RESUMO
O presente trabalho objetiva tratar de forma sintética os principais mecanismos de tutelas processuais constitucionais para a garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como se sabe, após a Constituição Federal de 1988, esse direito foi erigido à categoria de direito fundamental intergeracional, passando-se a exigir ações coletivas com o escopo de preservação às gerações presentes e futuras. Nesse desiderato será discorrido a respeito das principais tutelas processuais constitucionais, com os apontamentos pontuais a cada uma delas, o que se baseou em pesquisa bibliográfica na doutrina, jurisprudência e legislação correlata.
Palavras-chave: Meio ambiente. Garantia. Tutela processual coletiva.
Introdução
O trabalho ora apresentado visa traçar um apanhado geral dos instrumentos constitucionais de garantia ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em sua configuração jurídica, os direitos fundamentais de terceira geração – ao qual o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está inserido – correspondem aos denominados interesses ou direitos difusos, cujo traço marcante é a titularidade coletiva, por vezes indefinida e indeterminável.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 prevê a existência de remédios constitucionais como garantia à efetivação e exercício desse direito, o que é objeto do presente trabalho.
A partir da abordagem do direito ao meio ambiente na Carta Magna atual, far-se-ão apontamentos sobre as principais questões dos mecanismos de tutela processual com posicionamento dos Tribunais Estaduais e Superiores a fim de constituir como mais um elemento de fonte de pesquisa para operadores do assunto. Para tanto, realizou-se pesquisas na bibliografia correlata, tais como doutrina, jurisprudências, artigos e textos extraídos da internet e na legislação aplicável.
Desenvolvimento
A tutela processual do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado poderá ser exercida, via de regra, mas não exaustivamente, por meio dos seguintes mecanismos: ação civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo e mandado de injunção coletivo.
Passa-se, a seguir, a discorrer sobre as questões principais de cada um deles.
1. Ação Civil Pública
A Lei da Ação Civil Pública teve o seu alcance de aplicação alterado com a entrada em vigor da Lei n.8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, porque, antes, ela podia ser usada para reclamar responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico.
Limitava-se a esses direitos difusos e coletivos, restringindo-se aos casos cujos bens fossem indivisíveis. Apesar de todo avanço que ela representou, com o inquérito civil exclusivo do Ministério Público, mais tarde agasalhado pela Constituição Federal de 1988, tratava-se de uma lei esparsa, e sua aplicação estava ainda além de sua plenitude[2].
Nesse prisma, a Carta Magna ampliou a abrangência da ação civil pública, estabelecendo a possibilidade de sua propositura para outros interesses difusos (vide artigo 129, III). Trata-se, em verdade, de instrumento processual de maior importância e eficácia para a proteção do meio ambiente.
Os legitimados para propositura da ação civil pública são: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista; associação que, concomitantemente esteja constituída há pelo menos 1(um) ano, nos termos da lei civil e inclua entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico[3].
Caso o Ministério Público não seja o autor da ação, intervirá, obrigatoriamente no processo como fiscal da lei, nos termos dos artigos 92 do Código de Defesa do Consumidor e 5º, §1º da Lei da Ação Civil Pública.
Em que pese a vasta legitimação ativa conferida pela legislação correlata, observa-se que o Ministério Público tem sido o maior ajuizante desse tipo de ação, ampliando, via de consequência, os vínculos com a sociedade. Assim é na medida em que os membros do parquet, que tem se dedicado à proteção jurídica do meio ambiente e de outros interesses difusos, têm logrado obter o respeito e a consideração da população que, não sem pouca frequência, acorre às curadorias e procuradorias em busca de auxílio[4].
O objeto principal da ação civil pública, nos termos do artigo 3º da Lei em referência, pode ser a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
O Ministério Público poderá instaurar inquérito civil como medida preparatória para eventual propositura de ação civil pública, visando uma investigação preliminar com colheita de provas, evitando-se a propositura de ação temerária. Da mesma forma como ocorre no inquérito policial, se os elementos colhidos não evidenciarem o ajuizamento de ação civil pública, o Ministério Público poderá arquivar as peças de informação.
Todavia, a promoção de arquivamento é remetida ao Conselho Superior do Ministério Público que, uma vez em concordância com a atuação ministerial, confirmará o arquivamento; do contrário, será designado outro promotor de justiça para prosseguir na investigação e ajuizar a ação civil pública.
Um fato que merece apontamento é que a Lei da Ação Civil Pública é silente quanto ao prazo prescricional. Em razão disso, alguns autores entendem que não corre prescrição. Há também quem defenda, como o saudoso Teori Albino Zavascki, que, à falta de um prazo estipulado pela Lei 7.347/1985, a prescrição deva ser determinada pelas “normas previstas no Código Civil ou em leis especiais, que fixam o prazo ora por critério material (em razão da natureza do direito pretendido), ora por critério subjetivo (em razão da pessoa contra quem a pretensão é deduzida)[5].
A defesa dos interesses difusos e coletivos vai além do interesse individual; são interesses que não possuem um titular definido, pertencendo a todos – há um interesse social na sua defesa, que diz respeito à população potencialmente ou efetivamente atingida de uma forma geral. Admitir a incidência da prescrição sobre a eficácia das pretensões de direitos difusos e coletivos seria permitir a entrada no sistema de uma inversão de valores – a diretriz básica da vida em sociedade, e pressuposto de qualquer ordenamento jurídico, é que o individual deve ceder em favor do coletivo[6].
A Ministra Eliana Calmon, ao relatar o REsp n. 1.120.117, após de forma brilhante discorrer sobre a omissão da Lei da Ação Civil Pública para a prescrição, pontualmente sobre esse instituto, bem como sobre a figura do dano ambiental e a responsabilidade daí decorrente, estabeleceu seu entendimento no sentido da imprescritibilidade do dano ambiental quando este for o objeto da Ação Civil Publica[7].
2. Ação Popular
A ação popular é disciplinada pela Lei n. 4.717/65 e tem previsão constitucional - artigo 5º, LXXIII, em que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custas e do ônus da sucumbência.
A legitimação para propositura da ação popular é extraordinária uma vez que o cidadão defende interesses da coletividade em nome próprio, atuando como substituto processual.
Como proteção aos interesses difusos, a ação popular terá o procedimento adotado em conformidade à Lei da Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto às regras de competência para julgamento. Vale destacar que se o ato lesivo já esteja consumado, não será cabível ação popular, mas sim ação civil pública para reparação das consequências do ato, quais sejam, os danos ambientais.
Como última observação, a sentença proferida no julgamento da ação popular, não se limita à declaração de anulação do ato lesivo, conforme preceitua o artigo 11, da Lei n. 4.717/65, que a sentença de procedência condenará em perdas e danos o responsável pelo ato administrativo ilegal e lesivo, bem como todos os beneficiários. E, mais, o artigo 16 autoriza o Ministério Público a iniciar a execução do julgado caso o autor não o faça em sessenta dias.
3. Mandado de Segurança Coletivo
O mandado de segurança coletivo artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal estabelece a legitimidade ativa para impetração: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Na legislação infraconstitucional, é regido pela Lei nº. 12.016/2009, que disciplina também o mandado de segurança individual.
Em outras palavras, o constituinte transformou “o mandado de segurança em instrumento para tutela coletiva de direitos. Assim, o mandado de segurança coletivo é um mandado de segurança, mas é também uma ação coletiva, e isso faz uma enorme diferença”.[8]
Na obra de ANTUNES (2010, p. 799), tem-se um exemplo claro de aplicação do mandado de segurança coletivo em matéria de direito ambiental:
É possível figurar a hipótese de um sindicato de trabalhadores em usinas de metalurgia que, no dissídio coletivo da categoria, logrou inserir cláusulas de proteção de meio ambiente do trabalho, tais como a instalação de filtros antipoluição, plantio de árvores no terreno da indústria e outras. Tais cláusulas, por exemplo, não estão sendo cumpridas pela empresa. O sindicato tem, evidentemente, direito líquido e certo de exigir judicialmente que tais cláusulas sejam implementadas pela empresa. Daí ser cabível o mandado de segurança coletivo.
4. Mandado de Injunção
O mandado de injunção, outro remédio constitucional, está previsto no artigo 5º, LXXI., J.J. GOMES CANOTILHO apud FRACALOSSI e FURLAN (2010, p. 627) preleciona que:
“[o] Estado terá o dever de agir normativamente quando a edição de uma norma é condição indispensável à protecção do ambiente. As dificuldades operatórias das omissões normativas ambientalmente ecológicas não devem ser subestimadas. É obvio que o Estado tem o dever geral de emanar normas indispensáveis à protecção de bens e direitos constitucionais. O problema está em derivar deste dever geral um dever concreto de normação e a forma de efectivar este último. É óbvio que o Estado tem o dever geral de emanar normas indispensáveis à protecção de bens e direitos constitucionais. O problema está em derivar deste dever geral um dever concreto de normação e a forma de efectivar este último. Quando direitos fundamentais forem objecto de agressões irreparáveis ou de ameaça efectiva de lesões irreparáveis – e, tendencialmente, os dano ao ambiente são muitas vezes irreversíveis – poder-se-ia falar de um dever de normação ambiental. Falta saber como, quem e através de que processo ou procedimento se poderá recorrer aos tribunais para estes proferirem um ‘mandado de injunção’ dirigido ao Estado no sentido de emanar normas, cuja omissão, nos casos assinalados de agressões irreparáveis ou ameaça de lesão, se converte em ilícito normativo ambiental”.
Trata-se de instrumento hábil para tutela do meio ambiente, na medida em que o direito ambiental tem como objeto uma vida de qualidade. Em outras palavras, não se tutela somente a vida, acrescenta-se a esta uma exigência: qualidade. Falar em vida com qualidade é buscar tornar efetivos os preceitos dos arts. 5º e 6º da Constituição, e estes são indiscutivelmente objeto do mandado de injunção, porquanto ostentam a natureza de direitos constitucionais.
Assim, o primeiro requisito a ensejar a aplicação do instituto em comento é a ausência de norma regulamentadora, ou seja, quando essa ausência prejudicar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ou outro direito ambiental constitucionalmente assegurado.
Terá legitimidade ativa para impetrá-lo o sujeito titular do direito subjetivo prejudicado pela omissão e o sujeito passivo será o órgão responsável pela elaboração da norma para o exercício do direito.
A lacuna jurídica não se confunde com o mandando de injunção. Aquela surge pela inexistência de norma jurídica regulamentando uma dada situação de fato; o mandado de injunção por sua vez, pressupõe a existência de previsão legal, todavia, de inviável efetivação, de modo que o direito não só existe como será o próprio objeto que o mandado de injunção visará efetivar. NERY JUNIOR apud FIORILLO (2010, p. 618-619) esclarece:
“Não se trata de integração de lacuna, porque o direito já existe e se encontra expressamente previsto na Constituição. Trata-se, na verdade, de inexistência de regulamentação para a forma de exercimento do direito assegurado pelo texto constitucional. O impetrante tem o direito, mas não sabe como exercê-lo. Cabe ao juiz determinar o modus faciendi a fim de que o impetrante não fique privado de seu direito constitucionalmente garantido, a pretexto de que não há norma inferior que o regulamente”.
A competência para processar e julgar o mandado de injunção será do Supremo Tribunal Federal quando a atribuição para elaborar a norma que viabilize o exercício do direito seja do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal, nos termos do que estabelece o artigo 102, I, q, da Constituição Federal.
A competência também é da Corte Suprema, no caso de julgamento do recurso ordinário de mandado de injunção decidido em única ou última instância pelos Tribunais Superiores, quando a decisão for denegatória, conforme estabelecido no mesmo artigo, II, a, da Constituição Federal.
A competência do Superior Tribunal de Justiça, preconizada no artigo 105, I, h, da Constituição Federal, por sua vez, ocorrerá quando a norma regulamentadora deva ser elaborada por órgão, entidade ou autoridade federal, da administração Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, quando o ato envolver matéria sujeita à sua jurisdição.
Conclusão
Pelo ora exposto, conclui-se ter sido discorrido acerca dos pontos principais em cada um dos instrumentos de tutela processual ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de maneira sucinta, peculiar a trabalhos dessa monta, mas de forma que servirá em contribuição para operadores do Direito.
Com efeito, a abordagem acima revelou os aspectos principais dos institutos em comento a fim de demonstrar a sua eficácia na tutela material pretendida, por meio de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
CHAMONE, Marcelo Azevedo. O problema da prescrição em razão de dano ambiental:. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1282, 4 jan. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9351>. Acesso em 29 jan. 2017.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, in www.planalto.gov.br
FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, William. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010
FERNANDEZ JUNIOR, Enio Duarte. Prescrição no dano ambiental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12634>. Acesso em jan 2017
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16.ed.rev.atual.ampl.Saão Paulo: Saraiva, 2012.
PACHECO FIORILLO, Celso Antonio. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
TRENNEPOHL, Terence Dorneles. Manual de Direito Ambiental. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[2] Celso Antonio Pacheco Fiorillo. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11. ed, São Paulo: Saraiva, 2010, p.586.
[3] Art. 5º, da Lei nº. 7.347/85. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/7347orig.htm Acesso em 08 de fevereiro de 2017.
[4] Paulo de Bessa Antunes. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p. 797.
[5] Anderson Furlan e William Fracalossi. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.589.
[6] CHAMONE, Marcelo Azevedo. O problema da prescrição em razão de dano ambiental:. Revista Jus Navigandi,Teresina, ano 12, n.1.282, 4 jan 2007. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/9351. Acesso em: 29 jan. 2017.
[7] FERNANDEZ JUNIOR, Enio Duarte. Prescrição no dano ambiental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12634. Acesso em 29 jan 2017
[8]Anderson Furlan e William Fracalossi. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.609.