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O paradoxo do processo de recuperação judicial de empresas no Brasil.

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Agenda 28/03/2017 às 15:45

4 CONCLUSÕES

As dificuldades experimentadas para a implementação das políticas públicas previstas na Constituição Federal de 1988 têm levado os juristas a construírem diferentes modelos de racionalidade jurídica. Nenhum desses paradigmas, contudo, se mostrou plenamente satisfatório para garantir segurança jurídica, desenvolvimento nacional e fruição adequada dos direitos fundamentais.

O sistema de recuperação de empresas se insere nesse contexto e a interpretação teleológica concedida pelos Tribunais, malgrado apresente vantagens com relação ao modelo formalista, prejudica a segurança jurídica e o mercado de crédito, razão pela qual se faz mister a busca por um novo arquétipo.

Nesse contexto, a partir do advento da LREF se iniciou a construção de um novo sistema de recuperação de empresas no Brasil. Os valores expressos pelos arts. 47 e 75 do referido diploma legal evidenciam que os interesses envolvidos nos processos recuperacionais extrapolam as partes processuais, demandando uma abordagem distinta capaz de conciliar a implementação da política com a dinâmica econômica na interpretação jurisdicional. Com esse objetivo, mostra-se adequada a abordagem institucionalista do novo sistema de recuperação de empresas no Brasil.

Vale ressaltar, nessa linha de raciocínio, que a política pública de recuperação de empresas possui uma séria de peculiaridades, uma vez que, preponderantemente, sua execução ocorre no Judiciário, diferentemente do que ocorre com as demais políticas, que são implementadas pelo Executivo. Não seria despiciendo registrar, inclusive, que há uma série de mecanismos recuperacionais que apenas são reconhecidos no bojo de um processo judicial.

O Judiciário constitui, portanto, a arena adequada para a implementação da política pública. Assim, os processos de recuperação assumem natureza coletiva e devem viabilizar a participação de todos os atores sociais. Os juízes exercem, desse modo, a função de agentes responsáveis pela execução da política.

Nessa perspectiva, adequada a utilização de metodologia que permita a construção de decisões amparadas em estudos socioeconômicos, uma vez que os processos de recuperação judicial projetam seus efeitos para toda a comunidade. Assim, no caso de rejeição do plano de recuperação judicial pelos credores, antes da convolação em falência, o processo passaria por uma análise de compatibilidade com a política pública.

Para tanto, haveria a utilização de dados socioeconômicos, em uma interpretação teleológico-empírica, com a definição da conveniência ou não da concessão da recuperação (com base nas conseqüências para a economia). Seriam apontadas ainda as medidas a serem adotadas com vistas a viabilizar a superação da crise. Nesse procedimento, seria muito relevante a participação de comissões interdisciplinares e a elaboração de estudos por parte de peritos do juízo a fim de subsidiar com dados empíricos a decisão, bem como sugerir os mecanismos para solucionar a crise de forma democrática.

Essa alteração metodológica no direito brasileiro pode ser viabilizado pelo instituto norte-americano do cram down, tendo em vista que permite ao magistrado a derrubada do veto dos credores, desde que preenchidos determinados critérios. Parâmetros como o melhor interesse dos credores, a justiça e equidade do plano e a inexistência de injusta discriminação permitem naquele sistema a concessão da reorganização empresarial pelo magistrado, a despeito da negativa dos credores.

Na tentativa de compatibilizar os valores consagrados na legislação com o procedimento de recuperação de empresas, o sistema brasileiro pode adotar o cram down, inicialmente, com os referidos critérios, que serão paulatinamente aperfeiçoados. Estabelece-se, dessarte, um novo equilíbrio no processo de recuperação de empresas.

Com efeito, na hipótese de um plano de recuperação reprovado pelos credores, antes da convolação em falência, imprescindível a elaboração de estudos econômicos para avaliar quais as conseqüências da retirada da empresa da cadeia produtiva, com prejuízos para credores, trabalhadores, Fisco, fornecedores, consumidores etc. Evidentemente, essa análise não implica na submissão dos credores a prejuízos desproporcionais, mesmo porque eles compõem o mercado de crédito, de natureza coletiva. Perdas substanciais implicariam no aumento de juros nas próximas operações para compensar o risco.

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A idéia remete muito mais à tentativa de conciliar de forma equilibrada os interesses em jogo. Diversas soluções poderiam ser ofertadas para evitar uma falência danosa para a economia, como linha de financiamento específica, treinamento de profissionais, estímulo ao Fundo de Investimento em Participações, criação de um fundo específico etc.

Ressalte-se que muitos motivos ainda entravam o sucesso das recuperações, mormente das pequenas empresas. Em primeiro lugar, há empresas que se tornam inviáveis pelo endividamento, pela obsolescência, pela mudança do mercado, por crises internacionais, entre outros fatores. Ademais, o empresário protela em demasia a adoção de providências para resolução da crise. De outro lado, o acesso ao crédito fica muito difícil em uma situação de crise, o que dificulta qualquer reestruturação (as grandes empresas se valem, muitas vezes, de fundos de investimentos, ou de venda de parte dos ativos).

 Digno de registro observar ainda que o custo do processo é muito elevado, tendo em vista que demanda profissionais especializados. No Brasil, outrossim, ainda não há uma cultura de participação dos credores na recuperação, de forma que se torna difícil convencê-los a trocar os créditos por participação acionária. Muitos empreendedores, na qualidade de sócios-administradores, também não estão dispostos a alienar o controle da sociedade empresária (tratando a recuperação simplesmente como um mecanismo de reescalonamento da dívida).

Diante de todas essas dificuldades, mostra-se de grande relevância o debate sobre mecanismos mais ágeis de adaptação da legislação aos casos concretos. A economia vem se tornando mais complexa e desafiando respostas criativas não previstas pelo legislador, como a insolvência de grandes grupos econômicos, inclusive de natureza transnacional. Nesse cenário, é que o desenvolvimento de uma sistemática de interação democrática entre os diversos atores envolvidos na reorganização empresarial, com a coordenação de um magistrado municiado de dados socioeconômicos, pode auxiliar no aperfeiçoamento da política pública de recuperação de empresas.


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Sobre o autor
Gerardo Alves Lima Filho

Presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do DF e Oficial de Justiça do TJDFT. Bacharel em Direito pela UFBA, Especialista em Direito pela ESMA/DF e Mestre em Direito pelo UniCEUB. Foi diretor e gestor de diversas entidades representativas de servidores públicos, exerceu o cargo de Policial Rodoviário Federal e foi professor de diversas faculdades de Direito de Direito Empresarial, Civil, Processual Civil e Prática Civil. Publicou inúmeros artigos em sites e revistas jurídicas especializadas. Possui experiência em Direito Administrativo, Previdenciário, Constitucional, Empresarial, Tributário, Civil, Processo Civil, Trabalho, Processo do Trabalho, Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Gerardo Alves. O paradoxo do processo de recuperação judicial de empresas no Brasil.: Análise da aplicação do cram down como mecanismo de ajuste do sistema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5018, 28 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56282. Acesso em: 16 nov. 2024.

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