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Lei nº 13.142/15: Aplicabilidade e as omissões legislativas.

O presente trabalho busca analisar as principais alterações e inovações trazidas pela Lei 13.142/15, bem como a sua aplicação. Além disso, traz uma critica quanto a sua real efetividade na redução dos crimes praticados contra os agentes de segurança.

RESUMO

 

Com o aumento crescente da violência, surge um grande problema para o Estado, a violência contra os seus agentes de segurança. Esse fato trouxe uma novacio legis, visando coibir a pratica de alguns ilícitos penais contra tais servidores. Nesse sentido, diante de várias mortes de agentes em serviço ou em decorrência deste, foi promulgada a Lei nº 13.142/15, instituindo novas qualificadoras e definindo a hediondez em crimes quando o sujeito passivo for um agente de segurança do Estado bem como seus familiares. O presente trabalho busca analisar as principais alterações e inovações trazidas pela Lei 13.142/15. Para tal, realizou-se uma pesquisa qualitativa, mediante estudo em doutrinas, artigos periódicos, publicações em sites especializados e as legislações pertinentes à matéria.

           

 

Palavras-chave: Homicídio. Agentes de segurança. Hediondez. Lei nº 13.142/2015.

 

 

ABSTRACT

 

With the increasing violence, there is a big problem for the state, violence against its security officers. This fact brought a legis novacio, aimed at curbing the practice of some criminal offenses against such servers. In this sense, in front of several deaths of officers on duty or as a result of this, it was enacted Law No. 13,142 / 15, establishing new qualifying and setting the hideousness in crimes where the taxpayer is a State security officers and their families. This study seeks to analyze the main changes and innovations introduced by Law 13,142 / 15. For this, a qualitative research was conducted by study doctrines, journal articles, publications on specialized sites and relevant laws to matter.

 

 

Keywords: Murder. Security Agents. Hideousness. Law No. 13.142 /2015.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Diante do crescente e notório aumento da violência praticada contra os agentes de segurança do Estado, no exercício da função ou em razão desta, foi criado o Projeto de Lei Complementar 19/2015 tendo como autor o Deputado Federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ). Após ser aprovada, a novel lei foi promulgada em 06 de junho de 2015 como a lei 13.142/2015 originando algumas alterações no ordenamento penal jurídico brasileiro.

A mencionada lei possui como finalidade agravar a punição dos crimes de homicídio e lesão corporal quando estes forem praticados contra os integrantes das Forças Armadas e das forças de segurança às quais estão previstas nos art. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional ou da Força Nacional de Segurança Pública, seus cônjuges, companheiros e parentes de até terceiro grau, por motivo de profissão. Para melhor entendimento, mister destacar os artigos mais relevantes da supracitada lei, in verbis:

 

Art. 121 [...] § 2º [...]

VII - contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição[...] (BRASIL, 2015).

 

A lei 13.142/2015 ainda altera o artigo 129 do Código Penal:

 

Art. 2º- O art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte § 12:

Art. 129 [...]

§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços(BRASIL, 2015).

 

A lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos), também sofreu alterações oriundas da lei 13.142/2015:

 

Art. 3º O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos), passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 1º[...], I - homicídio [...], quando praticado [...], ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado [...];

I- A - lesão corporal dolosa de natureza gravíssima [...] e lesão corporal seguida de morte [...], quando praticadas contra autoridade ou agente [...], integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição(BRASIL, 2015).

 

Ao analisarmos o assunto em nível mundial verifica-se um aumento histórico na taxa de mortalidade desses agentes. Nesse sentido, a Alemanha tem a taxa de mortalidade em 1,2 agentes para cada 100 mil, ou seja, a cada 100 mil policiais um morre em decorrência do serviço ou em função dele. Já nos Estados Unidos esse número é um pouco maior, temos entre 2007 e 2013, uma taxa de 4,7 agentes para cada 100 mil. O FBI divulgou que houve um aumento de 89% de mortes no ano de 2014 em relação a 2013, sendo que 51 policiais foram mortos em 2014 contra 27 em 2013 (PRESSE, 2015).

Deste modo, pode-se notar que o aumento da violência praticada contra esses agentes não é fato exclusivo no Brasil, mas também no mundo.

De outro modo, no Brasil, os índices estão muito além dos trazidos pelos países como Alemanha e EUA, o número de policiais mortos chega a 198 para cada 100 mil habitantes, no Estado do Rio de Janeiro em 2014, sendo que até outubro de 2015 já haviam sido mortos 408 policiais civis e militares, onde a época, já superava as mortes em todo o ano de 2013 que foram de 398, conforme estudo realizado pelo Senado Federal em 2015. (CASTRO, 2015).

Em um estudo feito pela Folha de São Paulo (2012), citado por Leão (2012) ficou demonstrado que a cada trinta e duas horas um policial é morto no Brasil. O mesmo levantamento mostrou que São Paulo, o estado que detém o maior efetivo policial do país, cerca de 31% do total, registrou 98 policiais mortos, naquele ano.

No Estado do Paraná, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2013), citado por Ribeiro (2013), os registros também tiveram aumento. Entre 2011 e 2013 houve um crescimento de 110% no número de agente públicos mortos em confronto com criminosos, de acordo com dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Já no Estado da Bahia, ainda segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2013), citado por Bittar (2015), os índices aumentaram em 123% em 2014 em comparação ao ano anterior.

Essas informações são alarmantes e demonstram, que entre outras, o nosso país tem um conceito de polícia voltado que quase por exclusividade para a atuação repreensiva, em detrimento da preventiva, e diante da indispensabilidade do combate, que os deixam cada vez mais vulneráveis a violência.

Segundo o Presidente da Associação Nacional dos Praças (Anaspra), Cabo ElisandroLotin de Souza (2015), citado por Castro (2015):

 

Nós temos no Brasil hoje um número seis vezes maior de mortes de policiais do que nos Estados Unidos, que comumente é utilizado como exemplo. Nós vivemos no Brasil hoje uma guerra civil não declarada em que tanto a população jovem e negra é vítima como os policiais são vítimas. É o sem camisa matando o descamisado. Isso acontece por vários fatores. E o primeiro deles é entender que a sociedade brasileira é uma sociedade violenta.

 

Ainda segundo Souza (2015), nos cinco últimos anos, mais de três mil policiais foram mortos no país, em trabalho ou em horário de folga. Para ele, o modelo de segurança pública brasileiro é arcaico, retrógrado e obsoleto. De acordo com o militar, a lógica e as normas da segurança pública brasileira ainda são as mesmas da época da ditadura militar. Os policiais militares são formados para serem inimigos da sociedade:

 

A sociedade também é violenta, os números dizem isso. Inclusive saiu uma reportagem em um grande jornal de circulação nacional mostrando que 50% da sociedade diz que bandido bom é bandido morto. Então, o policial não está alheio a todo esse debate. Ele não é um ser descolado dessa realidade, ele é um ser que vive em sociedade, e a partir da sociedade ele reflete um pouco dessa violência que está hoje na sociedade brasileira. Morrem policiais todos os dias por várias situações, que vão desde jornada de trabalho, desde falta de equipamento à falta de um treinamento mais adequado para enfrentar essa criminalidade violenta.

 

Não obstante, as forças do Estado ainda sofrem com outras mazelas. A falta de investimento e o mal estado de conservação da estrutura material deixam a vida do policial ainda mais exposta. Não é raro ver ações policiais onde os indivíduos infratores estão com armamento igual ou com poder de lesividade maior do que o dos polícias.

Segundo Crepaldi (2015), citado por Bittar (2015), a situação dos agentes em serviço merece atenção.

 

Os agentes públicos são extremamente vulneráveis, basta ver a quantidade que são mortos no RJ e SP. Os grupos de elite das polícias no Brasil são muito bem treinados, mas quando olhamos para os demais, a situação é outra. Muitos deles são colocados nas ruas com uma arma na mão, sem dominar minimamente as técnicas de abordagem do público, sem preparação psicológica e outras coisas mais.

 

Nesse viés, diante do exposto, o presente estudo pretende abordar quais as alterações, inovações e omissões jurídicas trazidas pela Lei 13.142/2015, e como, efetivamente e projetivamente, ela poderá resguardar os agentes de segurança, alterando o cenário atual exposto.

 
CONTEXTO DA VIOLÊNCIA CONTRA AGENTES NO SURGIMENTO DA LEI 13.142/2015

 

O contexto do surgimento da lei 13.142/2015 sugere um histórico agudo e recorrente de violência contra agentes de segurança pública.

Em um levantamento feito pela Folha de São Paulo em 2012 mostrou que a cada 32 horas um policial é morto no Brasil. A mesma pesquisa apontou que São Paulo, o estado que concentra 31% do efetivo do país, registrou 98 policiais mortos, naquele ano. Dados contabilizados pelo Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol) relatam que, em 2014, foram 114 policiais mortos somente no Rio de Janeiro, sendo que a maioria perdeu a vida fora do exercício da profissão (Bittar, 2015).

Segundo dados da BBC Brasil, relativos ao ano de 2013, para cada 04 cidadãos mortos pela polícia, um policial perdeu a vida (Puff,Kawaguti, 2014).

Ainda segundo a pesquisa, nos 22 Estados brasileiros que forneceram os dados, no referido ano, ocorreram 316 baixas nos quadros das polícias civil e militar, sendo que a cada mês, aproximadamente 26 policiais foram assassinados nesses Estados.

Outro dado relevante demonstrado na pesquisa realizada pela BBC Brasil é que a maioria (57%) dos assassinatos contra policiais ocorreu em período de folga.

Segundo Antônio Carlos do Amaral Duca, vice-presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo, citado por Puff e Kawaguti (2014), o período mais vulnerável para o policial militar é durante as folgas: “Os criminosos não costumam reagir contra um policial fardado porque um ou dois policiais podem (pedir reforço) e se transformar em cem em questão de minutos. Ou seja, durante o serviço ele conta com todo um aparato policial”.

Além da inexistência de rigor punitivo, outro fator histórico que reforça a recorrência da violência contra agentes de segurança pública, segundo Bittar (2015), é a falta de equipamentos de defesa modernos e em bom estado.

Segundo Ignacio Cano, citado por Puff e Kawaguti (2014):“Os altos números tanto de mortes causadas pela polícia quanto de baixas de agentes são dados que preocupam por poderem configurar "um presságio" de maiores níveis de violência geral num futuro imediato”.

 

INOVAÇÃO JURIDICA: HOMICÍDIO E A LESÃO CORPORAL CONTRA AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO CRIME HEDIONDO

                              

Uma das mais importantes inovações trazidas pela lei 13.142/15, reside na tentativa do legislador em diminuir o índice histórico gradativo de violência contra agentes de segurança pública, ampliando a pena do réu. Com esse fim, a referida lei introduz uma importante mudança nos critérios para caracterização de um crime como hediondo, quando inclui entre esses, os crimes de lesão corporal contra os agentes de segurança pública.

Segundo Souza e Silva (2009, p.130) citados por Rosa (2015):

 

[...] a população brasileira considera hediondo o crime que é cometido de forma brutal, horrível, repugnante e causa indignação as pessoas, o que acaba por revelar o significado qualitativo do crime definido pelo legislador constituinte. Pode-se então chamar de hediondas todas as condutas delituosas de excepcional gravidade, seja quanto a sua execução, seja quanto a natureza do bem jurídico ofendido, bem como, a especial condição da vítima que causam reprovação e repulsão.

 

Portanto, o termo “hediondo” é usado para classificar crimes cometidos de forma cruel, considerando o viés social.

 

Lesão corporal gravíssima e homicídio

 

Nesse contexto, conforme dito anteriormente, a lei 13.142/15 inclui os crimes de homicídio, lesão corporal dolosa de natureza gravíssima e lesão corporal seguida de morte contra o agente de segurança pública, entre o conjunto de crimes que são considerados hediondos, provocando uma importante mudança na lei 8.072, de 25 de julho de 1990, lei essa que dispõe sobre os crimes hediondos.

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Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes[...]:

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015);[...]; (BRASIL,1990, grifo nosso)

                       

Greco (2011, p. 29), define os critérios de ação e conduta para a caracterização de um crime:

 

Compreende qualquer comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser ainda dolosa (quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou culposa (quando o agente infringe seu dever de cuidado, atuando com negligencia, imprudência ou imperícia).

 

Desse modo, as ações objetivas e diretas, bem como a simples omissão diante do fato, são consideradas, considerando a visão do autor, quando por decorrência lesão corporal ou o homicídio, são consideradas lesão corporal e homicídio. Isso implica que a conivência e omissão de terceiros em relação ao crime de lesão corporal e de lesão corporal seguida de morte, quando da compreensão da lei 13.142/15, é critério para a qualificadora.

Ainda, considerando o exposto pelo autor, não é necessário e, portanto, exclusivo, o dolo para a configuração da lesão corporal. Ou seja, a simples negligencia, imprudência ou imperícia, quando por consequência a lesão corporal, são caracterizadores do respectivo crime. Entretanto, considerando o texto da lei 13.142/15, a culpa desqualifica a sua inclusão no escopo da mesma, quando no seu texto exige a motivação do crime de lesão corporal pelo exercício das funções ou em decorrência dele, para a caracterização da hediondez.

 

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes[...]:

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015); [...]; (BRASIL, 1990, grifo nosso)

 

Bittencourt (2012, p. 186), define lesão corporal:

                                                                             

Lesão corporal consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou à saúde de outrem. Ela abrange qualquer ofensa à normalidade funcional do organismo humano tanto do ponto de vista anatômico quanto do fisiológico ou psíquico. Na verdade, é impossível uma perturbação mental sem um dano à saúde, ou um dano à saúde sem uma ofensa corpórea. O objeto da proteção legal é a integridade física e a saúde do ser humano.

 

O Art.129 do Código Penal elucida qualifica as espécies de lesão corporalpelas consequências por ela causada. A lei 13.142/15, em seu Art. 3º, quando discorre sobre a alteração na Lei 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos),compreende duas espécies de lesão corporal como critério para a qualificadora:

 

Art. 3o O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos), passa a vigorar com a seguinte redação:

        “Art. 1o .......................................................................... [...]

        I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; (BRASIL, 2015, grifo nosso)

 

O CP, em seu Artigo 129, no §2º,trata de maneira objetiva a lesão corporal de natureza gravíssima:

 

        § 2° Se resulta:

        I - Incapacidade permanente para o trabalho;

        II - enfermidade incuravel;

        III perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

        IV - deformidade permanente;

        V - aborto:                

        Pena - reclusão, de dois a oito anos.

 

Outro crime a que faz alusão a lei 13.142/15, além da lesão corporal gravíssima, é o homicídio contra os agentes de segurança. Capez (2012), conceitua homicídio:

 

Homicídio é a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. O homicídio é o crime por excelência. “Como dizia Impallomeni, todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o bem vida. O homicídio tem a primazia entre os crimes mais graves, pois é o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurança geral, sabendo-se que todos os bens públicos e privados, todas as instituições se fundam sobre o respeito à existência dos indivíduos que compõem o agregado social”.

 

Segundo Hungria (1980, p. 188), por diversas razões, homicídio doloso é a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada.

 

Extensão a parentes

 

A lei 13.142/15 não considera como crime hediondo a lesão corporal gravíssima e o homicídio configurados, segundo o seu texto,somente quando praticada contra o agente de segurança. Considera também hediondo quando cometido contra o cônjuge, companheiro e parente consanguíneo até terceiro grau, quando em razão das atividades praticadas pelo agente de segurança em serviço. (BRASIL, 2015)

Com essa nova tipificação, a pena do infrator do crime é aumentada substancialmente. A lei 13.142/15 ainda faz menção ao agravamento da pena do criminoso, aumentando-a de um a dois terços.

 

§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços. (BRASIL, 2015)

 

Controvérsias e discussões da inovação

 

Outra celeuma em relação à configuração dos crimes em epígrafe gira em torno da lei 13.142/15 possivelmente violar o Princípio da Igualdade. Cabette (2015, p.1), defende:

 

[...] Não se trata e nem poderia, sob pena de violação do Princípio da Igualdade na proteção do bem jurídico,da vida humana, qualificar um homicídio e torná-lo hediondo somente pelo fato de que a vítima ocupa uma determinada função pública, ainda que ligada à segurança nacional ou pública. Não há justificativa para uma discriminação nesses casos. Uma vida humana não pode ter valor diferenciado de acordo com o cargo ou posição social do indivíduo.

 

Embora faça menção ao fato de que a vítima ocupe o cargo de agente de segurança pública, a referida lei não trata como hediondo o crime contra agente de segurança pública somente por esse fato. É critério para caracterização da hediondez o crime ser cometido contra o agente quando em razão ou exercício das suas funções. Isso quer dizer que o autor do crime deverá considerar o exercício das funções como fator motivador para a prática do crime contra o agente, companheiro ou consanguíneo de terceiro grau, não sendo, portanto, somente o cargo ocupado pela vítima como o fator de configuração de hediondez.

Nesse contexto, considerando o requisito da subjetividade do criminoso quando da motivação do crime pelo exercício das funções do agente, há para alguns doutrinadores, a tese de que a referida lei não traz inovação alguma ao caracterizar o crime contra os agentes de segurança pública como hediondo, visto que esse já poderia ser considerado anteriormente como de “motivo torpe “ou “para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime” pelo Código Penal.

Uma vez que as qualificadoras acima dão ao julgado um agravamento na pena, questiona-se qual a grande inovação prática trazida com a caracterização do crime de lesão corporal contra agentes de segurança pública como hediondo. Segundo Cabette (2015, p.2):

 

[...] não se trata de novidade alguma. Um crime que tal sempre foi qualificado na legislação penal brasileira ou por “motivo torpe” (artigo 121, § 2º., I, CP) [...]

Antes do advento da Lei [...], imagine-se que um sujeito matasse um policial por vingança devido à sua prisão [...]. Comprovado esse elemento [...], estaria configurada a qualificadora do “motivo torpe”. Ou então, [...] num confronto com forças estatais, um infrator matasse um policial [...], por exemplo, para conseguir passar pela fronteira com contrabando. Ora, estaria configurada a qualificadora do homicídio perpetrado para assegurar a execução de outro crime, no caso, o contrabando. 

 

Cabette (2015, p.2) conclui classificando a mudança como pouco útil:

 

Por derradeiro, imagine-se que alguém matasse um parente próximo, cônjuge ou companheiro de agente público por vingança ou represália à sua atuação funcional. Estaria novamente claro e evidente o “motivo torpe” do homicídio. Os exemplos poderiam seguir “ad infinitum”. E nem se diga que antes não havia a menção expressa da “proteção legal” aos agentes das forças armadas e de segurança pública, porque este é apenas um elemento objetivo do tipo que de nada serve sem a motivação subjetiva da conduta. Ou seja, para essa mudança vale a frase cômica popular: “nada, nada, é nada mesmo”!

 

Ainda, considerando que o objetivo do legislador ao tornar o referido crime como hediondo foi o de diminuir a sua frequência através da diminuição do custo-benefício, a diminuição da crença de que compensa cometer o ato, a lei 13.142/15 não conteria em si todos os aspectos necessários para isso. De acordo com a Teoria da Oportunidade Social, referenciada por Cohen (1979, p. 588), citado por Carvalho (2011, p. 2):

 

Esta teoria busca explicar a evolução das taxas de criminalidade, não por meio das características dos criminosos, mas a partir das [...] circunstâncias em que o crime ocorre. Essa abordagem enumera três elementos essenciais para que o crime ocorra: primeiro, a existência de um delinquente motivado; depois, a existência de um alvo disponível; e, por fim, a verificação da falta de vigilância capaz de prevenir o crime. Apresenta, ainda, como o dia-a-dia reúne esses três elementos no espaço e no tempo, formando o chamado triângulo da teoria social do crime [...]”.

 

Assim, considerando o Triângulo da Teoria Social do Crime, embora a lei 13.142/15 diminua potencialmente a motivação do criminoso a cometer o ato, o simples agravamento da pena isoladamente não é fator de diminuição da reiteração da prática de determinado crime. Há que se considerar os outros dois fatores motivadores: (1) o alvo disponível e (2) a falta de vigilância capaz de prevenir o crime.

Ações corporativas e estratégicas, tais como: treinamento sistemático dos agentes, aumento do moral e motivação dos agentes, melhoria do material e equipamentos auxiliadores do cumprimento do serviço, aumento do efetivo, dentre outros fatores de mesma natureza auxiliam o agente de segurança na vigilância capaz de prevenir o crime. Por outro lado, uma conscientização sistemática e profunda em relação apassivado crime, nesse caso, o próprio agente de segurança pública, em relação aos “pontos de alvo dos criminosos”, doutrinando-a para que não seja “alvo fácil”, auxiliam na indisponibilidade do alvo para o criminoso. Esse binômio, somado a referida lei, trariam o objetivo do legislador com mais efetividade.

 

COMPREENSÃO DA LEI

           

A lei 13.142/2015 possui, no seu texto, fatores que omitem itens importantes, no que diz respeito a quem a lei compreende, qual é o seu escopo de aplicação e, portanto, objetos de controvérsias e subjetividade.

 

Guardas Municipais

 

Um dos aspectos mais polêmicos e percebidos é a ausência da menção direta aos guardas municipais no texto da lei 13.142/2015.

A lei, ao acrescentar o inciso VII ao § 2º do artigo 121 do Código Penal, elucida as autoridades ou agentes que serão compreendidos pela lei, para a caracterização da qualificadora:

 

Art. 121. Matar alguém: [...]

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido: [...]

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.(BRASIL, 1940, grifo nosso).

 

O artigo 142 da Constituição Federal é taxativo quando define as Forças Armadas, fazendo menção à Marinha, Exército e Aeronáutica:

 

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (BRASIL, 1988, grifo nosso)

 

O artigo 144 da Constituição também é pragmático quando define o os órgãos que possuem exercício da Segurança Pública, definindo a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis, as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares:

 

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

        I -  polícia federal;

        II -  polícia rodoviária federal;

        III -  polícia ferroviária federal;

        IV -  polícias civis;

        V -  polícias militares e corpos de bombeiros militares.(BRASIL, 1988)

 

Outrossim, no texto do Artigo 142 e caput do Artigo 144 da Constituição Federal, a compreensão da lei 13.142/2015se estende somente aos agentes de segurança pertencentes à Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Milites e Corpos de Bombeiros Militares; desconsiderando os guardas municipais.

Apesar de não ser mencionado no texto da lei 13.142/2015 e, portanto, ser objeto de controvérsias, uma interpretação literal ou teleológica da lei, permite a aplicação da qualificadora do inciso VII do § 2º do art. 121 do Código Penal em situações de lesão corporal grave e homicídios, em decorrência do exercício das funções, envolvendo guardas municipais. Isso porque o legislador não restringiu a aplicação da qualificadora ao caput do art. 144 da Constituição Federal de 1988. (DIZER DIREITO, 2015).

O § 8º, do artigo 144, constitui e qualifica o exercício da função de guarda municipal entre o rol de agentes de segurança pública:

 

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.(BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, grifo nosso)

 

Segundo artigo publicado pelo Portal Dizer Direito, “Comentários sobre a Lei 13.142/2015, que trata sobre a lesão corporal e o homicídio praticados contra integrantes dos órgãos de segurança pública ou seus familiares”, os guardas municipais não são desconsiderados pela lei 13.142/2015:

 

Desse modo, a interpretação literal do inciso VII do § 2º do art. 121 do CP não exclui a sua incidência no caso de guardas municipais. Vale aqui aplicar o vetusto brocardo jurídico “ubi lex non distinguir nec nos distinguere debemus”, ou seja, “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”.(DIZER DIREITO, 2015)

 

O mesmo artigo ainda defende que essa interpretação não se trata de interpretação extensiva ou ampliativa contra o réu:

 

Ressalte-se que não se trata de interpretação extensiva ou ampliativa contra o réu. A lei fala no art. 144 da CF/88, sem qualquer restrição ou condicionante. O art. 144 é composto não apenas pelo caput, mas também por parágrafos. Ao se analisar todo o artigo para cumprir a remissão feita pela lei (e não apenas o caput) não se está ampliando nada, mas apenas dando estreita obediência à vontade do legislador. (DIZER DIREITO, 2015)

 

Do ponto de vista teleológico, ainda segundo o artigo publicado pelo Portal Dizer Direito, há elementos que corroboram à essa interpretação:

 

O objetivo do legislador foi o de proteger os servidores públicos que desempenham atividades de segurança pública e que, por estarem nessa condição, encontram-se mais expostos a riscos do que as demais pessoas. Os guardas municipais, por força de lei que deu concretude ao § 8º do art. 144 da CF/88, estão também incumbidos de inúmeras atividades relacionadas com a segurança pública. Refiro-me à Lei n.° 13.022/2014 (Estatuto das Guardas Municipais), que prevê, dentre as competências dos guardas municipais, a sua atuação em prol da segurança pública das cidades (arts. 3º e 4º da Lei). (DIZER DIREITO, 2015)

                

Ainda, corroborando com o entendimento, Cunha (2015) defende que o § 8º do art. 144 da Constituição Federal deve ser incluído na qualificadora da lei 13.142/2015:

 

Abrange os guardas civis (municipais ou metropolitanos)?

Entendo que sim. Percebam que os arts. 121, § 2o., VII e 129, § 12, se referem a crimes praticados contra autoridades ou agentes descritos nos arts. 142 e 144. O art. 144, mais precisamente no seu § 8o, descreve os guardas como atores de segurança pública, anunciando competir aos Municípios o poder de constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

 

Integrantes do sistema prisional

 

O principal fator gerador de controvérsias na lei 13.142/2015, no que diz respeito aos integrantes do sistema prisional, trata-se da abrangência dos integrantes, se é restrita aos agentes presentes no dia-a-dia, nas rotinas da execução penal (agente penitenciário, diretor penitenciário, guardar, dentre outros).

Do ponto de vista de Cunha (2015), todas as etapas da execução devem ser compreendidas pela lei:

 

Estão abrangidos, nessa categoria, não apenas os agentes presentes no dia a dia da execução penal (diretor da penitenciária, agentes penitenciários, guardas, etc), mas também aqueles que atuam em certas etapas da execução (comissão técnica de classificação, comissão de exame criminológico, conselho penitenciário etc).

 

O autor ainda justifica a interpretação acima:

 

E não poderia ser diferente. Imaginemos um egresso, revoltado com os vários exames criminológicos que o impediram de conquistar prematura liberdade, buscando vingar-se daqueles que subscreveram o exame, contra eles pratica homicídio. Parece evidente que o crime de homicídio, além de outras qualificadoras (como a do inc. II), será também qualificado pelo inc. VII. (CUNHA, 2015)

 

Familiares dos agentes

 

Em seu artigo 1º, a lei 13.142/2015 define o grau de parentesco e o requisito de consanguinidade para a aplicação da qualificadora aos parentes dos agentes, quando nos casos de lesão corporal e homicídio praticado por motivo de exercício das funções:

 

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes[...]:

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015);[...]; (BRASIL, 1990, grifo nosso).

 

São considerados parentes de até 3º grau os ascendentes (pais, avós, bisavós), descendentes (filho, netos, bisnetos) e colaterais até o 3º grau (irmãos, tios e sobrinhos). (DIZER DIREITO, 2015)

No que diz respeito a “cônjuge” e “companheiro’, a lei 13.142/2015 abrange relacionamentos afetivos e homoafetivos, não fazendo distinção (DIZER DIREITO, 2015).

No entendimento de Barros (2015), os parentes por afinidades não são compreendidos pela lei 13.142/2015:

 

A lei foi bem clara ao estabelecer como agente passivo o “parente consanguíneo até terceiro grau”, assim não podendo fazer uma analogia in malam partem, a qualificadora do artigo 121, § 2º, VII, do Código Penal não será aplicada quando a vítima for parente por afinidade (Sogro, sogra, genro e nora (1º grau), padrasto, madrasta e enteados (1º grau), cunhados (2º grau).

 

Utilizando o mesmo argumento, Barros (2015) ainda defende a não extensão da qualificadora aos crimes de lesão grave e homicídio sem relação de parentesco sócio-afetivo:

 

O parentesco sócio-afetivo surge da aparência social deste parentesco, da convivência familiar duradoura. É, por exemplo, o pai que tem por filha determinada pessoa e em um momento de sua vida toma conhecimento de que não é pai biológico dela. Esta pessoa sempre recebeu os afetos e atenções de filha. Social e espiritualmente este pai a concebeu como filha. É também o caso dos chamados “pais de criação”, que assumem a paternidade de criança que sabem não serem pais, mas a tratam como se filha fosse.

Como a mesma fundamentação anterior, entendemos que o parentesco sócio-afetivo não incide a qualificadora do artigo 121, § 2º, VII, do Código Penal.

 

No tocante a referida lei, reside nesta parte a maior infelicidade do legislador. É sabido que todos temos alguma relação sócio-afetiva, que muitas vezes pode ter um vinculo maior do que o próprio laço consanguíneo, neste ínterim, ao atingir alguém que se enquadre nesta relação pode trazer consequências tão danosas quando a um parente sanguíneo. Entendo que essa relação sócio-afetiva deveria ter sido prevista na lei, deixando para o magistrado, no processo e no caso prático, avaliar a subjetividade do animus do agente delituoso, interpretando se ele queria ou não atingir o agente de segurança com a prática do ato.

 

Filhos adotivos

 

Um dos itens de maior polêmica na interpretação do texto da lei 13.142/2015 se encontra na abrangência aos filhos adotivos como fator de caracterização da qualificadora. Sob essa ótica, há duas interpretações: (1) a lei compreende filhos adotivos e (2) a lei não compreende filhos adotivos.

O Portal Dizer Direito (2015) defende a não extensão da lei aos filhos adotivos, sob o argumento de que a lei restringe ao critério de consanguinidade, quando remete à parentes, para a caracterização da qualificadora:

 

[...]penso que não[se aplica].

[...]a adoção gera uma espécie de parentesco civil entre adotando e adotado. O filho adotivo possui parentesco civil com seu pai adotivo.

O legislador, [...]cometeu um grave equívoco ao restringir a proteção do dispositivo às vítimas que sejam parentes consanguíneas da autoridade ou agente de segurança pública, falhando, principalmente, por deixar de fora o parentesco civil.

 

Continua defendendo a não caracterização da qualificadora aos filhos adotivos, ao hipotetizar um “texto mais adequado” da lei:

 

Tivesse o legislador utilizado apenas a expressão “parente”, sem qualquer outra designação, poderíamos incluir todas as modalidades de parentesco. Ocorre que ele, abraçando a classificação acima explicada, escolheu proteger apenas os parentes consanguíneos. (DIZER DIREITO, 2015)

 

Contra esse argumento, considerando a extensão da lei aos filhos adotivos dos agentes para a caracterização da qualificadora, há a tese de que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, no §6º, não faz e não permite a distinção entre filhos havidos ou não da relação de casamento e filho adotivos:

                                                        

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.(BRASIL, 1988)

 

Corroborando a esse entendimento, Barros (2015) utilizado referido parágrafo para fundamentar a tese de que a lei deve compreender os filhos adotivos:

 

Portanto, se o mandamento constitucional preconiza que os filhos adotivos são equiparados aos consanguíneos, a ilação lógica é quem mata, por motivo funcionais, filho adotivo de uma das pessoas elencadas no 121, § 2º, VII, do Código Penal, comete homicídio funcional.

Não estamos fazendo uso da analogia in malam partem, pois não existe lacuna a ser preenchida e a norma constitucional não permite fazer nenhuma discriminação.

 

Contrapondo a esse argumento, o Portal Dizer Direito (2015) defende a não extensão aos filhos adotivos, por mais que o inciso VII, do 2º§, do artigo 121, incluído no Código Penal pela Lei 13.142/2015, seja inconstitucional:

 

É certo que a CF/88 equipara os filhos adotivos aos filhos consanguíneos, afirmando que não poderá haver tratamento discriminatório entre eles. [...]

Desse modo, a restrição imposta pelo inciso VII é manifestamente inconstitucional. No entanto, mesmo sendo inconstitucional, não é possível “corrigi-la” acrescentando, por via de interpretação, maior punição para homicídios cometidos contra filhos adotivos. Se isso fosse feito, haveria analogia in malam partem, o que é inadmissível no Direito Penal.

                                          

MOTIVAÇÃO DO CRIME PELA FUNÇÃO EXERCIDA PELO AGENTE COMO CRITÉRIO DE CARACTERIZAÇÃO DA QUALIFICADORA

 

A lei 13.142/2015, quando institui a lesão corporal grave e o homicídio contra agentes de segurança e seus parentes compreendidos pela lei, como crime hediondo, alterando a lei de crimes hediondo, é taxativa no que diz respeito ao critério fundamental para a caracterização da qualificadora:

                                                                                       

Art. 1º[...], I - homicídio [...], quando praticado [...], ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado [...];

I- A - lesão corporal dolosa de natureza gravíssima [...] e lesão corporal seguida de morte [...], quando praticadas contra autoridade ou agente [...], integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição (BRASIL, 2015, grifo nosso).

 

Portanto, é critério fundamental para a caracterização da qualificadora a motivação pelo crime ocorrer em função do exercício da função ou em decorrência do exercício da função, quando praticado contra as categorias compreendidas pela referida lei e seus parentes considerados pela mesma. Cunha (2015) elucida:

 

Suponhamos que um policial, no seu dia de folga, encontra-se num bar assistindo a transmissão de uma partida de futebol disputada pelo seu time. Quando vibra com a vitória da sua equipe, um torcedor fanático do time derrotado, sabendo que se trata de um policial, saca uma arma de fogo e contra ele desfere 5 disparos, que causam a morte do policial. Percebam que o homicida matou um policial, agente de segurança, condição esta conhecida do executor. Contudo, no exemplo proposto, o crime não foi cometido estando a vítima em serviço, nem sequer tem nexo com a sua função. Incidirão, no caso, outras qualificadoras (motivo fútil e recurso que dificultou a defesa do ofendido), mas não a do inc. VII.

 

Outrossim, a lesão corporal por motivações diversas, cometida contra o agente e os parentes compreendidos pela lei, por mais que haja ciência do autor ao fato de que a vítima é agente, não configura a hediondez. Portanto, é necessário que a razão seja pelo cumprimento da vítima das suas funções, das responsabilidades confiadas pelo Estado ao mesmo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante do exposto, a lei 13.142/2015 cumpre o objetivo do legislador ao, pelo menos parcialmente, oferecer uma represália à situação criminal vigente contra agentes de segurança, quando caracteriza como hediondez a lesão corporal gravíssima ou seguinte de morte contra os mesmos ou seus parentes compreendidos pela lei, quando em função do exercício das suas funções.

Obviamente, alguns aspectos da referida lei se encontram omissos e, portanto, são objetos de debate e controvérsias, a considerar, principalmente, a extensão de parentesco e suas variantes.

Apesar de parcialmente, ser a longo prazo um colaborador para a diminuição da criminalidade contra agentes, a referida lei não cumpre, em sua singularidade, a função de resolver o problema. Fatores como a melhoria dos sistemas de capacitação dos agentes pelas corporações, melhoria de equipamentos de segurança e aumento do efetivo são alguns dos elementos que, quando somados, podem ser um viés para a resolução do problema. O endurecimento da pena, em si, representa pouco – há que se notar a recorrência de crimes hediondos na sociedade, por mais que assim o sejam às vistas da lei e, portanto, por mais que as penas sejam menos brandas.

É importante, assim, que a lei não seja um fim em si mesmo. No que diz respeito ao papel do Estado como mantenedor da segurança pública e do direito à vida, sendo esse inalienável, à luz do Art. 5º da Constituição Federal, é imprescindível que ações estratégicas, que não somente de cunho legislativo sejam tomadas.

Ora, o zelo pelas instituições que são responsáveis pela manutenção da segurança pública é, portanto, fator crucial para que o Estado consiga cumprir a sua missão de assegurar a vida. Investimento a nível corporativo são, portanto, necessários.

Considerando que as corporações de segurança se fundamentam e cumprem a sua missão, principalmente, através da rotina do agente de segurança, através do dia a dia dele, é de suma relevância que grande parte desses investimentos sejam destinados à sua capacitação, à melhoria do seu ferramental de trabalho e ao aumento da sua remuneração e/ou incremento de programas de participação em resultados.

Outrossim, oferecer a segurança necessária para o desenvolvimento das suas funções deveria ser preocupação primordial do Estado, no que diz respeito ao agente de segurança e os seus parentes. Não basta, mas seria um passo importante. Essa não se conquista somente com leis. As leis possuem um caráter fundamental de remediação, quando da sua aplicação ao julgado, mas não configuram, a longo prazo, desestimulo para a sua prática. O fundamento principal a que isso se baseia é na existência de crimes apesar de toda a legislação.

Portanto, a lei 13.142/15, é um passo importante rumo ao cumprimento da missão primária do Estado: o zelo à vida dos cidadãos. Embora assim o seja, não é e não deve ser considerada um fim, mas apenas um começo.

 

REFERÊNCIAS

 

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GRECO, Rogerio. Código Penal Comentado; 5º ed. Niterói – RJ: Impetus, 2011.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal 2, Parte Especial: dos Crimes Contra a Pessoa; 12º ed. São Paulo – SP: Saraiva, 2012.

 

Capez, Fernando (2012). Curso de Direito Penal, vol. 2 [S.l.: s.n.].

 

HUNGRIA, Nelson Comentários ao Código Penal, 5ª ed.Forense, vol.I,tomo II.

Sobre os autores
Pedro Osvaldo Araujo de Souza

Bacharel em Direito; Militar; Militante do Direito Penal e Penal Militar; Professor de Direito Penal e Penal Militar; Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O presente texto foi elaborado com objetivo de analisar a mencionada Lei, visto o pouco tempo de vigência e duvidas pertinentes quanto a sua aplicação.

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