3. A LÓGICA JURÍDICA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
No decorrer de todo o trabalho tratamos da historicidade, dos conceitos e do instituto da imputabilidade numa ótica menorista. Neste capítulo iremos tratar do ponto chave da pesquisa, qual seja a lógica jurídica da redução da maioridade penal e sua possibilidade de aplicação.
No direito brasileiro a maioridade penal se dá aos 18 (dezoito) anos de idade, este parâmetro é encontrado em três fontes legais: a Constituição Federal, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Código Penal.
Para isto, o legislador compreendeu que o menor de dezoito anos não possuía capacidade de discernimento para avaliar as suas ações, ter a noção da ilicitude do fato criminoso era impossível para os menores de 18 (dezoito) anos. Por isso, escolheu-se o critério biológico para estabelecer este parâmetro de cognição.
O grande objetivo da redução da maioridade penal tem se baseado na constante pratica de atos ilícitos pelos menores de idade, onde muitas vezes tais crimes são classificados como hediondos. A mídia tem sido uma grande divulgadora destes acontecimentos, mostrando assim cada vez mais o aumento da preocupação da sociedade.
A grande discussão da redução da maioridade penal tem galgado cada vez mais espaço, as estatísticas nos mostram o crescimento desproporcional da pratica de crimes pelos inimputáveis. Post isso, surge uma gama de posicionamentos acerca da redução ou não da maioridade penal no Brasil.
Analisar os posicionamentos favoráveis e desfavoráveis fará com que a visão sobre o tema se comporte de maneira mais ampla, não é correto estabelecer uma ideia fundamentada baseada em argumentos únicos, é interessante analisar cada posicionamento para melhor alcança uma conclusão racional e objetiva sobre a aceitação ou não desta medida.
Com isso, será no decorrer deste capítulo que iremos destrinchar os posicionamentos doutrinários positivos, negativos, podendo assim entender como funcionara a redução da maioridade penal, se este será um fruto de vitória para a sociedade ou se é apenas uma maneira de eximir a responsabilidade social do Estado.
3.1 Posicionamentos favoráveis e desfavoráveis quanto a redução da maioridade penal
A doutrina que concorda com a não redução da maioridade penal, tem o seu ponto de apoio baseado na grande inclusão de crianças e adolescentes no sistema carcerário brasileiro. Esta medida não solucionaria a problemática criminal, visto que, estes indivíduos em contato como adultos criminosos não teriam ferramentas educacionais suficientes para uma inclusão social. Esta prevenção não possui caráter intimidador, pelo contrário, apenas abriria um leque de aprendizagem negativa em tal ambiente.
É conveniente dizer que, mesmo a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) prevendo vários direitos concedidos aos presos, o sistema prisional brasileiro não possui capacidade estrutural e psicológica capaz de garantir a total eficácia da Lei. Se não conseguem recuperar os indivíduos adultos que possuem o discernimento psicológico completo, como irão ressocializar um adolescente que estar passando por um desenvolvimento psicológico, podendo a formação da sua personalidade e maturidade passar por diversas influências. Desta forma, ocasionaria um prejuízo capaz de proporcionar um distúrbio emocional negativo, influenciando estes indivíduos a pratica de crimes.
Na mesma linha de raciocínio, Petry (2006, p. 66):
[...] então o Brasil deveria reduzir a idade penal para permitir que adolescentes possam ser presos como qualquer adulto criminoso? A resposta parece óbvia, mas não é. Será que simplesmente despachar um jovem para os depósitos de lixo humano que são as prisões brasileiras resolveria alguma coisa? Ou apenas saciaria o apetite da banda que rosna que o bandido não tem direitos humanos?
Da mesma forma, de acordo com Barros (s.d, s.p):
Mandar jovens, menores de 18 anos para os precários presídios e penitenciárias que misturam presos reincidentes e primários, perigosos ou não, é o mesmo que graduar e pós-graduar estes jovens no mundo do crime. Não podemos tratar o jovem delinquente como uma pessoa irrecuperável e somente querer afastá-lo da sociedade, jogando-o dentro de um presídio como outros criminosos comuns. Os jovens merecem um tratamento diferenciado.
Além da precariedade do sistema carcerário brasileiro, outro argumento que baseia a não redução da maioridade penal é o alistamento de crianças e jovens mais novos na pratica de crimes. Isto proporciona uma maior gama de pequenos infratores, visto que, a violência na maioria das vezes é fruto da fome, miséria, pouca escolaridade, dentre outros fatores que influenciam aos jovens a escolher a criminalidade.
Entre todos os argumentos que se pode utilizar para fundamentar a não redução da maioridade penal, existe um de maior escala, baseado na ideia de que, no Código Penal em seu art. 27, na Constituição Federal em seu art. 228. e o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 104. determinam que ao completar 18 (dezoito) anos o menor se torna imputável. Compreende-se que o art. 228. da CF/88 como um preceito fundamental, sendo assim considerado uma clausula pétrea que não admite nenhuma emenda capaz de mudar o seu texto, conforme o art. 60, §4º, IV da CF/88.
Corroborando com o tema, Daniel Maia (2011, s.p) escreve que:
Tem-se em vista, aqui, o regime especial aplicável aos direitos e garantias individuais, em face do que dispõe o art. 60, § 4º, IV, da Carta Magna, que estabelece a impossibilidade de proposta de emenda tendente a abolir ou restringir direitos e garantias previstas no texto constitucional. Dessa forma, sendo o artigo 228 da Carta Maior brasileira uma cláusula pétrea, resta impossível que referido artigo seja alterado, até mesmo por emenda constitucional, pois não cabe, no atual regime constitucional em que o Brasil está inserido, a alteração constitucional de cláusulas que tenham sido criadas pelo Poder Constituinte Originária para ser imutáveis.
Desta forma para concluir a alteração da maioridade penal, seria necessária a criação de uma nova constituição, de modo que a atual perdesse sua total eficácia, podendo assim ser modificado qualquer dispositivo mediante emenda.
Em outra ótica há doutrinadores que mantém um posicionamento favorável à redução da maioridade penal no Brasil, várias justificativas demonstram estes posicionamentos.
Uma das justificativas se baseia no argumento de que a sociedade passou por diversas modificações, onde a educação e os meios de comunicação se tornaram mais avançados e isto ocasionou um despertamento intelectual precoce. As crianças e os adolescentes se tornavam mais maduras ao contrário dos jovens ingênuos de 50 (cinquenta) anos atrás, quando nesta época foi editado o Código Penal vigente desde 1940.
Atualmente, a tecnologia e as redes sociais estão cada vez mais presentes na vida dos jovens brasileiros; estas ferramentas facilitaram a busca de informação, onde a ingenuidade está cada dia mais perdendo o seu espaço na vida dos jovens. Estas tecnologias ajudam a despertar bons e maus sentimentos nas crianças e nos adolescentes, ocasionando cada vez mais a exposição destes jovens ao mundo.
Desta forma, se anteriormente o ordenamento jurídico brasileiro compreendia que a capacidade de discernir os atos, concretizava-se aos 18 (dezoito) anos, mas, de modo implícito pode-se também ver essa capacidade aos 16 (dezesseis) anos. O jovem tem que ser visto como pessoa capaz de discernir os atos, ilícitos ou não, ainda mais, ter total consciência das consequências dos atos praticados por ele.
Nos ensinamentos de Reale (1990, p.161) apud Jorge (2002):
Tendo o agente ciência de sua impunidade, está dando justo motivo à imperiosa mudança na idade limite da imputabilidade penal, que deve efetivamente começar aos dezesseis anos, inclusive, devido à precocidade da consciência delitual resultante dos acelerados processos de comunicação que caracterizam nosso tempo.
Então, com a plena noção do errado, os jovens muitas vezes tentam se proteger de forma consciente, atrás da impunidade que os beneficia, ocorrendo assim, a prática desordenada de crimes. Sabendo que não podem ser punidos como os maiores de dezoito anos, não iriam se importar em reiterar tais atos.
Neste pensamento diz Araújo (2003, p. s.p):
A insignificância da punição, certamente, pode trazer consigo o sentimento de que o "o crime compensa", pois leva o indivíduo a raciocinar da seguinte forma: "É mais vantajoso para mim praticar esta conduta criminosa lucrativa, pois, se eu for descoberto, se eu for preso, se eu for processado, se eu for condenado, ainda assim, o máximo que poderei sofrer é uma medida socioeducativa. Logo, vale a pena correr o risco". Trata-se, claro, de criação hipotética, mas não se pode negar que é perfeitamente plausível.
Outra justificativa que fundamenta a redução da maioridade penal seria a capacidade que o legislador encontrou nos jovens quando entendeu que estes poderiam decidir o futuro do país com o voto. Na Constituição Federal no seu art. 14. §1º, II “c”, dar ao adolescente acima de 16 (dezesseis) e menor de 18 (dezoito) nos mostra a capacidade eleitoral destes jovens, esta capacidade possui uma grande responsabilidade e um alto grau de maturidade para exercê-la.
Novamente ensina Reale (1990, p.161):
No Brasil, especialmente, há um outro motivo determinante, que é a extensão do direito ao voto, embora facultativo aos menores entre dezesseis e dezoito anos, como decidiu a Assembleia Nacional Constituinte para gáudio de ilustre senador que sempre cultiva o seu ‘progressismo’... Aliás, não se compreende que possa exercer o direito de voto quem, nos termos da lei vigente, não seria imputável pela prática de direito eleitoral.
Diante disto, podemos ver que, a Constituição Federal do Brasil estabelece a imputabilidade aos dezoito anos, más, a maioridade eleitoral foi estabelecida aos dezesseis.
Então, concluímos que o adolescente possui apenas a capacidade para decidir o destino do país e não a capacidade de se responsabilizar pelos atos ilícitos praticados. O sistema eleitoral é muito mais complexo e incontestável, para esta corrente deveria haver sim a redução da maioridade penal, se o jovem pode votar e decidir o destino do país, ele pode também responder pelos seus atos.
Os argumentos apresentados demostram a frequência que o assunto maioridade penal possui, independente de posicionamento, o fato é que o Brasil estar passando por um alto grau de marginalização e criminalidade, ficando assim essa pauta em alta no congresso e na sociedade.
3.2 Políticas sociais e redução de maioridade penal
No correr de todo o trabalho foram demonstrados todos os degraus percorridos para a discussão redução da maioridade penal no Brasil, as muitas verdades e utopias quanto a uma medida tão discutida no congresso nacional. As posições favoráveis e desfavoráveis fizeram com que esclarecesse a dimensão que é esse problema social tão preocupante.
O Estado é o ente que possui a maior responsabilidade de resolver este problema, visto que, não apenas o governo estar preocupado, mas todos os cidadãos que sofrem com o aumento da criminalidade realizada por jovens marginalizados.
Com isso cabe a criação de políticas sócias capazes de promover a reciclagem dos jovens, e o resgate daqueles que ainda estão passíveis de ser influenciados pela criminalidade. Não há como reduzir um caos social apenas com discurso categórico, mas, precisamos de ações governamentais.
Para Raquel Gentilli (2007, p. 77-78) política social é um termo associada a uma:
expressão tradicionalmente consagrada como referente a ações governamentais dos Estados modernos tendo em vista atenderem a 84 reduções das consequências da pobreza em diversas áreas de serviços, como educação, saúde, habitação, previdência etc. Essas visam equacionar, em alguns casos, ou minimizar, em outros.
Vemos que esta ação governamental possui cunho de amenizar a marginalização, diminuir a entrada de mais jovens na criminalidade. Não se pode pensar em pôr os menores de 18 (dezoito) anos em um sistema prisional que é incapaz de recebê-los, visto que, a estrutura não suporta tamanha lotação.
As formações sociais normalmente se constituem por duas forças, a primeira força é a força econômica, a segunda cultural, sendo que esta é ratificada pela primeira. É visualmente notório que a grande maioria dos jovens que se envolve na prática de delitos estão em uma classe social baixa, as condições precárias de moradia, a falta de instrução, leva com que jovens periféricos não busquem alternativa na educação e ingressem no mundo do crime.
A quem defenda a não concretização desta medida, pelo fato dos jovens se encontrarem marginalizados a mercê da naturalidade da vida, vivendo em condições capazes de influenciar na concretização das condutas criminosas, para Mirabete (2012, p. 217):
Redução da maioridade penal não é a solução para os problemas derivados da criminalidade infantil, visto que o cerne do problema da criminalidade se reduz em decorrência das condições socialmente degradantes e economicamente opressivas que expões enorme contingente de crianças e adolescentes, em nosso país, à situação de injusta marginalidade social.
Nesta ótica deve o Estado promover a execução dos direitos fundamentais, intrinsicamente os direitos sociais garantidos pela constituição federal, promover programas de resgate aos jovens visando à ocupação das crianças e adolescentes que moram nas periferias das grandes metrópoles.
Contudo não será camuflando o problema que a solução chegará, a redução da maioridade penal não diminuirá a criminalidade no âmbito infantil, apenas viabilizará um desequilíbrio capaz de desestabilizar mais ainda o governo. Há diversos países que tomaram por medida esta questão e não lograram êxito.
São políticas sociais educativas que possuem força suficiente para reeducar os adolescentes infratores, com a permanência da maximização do sistema penal não solucionará o problema, deve-se maximizar o sistema social, é preciso cuidar da causa e não apenas do efeito.
A redução da maioridade penal nem resolve e não ameniza, conforme Bocato (2013, s.p):
Toda teoria científica estáa demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios de segurança para a população, asseverou Marcos Vinícius Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno na maioridade penal só desvia das verdadeiras causas da violência.
Vale mencionar o posicionamento de Nicknich (2010, p.176), em seu livro ato infracional e poder judiciário, que diz:
Dentre todos os ramos do Direito, o que mais necessita da vigilância dos estudiosos da Ciência Jurídica e dos operadores seja o Direito da Criança e do adolescente, uma vez que os titulares dos bens jurídicos normalmente não possuem a capacidade de defender seus direitos e opiniões, necessitando sempre de alguém que o faça por eles.
Por fim entende-se que não é cobrindo o problema que se resolve, é necessário se utilizar de ferramentas capazes de solucionar o núcleo da causa, ou seja, não será apenas responsabilizando o menor de dezoito anos que irá diminuir a pratica de crimes. A criminalidade é algo intimamente ligado à educação, é proporcionando uma educação adequado que se consegue resgatar tantos jovens declinados para esta prática ilícita, reduzir a idade penal não modificará a forma de pensar dos agentes infratores apenas os colocará em um meio que ineficaz de ressocialização que nunca foi capaz de cumprir com seus objetivos.