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A Política Nacional de Resíduos Sólidos nos municípios.

Diversas foram as obrigações impostas aos municípios pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Nesse sentido, os planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos representam um importante e complexo instrumento no cumprimento dessas obrigações.

A questão da destinação dos resíduos sólidos urbanos tornou-se mais expressiva em meados do século XX[1], com a intensiva expansão das áreas urbanas, desencadeada pelo crescimento populacional, o que resultou no aumento e diversificação dos resíduos sólidos produzidos e em uma intensa alteração nos perfis de consumo e descarte até então existentes.

Em resposta a essas preocupações, diversas normativas buscaram regular o tema, o que redundou em um cenário excessivamente pulverizado de leis, decretos e resoluções[2]. Ainda que não se pudesse falar em uma total lacuna jurídica a esse respeito, havia a necessidade de uma norma que desse conta de abranger o processo de destinação dos resíduos sólidos em sua integralidade, desde o momento da produção, colocando lado a lado todos os agentes que, em alguma medida, participam desse processo. Em meio a esse cenário, foi publicada, em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei n. 12.305/2010 –, posteriormente regulamentado pelo Decreto Federal n. 7.404/2010.

À época de sua publicação, a Lei foi recebida com bons olhos pela comunidade científica e jurídica, justamente por conter instrumentos inovadores para a gestão dos resíduos sólidos, como a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a implementação da logística reversa e a inclusão social dos catadores de lixo. Entretanto, passados sete anos desde a sua promulgação, os desafios relativos à implementação da Lei ainda persistem, em especial no que se refere ao papel dos municípios na execução da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

A Lei n. 12.305/10 atribuiu aos municípios papel de destaque na implementação das ferramentas relativas à gestão de resíduos sólidos urbanos. Dentre as diversas atribuições impostas ao ente federativo, destaca-se a obrigação de desenvolver o chamado Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS), conforme artigo 18 e seguintes da PNRS. O referido Plano busca assegurar a implementação, a nível municipal, de mecanismos de gestão integrada dos resíduos produzidos localmente, visando, em ordem decrescente de prioridade, a não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento e destinação final ambientalmente adequada dos rejeitos.

O PMGIRS possui um nítido caráter estruturador e multidisciplinar, sendo necessário que os municípios observem, em seu processo de elaboração, o conteúdo mínimo previsto no artigo 19 da Lei n. 12.305/10. Em que pese a diversidade e complexidade das atribuições impostas aos municípios, o que se tem observado desde a sua publicação é que as preocupações dos Prefeitos e gestores municipais concentraram-se, de um modo geral, na questão da destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos, ou, como convencionou-se chamar, na extinção dos “lixões”.

Entretanto, não se pode ignorar o alcance dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que vai muito além da destinação final dos resíduos. Trata-se, pois, de um elenco diversificado de ações, que prevê a realização de um amplo diagnóstico dos resíduos sólidos produzidos no município, com processos de destinação específicos para cada classe; fixação de metas a serem atingidas a nível local; criação e implementação de programas de capacitação técnica e educação ambiental; identificação de áreas propicias à implementação de aterros sanitários; definição das responsabilidades quanto à operacionalização; programas de inclusão social destinado a catadores; entre tantas outras ações cuja implementação, execução e fiscalização devem estar descritas no Plano Municipal. Gera estranheza, portanto, que esses requisitos não estejam sendo igualmente debatidos e noticiados em âmbito municipal, uma vez que a não formulação dos PMGIRS pode vir a desencadear sanções aos gestores públicos.

De início, impende destacar que o acesso, pelo município, aos recursos da União destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos tem como condicionante expressa[3] a elaboração dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. A elaboração do Plano é igualmente necessária para o acesso, pelos municípios, aos incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento relativos a resíduos sólidos e limpeza urbana.

Outrossim, o descumprimento dessa exigência pode resultar na responsabilização do gestor municipal ante à negativa de cumprimento à Lei Federal. Conforme previsão expressa do Decreto-Lei n. 201/1967, responde por crime de responsabilidade o Prefeito que negar execução a lei federal, sujeitando-se à pena de detenção de até três anos, bem como à perda de cargo e à inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública.

Para além do crime de responsabilidade, a omissão em atender aos comandos da PNRS e em elaborar os Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos pode implicar em infração ambiental e crime contra o meio ambiente, punível com multa de até cinquenta milhões de reais, em consonância com a Lei n. 9.605/1998 e seu Decreto regulamentador (Decreto n. 6.514/2008). Há de se atentar, ainda, para a possibilidade de atuação do Ministério Público frente aos danos causados ao meio ambiente, com a propositura de Ação Civil Pública contra o município e seu gestor.

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No que tange ao prazo para elaboração dos PMGIRS, a Lei n. 12.305/10 determinou que os municípios teriam até o ano de 2012 para elaborar os referidos Planos. Entretanto, grande parte dos municípios brasileiros, ainda hoje, não possuem os requisitos mínimos para a elaboração dos PMGIRS. Diante disso, algumas iniciativas legislativas buscam estender esse prazo, observando as peculiaridades locais dos entes federativos e as dificuldades que, sobretudo os pequenos municípios, enfrentam em cumprir a determinação legal. Nesse passo, o Projeto de Lei n. 2.289/2015[4], já aprovado pelo Senado Federal, encontra-se em trâmite na Câmara dos Deputados e, se aprovado, estenderá o prazo para a elaboração dos Planos Municipais. Importa destacar, no entanto, que, ainda que o Projeto seja aprovado e convertido em Lei, as datas fatais não serão significativamente estendidas. De acordo com a redação proposta, os municípios que possuem cinquenta mil habitantes ou mais teriam até julho de 2017 para formularem seus Planos, enquanto para os municípios com menos de cinquenta mil habitantes o prazo se encerraria em julho de 2018.

Constata-se, portanto, que a elaboração dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos pelos municípios não é tarefa simples, considerando, sobretudo, o caráter multidisciplinar desses instrumentos, que os coloca muito além da mera extinção dos “lixões”. Justamente por isso, essa questão deve ser enfrentada com seriedade pelos gestores públicos municipais, haja vista os riscos inerentes à omissão nessa seara, que podem desencadear, além de danos ambientais impostos a toda a população local, a restrição de acesso a recursos federais, bem como a imposição de severas sanções aos Prefeitos. Outrossim, as ações no sentido de formalizar o PMGIRS devem ser tomadas com a máxima urgência, considerando que, ainda que o prazo para sua elaboração venha a ser estendido, resultará em uma data limite perigosamente próxima.


Notas

[1] PHILIPPI JR., Arlindo; AGUIAR, Alexandre de Oliveira. Resíduos Sólidos: Características e Gerenciamento. In: PHILIPPI JR., Arlindo (org.). Saneamento, Saúde e Ambiente: Fundamentos para um desenvolvimento sustentável. São Paulo: Manole, 2005.

[2] MONTEIRO, José Henrique Penido (org.). Manual de Gerenciamento Integrado de resíduos. Rio de Janeiro: IBAM, 2001.

[3] Art. 18, caput, Lei n. 12.305/10:  A elaboração de plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, nos termos previstos por esta Lei, é condição para o Distrito Federal e os Municípios terem acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade.

[4] Projeto de Lei n. 2.289/2015. Câmara dos Deputados.

Sobre as autoras
Sandra Aparecida Lopes Barbon Lewis

Doutora e mestre em Direito pela PUC/SP, Professora do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina e advogada e sócia da S. B. Lewis Advogados e Consultores em Curitiba/PR

Mariana Gmach Philippi

Advogada Ambiental na S.B. Lewis - Advogados e Consultores. Mestranda em Direito Socioambiental e Sustentabilidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEWIS, Sandra Aparecida Lopes Barbon; PHILIPPI, Mariana Gmach. A Política Nacional de Resíduos Sólidos nos municípios.: A complexidade dos planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5052, 1 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57243. Acesso em: 21 nov. 2024.

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