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Garantismo versus ativismo ou o velho embate do cidadão contra o Estado

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Agenda 17/03/2017 às 16:00

O garantismo defende o cidadão e suas garantias fundamentais, enquanto que o ativismo defende o Estado, no seu afã principal de exercer o papel criativo dos tribunais ao trazerem uma contribuição nova para o Direito, quando formam o precedente jurisprudencial: uma antecipação à formulação da própria lei.

Introdução

É sabido que as ideologias políticas atuam como lentes a alterarem a forma de como se vê o processo e, por esse motivo pode se afirmar que existe clara divisão entre os processualistas liberais, adeptos de laissez-faire, que enxergam o juiz como um vigilante noturno, que deve somente cuidar do fair play processual... E, de outro lado, os processualistas socialistas, que são adeptos a um sociosanitarismo, defendem que ao juiz compete resolver com justiça social os conflitos subjacentes, não somente a lide.

Há ainda os processualistas fascistas que acreditam num dirigismo a todo custo e entendem firmemente que o julgador deve ter papel cunhado na monocracia com características policialesca e inquisitorial.

Já os processualistas social-liberais são seguidores do chamado gerencialismo, divisam o processo como uma microempresa a ser administrada de forma estratégica, por meio do chamado manager judge.

Calorosos debates surgem quando essas correntes se digladiam, seja para criticar o garantismo (que se filia aos liberais) ou criticar o ativismo (que se filia aos socialistas, fascistas e também aos socioliberais).

Lembremos que as ideologias políticas influenciam grandemente como se enxerga a estrutura básica do Estado e principalmente sua ordenação normativo-constitucional. Evidentemente que tais ideologias políticas igualmente influenciam as metas, tarefas e finalidades a serem cumpridas pelo Estado, e a escolha dos meios técnicos necessários para essa consecução (policy).

Daí por que não é difícil concluir que poder indeclinável das ideologias transforma a visualização e funcionamento administrativo-funcional do Estado-juiz, bem como o modo de formular e fundamentar as decisões judiciais[1], a forma de seleção para ocupação de cargos judiciários e os de apoio. E, ainda, e principalmente quais tarefas competem ao Estado-juiz para o desempenho específico da função jurisdicional.

É engraçado perceber notadamente que tal influência ideológica pesa sobre o principal instrumento a serviço da justiça não-criminal, o processo civil, e também sobre a forma de interpretá-lo.

É notória a profunda imbricação entre o direito processual e as ideologias políticas, o que é parcamente estudado pela doutrina no Brasil, apesar de receber detida análise tanto no restante na América como na Europa. Particularmente por Juan Montero Aroca, na Espanha, por Adolfo Alvarado Celloso, na Argentina, Glauco Gumerato Ramos no Brasil e Girolamo Monteleone e Dranco Cipriani na Itália que constituem os ilustres garantistas, que se opõem ferozmente contra o ativismo sustentado por doutrinadores como José Carlos Barbosa Moreira, no Brasil e outros como Augusto Mário Moreelo, Roberto Berizonce e Jorge Peryani na Argentina.

As ideologias esquadrinham uma espécie de antropologia filosófica onde subjaz certa metafísica que reflete sobre os homens e sobre suas interrelações, seja com a natureza ou seja com Deus.

Logo esse pressuposto filosófico acabará esquematizando a forma como o jurista entenderá as vocações das partes e dos julgadores, tal como homens unidimensionais que o reducionismo ideológico deles faz, principalmente no tramitar do processo judicial.

Não é à toa que as partes são vistas pela concepção socialista de processo, de caráter cooperativo, ou como bens homens preconizados por Rousseau, que precisam ser tutelados pelo Estado-provedor.

Por outro viés, já na vertente liberal clássica, temos uma verve adversarial, onde as partes são consideradas como lobos belicosos conforme preconizou Thomas Hobbes "homo hominis lupus" e que têm que ser protegidos pelas impetuosidades de Leviathan e, que precisam ser salvo de si mesmos já que vivem sob o regime bellum omnium contra omnes.

É verdade que entre tantas as concepções existentes sobre o processo civil, as ideologias políticas se infiltram em inúmeras concepções e nas construções dogmático-processuais que são consideradas como técnicas.

Muitos dos debates dogmáticos se resumem a ser ingênuas confrontações de técnicas, mas no fundo, o real embate, é ideológico, muitas vezes desprezado pela intelligentsia processual pátria. Diferentemente que acontece nos chamados países hispanohablantes, nossos irmãos latino-americanos.

Enfim, percebe-se um processo de autoalienação e de abdicação intelectual. E, já se enxerga o processo mais como instrumento técnico à disposição do Estado-juiz, mais é igualmente um instrumento político, eivado de técnica revelada como um conjunto de normas analíticas, hermenêuticas e pragmáticas, tendo como fim a aplicação do direito material à solução dos conflitos de interesses.

Revela-se o processo como político, pois o Estado ao monopolizar a distribuição da justiça, dela se vale para enfim promover a paz social, ou pelo menos a pacificação social. Eis o motivo do por que a estrutura e dinâmica do processo civil obedecer a uma certa lógica substancial híbrida, em que as razões de neutralidade técnico-jurídica e motivações de índole político-axiológica se interpenetram.

Desta forma, percebe-se a grave e crítica inadequação metodológica que contamina a dogmática prevalente, cujo isolamento sistêmico não permite aos processualistas, o trânsito saudável da ideia de instrumentalismo processual tão bem capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco no Brasil e que provém uma comunicação franca com o direito constitucional e a ciência política. Apesar de que gradualmente esse quadro vem se alterando no Brasil, cujo rigor cientificista asséptico, fazem os doutrinadores tratar o processo civil apenas como mero experiente gélido.

Não se pretende obviamente traçar a evolução da ideologia e nem seu emprego terminológico, mas é certo que passou a ser principalmente entendida como um conjunto de crenças, opiniões e valores que pode ter um ponto de vista conservativo, fornecer uma perspectiva, na qual identificamos a chamada visão de mundo, e traduz uma compreensão e explicação para a ordem vigente, além de ajudar a modelar a natureza e funcionamento dos sistemas políticos.

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A ideologia política atua como espécie de cimente social a produzir a estabilidade social e ordem, trazendo algum ponto de vista modificativo, traduzindo um certo modelo de futuro desejável e ainda explicar como a mudança politica para esse futuro pode ser materializada.

Sobre o processo civil, a ideologia fornece a cosmovisão para explicar e compreender o sistema processual civil positivo vigente, interferindo no discurso doutrinário; ajudar também a modelar o próprio sistema processual vigente, o que influencia o discurso normativo, embora tal influência não atue de forma automática, pois a história aponta que a edição de leis democráticas em regimes autoritários e de exceção.

Também proporciona dentro de uma certa comunidade de operadores desse sistema, um paradigma ou uma cultura unificada de interpretação e aplicação.  Assim, a ideologia política dita ao juiz como pode interferir na forma de interpretar e aplicar a lei processual.

Assim, se projeta um futuro desejável para o sistema jurídico-processual, inspirando reformas legislativas e também novas formas de interpretação da lei processual civil vigente.

Também pode identificar as circunstâncias que acarretam a resistência da comunidade jurídica contra essas modificações. Pois revela a força da ideologia dominante para obter a conservação do sistema processual vigente.

Enfim, a ideologia política desempenha na área do processo civil uma vigorosa função jurídico-positiva, além de função teórico-cognitiva e prático-social.

Num mundo pós-moderno ou de modernidade líquida e globalizado, marcado notadamente pelo consumismo, fragmentação social, a perda do senso comum e legitimação tópica de poder, não haveria mais lugar para os sistemas globais de interpretação do mundo social.

Apesar de rotineiramente tem se frustrado nessa aposta. Pois no fundo, se presencia simplesmente a superação histórica de principais tradições ideológicas e ao surgimento de novas formas ideológicas (como os feminismos ecológicos, os fundamentalismos religiosos, os multiculturalismos, os ambientalismos e, panteísmos etc).

E, se assim não o for, é inegável que as ideologias clássicas ocidentais tais como o socialismo, liberalismo, conservadorismo, fascismo e o neoliberalismo, bem como suas clássicas subdivisões (como o marxismo, comunismo ortodoxo, o socialdemocrata, liberalismo clássico, o liberalismo social, conservadorismo autoritário e o conservadorismo liberal e, etc), ainda têm influenciado profundamente as básicas formas de compreensão e de aplicação da política, das tarefas e funções do Estado, especialmente da jurisdição, atingindo consequentemente a estrutura e dinâmica do processo civil.

Ainda é possível traçar com relativa tranquilidade uma divisão entre os processualistas à direita (afetos a uma concepção neoprivatista ou ao liberalismo clássico do processo) e ainda os processualistas à esquerda presos à chamada concepção social do processo. Mas, se registra ainda os mais variados posicionamentos intermediários, tais como a concepção social-liberal do processo.

Em resumo, é a velha contenda armada entre o liberal e o social, que dá sentido a maior parte das principais disputas do pensamento processualista, apesar de que os paradigmas fascistas e conservador também formem relevantes linhas do pensamento dogmático-processual.

O mais firme Leitmotiv do liberalismo clássico é o indivíduo, um valor supremo e acima de qualquer grupo social, é o ser humano dotado de razão, ser pensante e capaz de definir seus próprios interesses e ir atrás deles.

Para satisfazerem tais interesses pessoais, os indivíduos devem desfrutar de uma máxima liberdade, compatível com uma liberdade similar para todos, mediante o gozo dos mesmos direitos (similar à igualdade jurídico-formal) e, com isso, serem recompensados conforme o seu talento e sua disposição para o trabalho (significando desigualdade meritocrática).

Assim, nesse contexto, os liberais entendem ser inevitáveis as desigualdades de riqueza, posição social e poder político (por força de um princípio darwinista-social da sobrevivência do mais adaptável).

E, ainda entendem que a igualdade social é injusta porque trata os indivíduos que são naturalmente diferentes entre si, da mesma maneira. Assim, por mais que sejam livres de interferências, possam agir de acordo com as suas próprias escolhas e desenvolvam moralmente aprendendo com os erros, é também necessário que estes estejam protegidos contra o governo (que é potencialmente tirano).

Observa-se que a escolha moral do que seja bom, cabe ao indivíduo dentro de sua autonomia pessoal, e não ao governo, que deve limitar-se a uma neutralidade moral, que é circunscrita à garantia dos direitos subjetivos.

Eis aqui a chave-mestra do liberalismo econômico: permitir o exercício autônomo do egoísmo material por cada indivíduo, livre das intervenções do Estado na economia, o que faz nascer o conjunto de pressões impessoais que despontam num mecanismo de autorregulação regido pelas forças da oferta e da procura, ao chamado mercado, o qual pela mão invisível de Adam Smith, tende a naturalmente a promover o bem-estar e a prosperidade econômica.

A proteção contra a tirania dos governos dá-se por meio de uma organização político-econômica fundamentada em valores como democracia, economia de mercado, descentralização administrativa e constitucionalismo[2].

A concretização desses valores deve enfim direcionar-se a formação do chamado Estado mínimo soberano, o que não se confunde com a estadofobia dos anarquistas, cuja função seja delineada e limitada à preservação da ordem interna, à manutenção da segurança pessoal e à proteção da sociedade contra os ataques externos, conforma aludia Locke, o Estado é como um guarda noturno.

Como Thomas Jefferson, que afirmava que "o melhor governo é o que menos governa". Afora isso, não se viabiliza uma sociedade equilibrada e tolerante onde seja plausível a maximização do domínio autossuficiente, irrestrito e livre da ação de indivíduos e das associações voluntárias.

Daí, já se percebe que a autoridade politica vem "de baixo", pois o Estado é composto e instituído por indivíduos e para os indivíduos com a finalidade de proteger os direitos naturais e ser um árbitro neutro, que aplique as regas do jogo, principalmente quanto entrarem em conflito uns com os outros (o que traduz a vital relevância de Judiciário que tenha uma independência formal e de neutralidade política).

Assim, o individualismo, a liberdade negativa, a razão, justiça e tolerância faz nascer uma espécie de laissez-faire processual civil, tão preciosos até mesmo hoje em dia para a composição de lides empresariais.

Bernard de Mandeville defende na sua "A fábula das abelhas: vícios privados, benefícios públicos" que foi editado entre 1714 e 1723, traduziram uma versão mignon dos liberais que defende que tudo quanto seja entendido como vício pelos homens tais como a ganância, inveja, vaidade e orgulho são considerados fundamentais para a prosperidade da nação, pois é o desejo humano na busca do autointeresse que tem com consequência a estabilização para a sociedade: ou seja, a defesa do bem-comum que não é produto da retidão de pessoas e de suas virtudes, mas simplesmente de seus vícios individuais e de seu amor próprio.

O sistema adversarial prega algo bem similar dentro da dinâmica processual civil. Assim quanto mais o juiz tiver subsídios para bem julgar, quanto mais deixar as partes se digladiarem livremente, dentro de uma saudável arena de desordem, até o esgotamento supremo das discussões sobre todos os fundamentos e argumentos. Assim não se sabota a tão desejável presteza jurisdicional, caso as partes se percam em infindas hostilizações mútuas e nas discussões periféricas.

Nesse sentido, vislumbra-se a sacralização iluminista do contraditório ad nauseam, compondo uma relativa tolerância à astúcia, sem espaço para o pronunciamento judicial moralizante, e para um juiz que acaba e se resume em ser apenas um árbitro passivo, o vigilante noturno, mandatário das partes, um guarda de trânsito, que cuida somente do fair play e apenas para que o processo não descambe em deslealdade nociva e insuportável, daí se combata à litigância de má-fé e erguido sobre a responsabilidade subjetiva do improbus litigator.

Dentro desse contexto, o processo é tido como coisa das partes, ou sache der parteien, e não como instrumento do juiz, pois o julgador não pode sujar as mãos e tem que se manter assepticamente puto, não pode ter iniciativas probatórias, e nem cautelares, deve guiar-se somente por atuação do tipo tabua rasa.

Cumpre somente às partes municiá-lo com os elementos objetivos de convencimento, tendo em vista que as partes são as senhoras de seus próprios interesses. Desta forma, não pode ser concedida pelo juiz nenhuma medida ex officio, a não ser que existe prévio requerimento das partes que gozam de firme igualdade meramente formal, não podendo o juiz igualá-las mediante qualquer provimento compensatório.

O perito então passa a ser mera testemunha qualificada da parte que o indica. E, os ônus probatórios são predefinidos mecanicamente em lei, a cada uma das partes, sem existir a possibilidade de invertê-los.

O juiz traçado por Montesquieu, o bouche de la loi, não tem o poder de flexibilizar o procedimento legal, não pode customizar o procedimento, que é predominantemente escrito, sendo possível a celebração prévia de acordo entre as partes, visto que o juiz é mero “convidado de pedra”, e as partes são as donas do processo. Enfim, o juiz fundamentalmente se destina aplicar ao caso concreto o direito objetivo que regula a relação de direito material controvertida, e não promover uma política pública supraindividual de pacificação social (privatismo particularista).

O objeto litigioso é definido apenas pelas partes, sem que o juiz tenha qualquer ingerência sobre o seu conteúdo. E, onde o devido processo legal é visto como conjunto de direitos e garantias fundamentais, atribuídos às partes e oponíveis ao Estado-juiz, a fim de que o processo possa ser monocraticamente decidido, sob uma visão bilateral e dialética, sem os poderes exacerbados a qualquer dos sujeitos do processo (garantismo[3]).

Tão-somente as partes podem eventualmente desconstituir a coisa julgada material por meio de ação rescisória ou de querela nullitatis insanabilis, razão pela qual o juiz não poderá relativizá-la de ofício.

E, na trilogia estrutural da ciência processual, o aspecto mais estudado é o processo, em especial nas situações jurídicas ativas processuais, que as partes podem assumir diante do Estado-juiz.

O juiz símbolo do liberalismo clássico é o juiz anão, reativo, agnóstico, singelo organizador do duelo das partes, bem ao gosto do processo germânico antigo que sobre do weberiano desencantamento do mundo e que não acredita em soluções justas ou corretas.

Não é difícil então concluir que para os liberais clássicos, numa lei processual civil (como a espanhola, rotulada de ser preponderantemente garantista) torna-se a previsibilidade um cântico sagrado, a vigência de regras do jogo, são claras e imutáveis e de um procedimento construído dentro more geométrico, que se desenvolve sempre sob as ordens da Lei (always under law), por meio de recursos e raciocínios conceptos-subsuntivos, é conditio sine qua non para a exclusão da arbitrariedade e prepotência judicias, portanto, e para a atuação não limitada das partes dentro do livre mercado processual.

A chama social foi alimentada pelas condições cruéis e muitas vezes desumanas em que vivia e trabalhava a classe operária. E, por essa razão, surgiu como crítica à sociedade de mercado liberal e como tentativa de ofertar uma alternativa ao capitalismo industrial. Da mesma forma que o credo liberal, o socialismo compartilha a fé nos princípios da razão e do progresso.

No entanto, a chave do desenvolvimento não está no egoísmo individual competitivo (gerador de agressividades), mas, na cooperação mútua (geradora de afeição e solidariedade) a ser estimulada pelo Estado.

Os homens podem ser motivados não só por incentivos materiais (como por exemplo: recompensas financeiras), mas morais (contribuição para o bem comum). São vistos como criaturas eminentemente sociais, unidas por sua humanidade comum e tão-somente capazes de superar os seus problemas sociais e econômicos apoiando-se na força da comunidade.

Por consequência, a iniciativa humana coletiva tem mais valor que o esforço individual. Mais, os homens são identificados como seres plásticos, de comportamento e identidade moldado não pela natureza, mas pela cultura através de experiências de interação intersubjetiva, circunstâncias da vida social e participação em entidades de caráter coletivo.

Em face disso, enquanto que os pensadores liberais estabelecem clara distinção entre o indivíduo e a sociedade, os socialistas acreditam que o indivíduo é inseparável da sociedade. E, nessa dimensão, sustentam que os seres humanos são naturalmente iguais, mas se diferenciam por sua desigualdade de oportunidades.

Em resumo, a desigualdade humana reflete a estrutura desigual do sistema capitalista. Daí, por que a igualdade meramente formal dos liberais lhes soa como algo inadequado. Com isso, o principal valor do socialismo e grande missão da autoridade governamental é a promoção da igualdade social, que fortalece a coesão e a estabilidade social.

Registra-se originariamente, o socialismo foi associado à ideia de "política de classes", ora por entender que os homens pensam e agem conjuntamente com aqueles que compartilham a mesma posição socioeconômica (o que, nos evangelhos civis de Karl Marx e Engels) e toda sorte de chave para a compreensão da História, ora por entender que o próprio socialismo signifique a expressão de interesses de classe trabalhadora, a qual lutava para emancipar-se.

Essa visão clássica, todavia, acabou fenecendo por força da desindustrialização, da redução da classe trabalhadora tradicional e do crescimento da classe média, o que desmentiu Marx e sua gafe teórica biclassista.

De sorte que as utopias sociais hard propagadas pelo marxismo clássico e comunismo ortodoxo, foram fundadas na crença de que o motor da história é a luta de classes e de que o capitalismo acabaria abolido pela revolução proletária e substituído pela sociedade sem classes, sem propriedade privada, sem desigualdades sociais e de economia baseada na coletivização estatal e na planificação centralizada.

Tais ideias sofreram profundas revisões, e geraram linhas suaves do pensamento socialista, que passou a ser chamado de NEW LEFT[4], ou neomarxismo ou dentro outras coisas, se recriminam o determinismo primacial da economia e o status privilegiado da classe proletária, a social democracia, fundada na noção de que o capitalismo, conquanto seja defeituoso em distribuir riqueza, ainda é a única forma confiável de gerá-la, motivo pelo qual à luz dos ditames da justiça social e dos princípios liberais democráticos pode ser pacificamente corrigido e humanizado por regulação social e econômica de um Estado que se direcione a erradicação da pobreza).

A chamada “terceira via” que repele o andar com os próprios pés preconizado pelos liberais, rejeita a socialdemocracia, a assistência do berço ao túmulo, e admite pragmaticamente a economia globalizada acima do Estado, aceita as diferenças de classe e as desigualdades econômicas, e defende uma assistência social tão-somente aos excluídos, mediante uma politica meritocrática de oportunidade, não esmola, que, embora fraternal contrabalanceie direitos e responsabilidades.

De qualquer maneira, todas essas correntes ideológicas de inspiração socialista são permeadas por idealizações como a igualdade material, a justiça social, com preocupação com os pobres, colaboração[5], prevalência do social sobre o individual, solidariedade e planificação estatal. Transplantados para o âmbito jurisdicional, esses valores acabam infundindo uma espécie de sociosanitarismo processual, até hoje tão estimados às lides sobre os welfare rights, isto é, as lides trabalhistas, previdenciárias e assistenciais.

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. Garantismo versus ativismo ou o velho embate do cidadão contra o Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5007, 17 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56351. Acesso em: 7 nov. 2024.

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