A Constituição de 1988 imunizou as entidades beneficentes de assistência social no que diz respeito às contribuições sociais devidas para a seguridade social, conforme dispõe o § 7°, do art. 195 da CF.
A expressão “entidades beneficentes de assistência social” consignada no citado § 7º equivale a expressão “instituições de assistência social” a que se refere a letra c, do inciso IV, do art. 150 da CF pertinente a imunidade de impostos.
Desde então, as entidades beneficentes de assistência social vêm travando batalhas judiciais contra o fisco federal para se livrarem da contribuições sociais previstas nos arts. 22 e 23 da Lei n° 8.212/91.
A discussão gira em torno da aplicação do art. 55 da Lei n° 8.212/91, que em sua redação original estabeleceu os requisitos necessários à fruição da imunidade. São eles:
I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;
II – seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Serviço Social, renovado a cada três anos;
III – promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes;
IV – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;
V – aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente ao Conselho Nacional da Seguridade Social relatório circunstanciado de suas atividades.
Os requisitos dos incisos IV e V são os mesmos exigidos pelo art. 14 do CTN.
A maioria das entidades que se dedicavam à atividade dita filantrópica, ainda que em caráter não exclusivo, vinha usufruindo da imunidade nos termos acima transcritos. O problema surgiu com as sucessivas alterações daquele art. 55 por leis ordinárias, a começar pela Lei nº 9.732/98 acrescentando inúmeros outros requisitos como a gratuidade e exclusividade da assistência social beneficente às pessoas carentes.
Toda a discussão judicial, então, passou a girar em torno da expressão consignada no § 7° do art. 195 da CF “que atendam as exigências estabelecidas em lei”.
Para o então Ministro Moreira Alves que ilustrou a Corte Suprema por décadas seguidas, aquele texto constitucional se refere à lei ordinária, porque quando exigida a formalidade de lei complementar a Constituição expressamente a menciona.[1] A tese se ajusta à generalidade dos casos, mas, no que diz respeito à imunidade tributária o art. 146, II da CF reservou à lei complementar a tarefa de regulamentá-la com exclusividade, isto é, não permitiu a sua regulamentação por lei ordinária. E aqui é oportuno esclarecer que regulamentar não significa inovar o texto constitucional de sorte a restringir o conteúdo e alcance da imunidade que significa supressão do poder de tributar.
Pois bem, o STF, em 4-6-2014, retomou o julgamento das ADIs ns. 2028, 2036, 2228 e 2621 e do RE n° 566622-RG onde se reconheceu a repercussão geral que questionam o art. 55 da Lei n° 8.212/91, já revogado pela Lei n° 12.101/09 que passou a reger a matéria. Após 4 votos favoráveis aos contribuintes, ou seja, no sentido de que apenas à lei complementar cabe regular a imunidade, o julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista formulado pelo Min. Teori Zavascki. Após voto do Min. Teori Zavascki favorável à tese da imunidade pediu vista o Min. Marco Aurélio.
Contudo, antecipando-se ao julgamento das ações coletivas, o Plenário da Corte Suprema proferiu decisão nos autos do RE n° 636941, Rel. Min. Luiz Fux, no qual foi conferida repercussão geral à tese esposada no sentido de que cabe à lei complementar definir os limites objetivos da imunidade, enquanto que incumbe à lei ordinária tão só fixar as normas de constituição e funcionamento das entidades imunes (RE n° 636.941, DJe de 04-04-14).
Retomando o julgamento das ações coletivas na sessão plenária de 23-2-2017 o STF proferiu a seguinte decisão:
“O Tribunal por maioria conheceu da ação direta como argüição de preceito fundamental, vencidos os Ministros Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármem Lúcia e Marco Aurélio. No mérito, por unanimidade e nos termos do voto do Min. Teori Zavascki, o Tribunal julgou procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.732/88, na parte que alterou a redação do art. 55, inciso III, da Lei nº 8.212/91 e acrescentou-lhe os §§ 3º, 4º e 5º, bem como os arts. 4º, 5º e 7º da Lei nº 9.732/98.
Aditou seu voto o Min. Marco Aurélio, para, vencido na preliminar da conversão da ação direta em argüição de descumprimento de preceito fundamental, assentar a inconstitucionalidade formal do art. 55, inciso III, da Lei nº 8.812/91, na redação conferida pelo art. 1º da Lei nº 9.732/98” (Ata de julgamento publicada no DJe 6-3-2017).
Como se verifica, em um esforço concentrado, a Corte Suprema, que vem dando preferência aos julgamentos de processos sob a Repercussão Geral, dirimiu esta controvérsia quanto à imunidade das entidades beneficentes de assistência social. Essa discussão vinha se arrastando por mais de duas décadas. Agora ficou consagrada, em definitivo, a tese segundo a qual a regulamentação da imunidade referida no § 7º, do art. 195 da CF está sob reserva de Lei Complementar.
Em outras palavras, aplicáveis na espécie apenas o disposto nos arts. 9º, inciso IV, alínea c e 14 do CTN. Centenas de processos sobrestados nas instâncias ordinárias deverão ser decididos de forma uniforme em consonância com o V. Acórdão proferido pelo STF que tem efeito ex tunc e eficácia erga omnes.
Nota
[1] Posteriormente o Min. Moreira Alves alterou o seu entendimento para exigir a formalidade de lei complementar para definir os lindes da imunidade.