Federal às esferas locais de governo. Essa transferência não é exclusividade do federalismo, mas é prática adotada também nos Estados unitários. As diversas experiências administrativas nos mais variados modelos de governos demonstram que a descentralização é a forma mais eficiente e justa de se distribuir rendas e atribuir responsabilidades.

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O Brasil, principalmente com a promulgação Constituição de 1988, teoricamente adotou esse modelo de descentralização político-administrativa. Em matéria tributária, a própria doutrina reconhece que não há um federalismo real, já que há ainda uma concentração de competências tributárias na União Federal.

Por isso Ataliba nega a existência de um Sistema Tributária Nacional, pois feriria o princípio federativo, as autonomias dos Estados e dos Municípios, que elaboram os respectivos Sistemas Tributários, ainda que com base nos princípios constitucionais comuns. Continua o referido autor, argumentando que há um sistema tributário brasileiro, sem dúvida, mas ao contrário do francês e do italiano, por exemplo, não reúne as condições para ser considerado nacional. E o fato de haver normas constitucionais voltadas para todas as pessoas políticas – o que sempre houve aqui e em todas as federações – não chega, por si só a dar caráter ao sistema. Para que este pudesse ser reputado nacional, seria necessário que o legislador que o plasma também se revestisse da mesma qualidade, o que não acontece. Pelo contrário, temos uma multiplicidade de legisladores a contribuir para a modelagem do Sistema Tributário. (1968 p. 223-224).

Corroborando o mesmo posicionamento doutrinário, afirma Harada que “Exatamente por existirem princípios tributários, limitadores do exercício da competência impositiva, portanto, aplicáveis às entidades políticas tributantes é que cabe falar em Sistema Tributário Nacional. De qualquer forma, pode-se denominar Sistema Tributário Nacional o conjunto de tributos federais, estaduais e municipais existentes entre nós. (2015, p. 328)

No caso do Brasil, devido à heterogeneidade de suas diversas regiões, sendo algumas bem mais desenvolvidas que as outras, essa distribuição de rendas e atribuição de responsabilidades sociais torna-se uma tarefa mais complicada, afinal não agrada às regiões mais desenvolvidas subsidiarem o desenvolvimento das regiões menos favorecidas economicamente.

Foram essas características próprias do País que levaram os diversos governos a adotarem o sistema de distribuição de competências tributárias e de repasses de recursos previstos constitucionalmente, em que cada ente federado administra seus recursos conforme as particularidades de suas diversas regiões, o que hoje se conhece como Pacto Federativo ou Federalismo Fiscal.

As peculiaridades regionais exigem uma administração também regionalizada, obedecendo às características e vocações de cada região. Foi partindo desse princípio que a CRFB optou por uma maior descentralização, inclusive elevando o Município a categoria de ente federativo. Conforme observado em oportunidade anterior, essa equiparação dos Municípios a ente da Federação não é unânime.

Com o Município elevado à categoria de ente da Federação, em pé de igualdade com os demais, vieram também as atribuições a eles impostas, responsabilidades sociais que antes eram apenas administradas pela municipalidade, mas que agora passaram para responsabilidade direta dos Municípios a sua execução. Afinal a Constituição passou a atribuir receitas a essas esferas de governo, seja por arrecadação própria ou oriunda de repasses constitucionais diretos e indiretos.

Os Municípios são titulares da arrecadação de tributos, mas também destinatário de repasses previstos constitucionalmente. Importante observar que mesmo com essas previsões constitucionais de destinação de recursos aos Municípios, devido a um aumento nas atribuições de responsabilidades sociais, nem sempre as administrações regionais conseguem atender a contento as demandas. Esse fato foi bastante agravado com a criação, logo após a promulgação da CRFB, de novos Municípios, sem qualquer critério, autorizando-se a criação de novos Municípios totalmente dependentes de repasses financeiros.

Os repasses previstos constitucionalmente são feitos pela União Federal e pelos Estados Membro, conforme previsão na Seção VI “Da repartição das Receitas Tributárias”. Essa fonte de recursos tem se mostrado insuficiente, dadas as diversas atribuições conferidas aos Municípios, especificamente referente a direitos sociais. Para cumprir essas obrigações os Municípios têm convênios firmados com a União Federal. Essa dependência financeira entes federados dos tributos oriundos da União Federal cria uma situação anômala de subordinação das esferas inferiores da administração, o que vai contra os princípios do Pacto Federativo.

Dentre os repasses obrigatórios mais importantes estão os valores referentes ao ICMS. Em termos de arrecadação estadual, o ICMS é tido como principal tributo, cujos valores são repartidos com os Municípios. Com o advento da Lei Kandir (LC 87/96), parcela dessa arrecadação foi retirada do poder de cobrança pelos Estados membro, prejudicando significativamente os Municípios, que são destinatários de um quarto da arrecadação. A LC 87/96 e suas posteriores modificações feriram de morte a saúde financeira desses entes que muito dependem dessas divisões de tributos.

A Lei Kandir foi aprovada originalmente para favorecer as exportações e previa uma compensação aos Estados e Municípios, e devido a inúmeras modificações em seu texto original, essa compensação não passa hoje de uma verba a título de fomento às exportações, que não corresponde a realidade das perdas advindas das isenções previstas no artigo 3º inciso II da lei.

Os prejuízos atingem também ao empresariado exportador, que não tem efetivado seus direitos de compensação, também previstos na lei, mas que não foram efetivados devido as alterações legislativas que protelaram sua aplicação.

Ademais, cabe ressaltar, que os resultados esperados pelo Governo Federal no que diz respeito ao incremento nas exportações não foram atingidos. Não se percebe um incremento nas exportações, após a Lei Kandir, e analisando os dados comparativos o que se percebe é que as mudanças de cenário ocorridas após 1996, quando a lei entrou em vigor, até os dias de hoje se deram mais em função de mudanças no perfil do país como exportador e influências da economia mundial (macroeconomia), do que propriamente a isenção de tributos proposta pela LC 87/96 possa eventualmente ter proporcionado. Xavier (2005, p. 611).

Eventuais variações na balança comercial, como a que se deu no ano de 1987, um ano após a entrada em vigor da Lei Kandir, se deu exclusivamente em função da redução das importações, e não no aumento das exportações, contrariando o que era proposto e esperado da LC 87/96.

A aprovação e publicação da Lei Kandir se deu com base em uma estratégia que foi a de quebrar a resistência dos Estados e Municípios, acenando com uma espécie de “Seguro Receita” que previa o repasse automático de verbas em caso de queda nas receitas oriundas do ICMS, criando assim complexo mecanismo compensatório para garantir a estabilidade na arrecadação das Unidades da Federação.

Com o passar do tempo e por manobras legislativas do Governo Federal, notadamente na década de 1990, aconteceu uma desvirtuação desse mecanismo. Seu objetivo era compensar as perdas sofridas pelos entes federados, e seu cálculo estava atrelado a efetiva perda sofrida em função das desonerações impostas pelo Governo Federal com relação ao ICMS – Exportação.

Nas palavras de Varsano (2013),

O “seguro receita” consistia em transferências da União para os Estados e Municípios visando evitar as perdas temporárias de receita real que alguns Estados teriam em relação às receitas obtidas em um período anterior pré-definido, com o objetivo de facilitar a transição para um tributo de melhor qualidade, comparável a dos melhores impostos sobre valor adicionado de outros países.

Uma característica desse repasse (Seguro Receita), pelo menos como foi pensado originalmente, era que seria um repasse temporário, enquanto os entes arrecadadores se adaptavam à nova realidade. A ideia era de que com o passar do tempo, o provável incremento nas exportações compensaria eventuais perdas na arrecadação do ICMS.

Entre simplesmente compensar as perdas de receitas, a LC 87/96 pretendeu minorar a transição do antigo ICMS para um tributo mais moderno, semelhante à tributação aplicada em países economicamente destacados. Previa-se que com o aumento da produtividade, alavancado pelo aumento das exportações, reduziria o custo de produção, compensando de alguma forma eventuais perdas de ICMS aos Estados e Municípios.

Analisando esse intrincado mecanismo compensatório, que ficou conhecido como Seguro Receita verifica-se que foi concebido com um equívoco; acabava por privilegiar aqueles Estados que não incrementassem suas fontes de arrecadação de tributos através de fiscalização eficiente e fomento ao crescimento. Isso porque a referência para fins de repasse do “seguro receita” era o ano anterior a instituição da lei, consequentemente a entrada em vigor da desoneração do ICMS–Exportação. Caso houvesse algum aumento nas arrecadações de ICMS, mesmo que resultado de outros fatores tais como uma política fiscalizatória mais eficiente, incentivos diversos ou o fomento ao desenvolvimento de alguma forma, o Estado era prejudicado com o não repasse integral de receitas referentes às perdas ocorridas pela desoneração do ICMS–Exportação, afinal houve aumento na arrecadação.

O Seguro Receita, criado com a intenção de minorar as perdas temporárias, com base em uma estimativa de perda de receitas que cada Estado sofreria, acabou se desvirtuando, passando como temos hoje, a ser um repasse a título não de compensação das perdas advindas da desoneração da Lei Kandir, mas distribuídos como fomento às exportações, dependentes de aprovação em lei orçamentária da União Federal.

Os valores ainda estão subordinados aos percentuais do Anexo à Lei Kandir, mas dependentes de aprovação em lei orçamentária anual.

A título de ilustração, no ano de 2015 a Lei Orçamentária Anual (LOA) foi publicada em abril, tendo como veto presidencial justamente o seu artigo 11:

Art. 11. O montante consignado à ação “0E25 - Auxílio Financeiro aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o Fomento das Exportações” será distribuído segundo os coeficientes definidos no Anexo VII desta Lei.

Como consequência do veto presidencial, os Estados e Municípios ficarão a mercê do Executivo Nacional no que se refere ao Auxílio Financeiro aos Estados, DF e Municípios.

Esse Auxílio a que se refere o artigo 11 vetado é o substituto do antigo seguro receita originariamente criado pela Lei Kandir e que na atual conjuntura não passa de auxílio do Governo Federal, feito de forma discricionária e sempre a depender da conjuntura político-econômica.

Verifica-se, segundo Varsano (2013) que:

[...] a partir do momento em que cessou a garantia de que um montante pré-estabelecido de recursos para as entregas aos Estados e Municípios seria previsto no orçamento, o valor nominal global das transferências amparadas pela Lei complementar nº 115/2002 e pelo art. 92 do ADCT se reduziu de R$ 3,87 bilhões em 2003 para R$ 3,40 bilhões em 2004 e 2005 e para R$ 1,95 bilhões de 2006 em diante. Na prática, a exceção de 2008, as transferências voluntárias nada mais fizeram do que complementar aquelas 27 transferências de modo a manter o total nominal das entregas de recursos em nível semelhante ao de 2003.

A tabela abaixo demonstra bem a queda nos recursos repassados aos Estados (no caso analisado, o Rio Grande do Sul) já no ano de 2004, ocasião em que a União Federal deixou de repassar os valores referentes ao Seguro Receita, adotando o repasse a título de fomento às exportações.

Alguns anos foram desconsiderados na tabela, por não haverem apresentado alterações significativas. Observa-se que a partir do ano de 2009 os valores nominais transferidos se mantiveram constantes, sofrendo por óbvio, corrosão inflacionária. Percebemos também que alguns repasses foram feitos com atraso, prática comum nos dias de hoje, mas já adotada desde o ano de 2006.

Repasses do Governo Federal feitos ao RS, a título de fomento às exportações.

Mês/Ano

2003

2004

2005

2006

1

51.192.087,06

18.142.805,88

18.142.805,88

0

2

50.170.711,76

18.142.805,88

18.142.805,88

0

3

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

0

4

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

0

5

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

10.405.432,79

6

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

52.027.163,92

7

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

10.405.432,79

8

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

10.405.432,79

9

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

10.405.432,79

10

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

10.405.432,79

11

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

10.405.432,79

12

17.028.943,90

18.142.805,88

18.142.805,88

10.405.432,79

TOTAL 

271.652.237,82

217.713.670,56

217.713.670,56

124.865.193,45

Mês/Ano

2008

2009

2014

2015

1

0

9.793.348,51

9.793.348,51

0

2

0

9.793.348,51

9.793.348,51

0

3

29.993.353,96

9.793.348,51

0

0

4

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

39.173.394,00

5

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

9.793.348,51

6

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

9.793.348,51

7

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

9.793.348,51

8

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

9.793.348,51

9

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

0

10

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

0

11

9.997.784,66

9.793.348,51

9.793.348,51

0

12

9.997.784,66

9.793.348,51

19.586.697,02

0

 TOTAL

119.973.415,90

117.520.182,12

117.520.182,12

78.346.788,04

Fonte: http://www3.tesouro.gov.br/Estados_municipios/transferencias_constitucionais_novosite.asp

Com o uso de Medidas Provisórias, que posteriormente foram convertidas em leis ordinárias1, o Governo Federal passou a estipular o montante a ser distribuído aos Estados.

Na atual conjuntura, as administrações regionais argumentam que esses valores são irrisórios, não compensando de maneira satisfatória as perdas efetivamente sofridas.

O movimento por parte dos Estados e Municípios tem crescido nos últimos anos, no sentido de se modificar a sistemática de cobrança do tributo em estudo. Algumas modificações pontuais estão sendo propostas e estudadas, mas nenhuma delas passa por uma efetiva reforma tributária capaz de modificar a atual situação de dependência financeira dos Estados e Municípios e do endividamento desses entes para com a União Federal. Faz-se necessária uma reforma ampla para modificar o cenário, evitando com isso um maior comprometimento da saúde financeira dos Municípios, e proporcionando uma efetiva prestação de serviços públicos à sociedade.

A gestão pública, por outro lado, passa necessariamente por uma administração profissional, adaptada à nova realidade de um mundo globalizado. Tem que se a forma como se gere os recursos públicos nas três esferas de Governo, incentivando o profissionalismo do gestor e seus auxiliares como meio de racionalizar o emprego de recursos. Outra questão premente é o combate à corrupção que se tornou endêmica na administração pública em todos os níveis, alcançando grau de sofisticação jamais visto. Entra nesse caso os Tribunais de Contas em parceria com outros órgãos fiscalizatórios com intuito de minimizar essa prática nefasta que assola os cofres públicos.

Problemas regionais requerem soluções regionais. Uma alternativa aos Municípios pode ser a união de administrações regionais para resolver problemas comuns aos Municípios, sob forma de consórcios públicos, o que poderia facilitar a solução de problemas comuns.

A questão financeira dos Municípios veio se agravando com o decorrer das décadas seguintes à criação de um novo sistema Tributário Nacional pela Contituição de 1988. O Governo Federal, por meio de inúmeras mudanças legislativas, criou vários tributos não partilhados pela União Federal com os Estados e Municípios.

Não bastasse isso, as mudanças na Lei Kandir, se demonstram complicadoras desse cenário, retirando da municipalidade parcela significativa de sua arrecadação. Não se pode perder de vista que os Municípios são beneficiários indiretos do ICMS, tributo de competência dos Estados membros, mas que é partilhado (Artigo 158, inciso IV da CRFB) na ordem de 25% (vinte e cinco por cento) para os Municípios.

Com as isenções trazidas pela Lei Kandir, que deixou de cobrar o ICMS sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, tanto os Estados como os Municípios perderam parte de suas receitas de ICMS-Exportação. O mecanismo de compensação (seguro receita) proposto originariamente pela LC 87/96, que ficou conhecido como “seguro receita” veio ao longo dos anos sofrendo modificações todas em desfavor dos Estados e Municípios, e hoje não passa de mero repasse de valores a título de fomento às exportações, conforme abordado anteriormente.

Podemos perceber, analisando os dados anteriormente expostos, o que levou os Municípios brasileiros ao Estado deficitário em que se encontram dentro do cenário federativo não foi necessariamente a reforma constitucional de 1988, com a descentralização de competências administrativas. O constituinte originário idealizou um sistema de repartição de atribuições sociais, mas também propiciou condições econômicas para a sua consecução, através de repasses diretos, fundos e outros mecanismos.

As mudanças na macroeconomia, as inovações legislativas ocorridas modificaram no período e a criação de tributos não partilhados por parte do Governo Federal modificou esse cenário. Com relação às mudanças na macroeconomia, o País firmou acordos comerciais com novos parceiros, notadamente integrantes do MERCOSUL (Mercado Comum do Cone Sul), além de uma aproximação com a União Europeia, notadamente com intuito de incrementar as exportações de commodities2. Outro fator relevante à época foi a estabilidade do Plano Real, lançado em 1994, acompanhado da Crise Monetária do Sudeste Asiático de 1997, que de maneira reflexa acabou por beneficiar o Brasil em virtude da desvalorização das moedas dos países atingidos pela crise.

Dessa forma, coloca-se não só os Estados como os Municípios em situação de dependência da União Federal, voltando ao que tínhamos no período anterior a CRFB/88, em que havia um centralismo político exacerbado, típico de governos ditatoriais. Viola-se dessa forma um dos objetivos principais do federalismo fiscal, que é a autonomia entre os entes da Federação.

Podemos concluir que, realmente, a Lei Kandir teve efeitos nefastos na economia dos Municípios, mas foi uma conjunção de fatores, todos em detrimento das economias e administrações locais que traçaram a atual situação em que se encontram os Municípios brasileiros.

Uma reforma tributária profunda, abrangente e participativa é o caminho para reduzir essas discrepâncias existentes entre a União Federal e seus Federados. Uma reforma que extirpasse o clientelismo, a troca de favores e o fisiologismo existente hoje na Federação.

Essa reforma passaria necessariamente por um amplo debate, como é próprio das democracias, colocando em situação paritária as três esferas de governo, eliminando a hegemonia que adquiriu a União Federal nesses anos pós Constituição de 1988.

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