A problemática do sistema carcerário brasileiro é tema que sempre renasce ao decorrer do tempo. Seus efeitos e consequências, quase sempre, ficam permanentemente registrados em nossas memórias. Basta lembrar-se do emblemático caso do Presídio do Carandiru, onde mais de 100 (cem) pessoas foram mortas de forma cruel. Tragédias como esta sempre vieram à tona; contudo, as soluções apresentadas nunca se materializaram ao ponto de ao menos amenizar essa mazela.
No primeiro trimestre do corrente ano, a “onda” de terror proporcionada pelos presidiários brasileiros movimentou novamente o assunto. Facções criminosas literalmente assumiram o comando de várias unidades prisionais, causando pavor em todo o País. Foram diversos ataques à população comandados de dentro dos presídios, desencadeando em diversas mortes, dentro e fora das penitenciárias, além de outros atentados terroristas. Enfim, não há como elencar todos os crimes que se originaram das rebeliões que foram registradas, mas a sensação de medo e insegurança é algo que afetou de forma uníssona todos brasileiros.
O tempo vai se passando, o assunto é esquecido, e, quando menos se espera, eclode novamente outra rebelião ou fato desabonador à nossa política penitenciária. É um ciclo que sempre se renova e consigo trás possíveis soluções apresentadas, as quais, geralmente, surgem de políticos que querem se aproveitam da situação para lançar falsas expectativas ao povo.
Constantemente, surgem novas idéias, além de estudos e opiniões das mais diversas possíveis, geralmente convergindo para a construção de novos presídios; contratação de servidores e aquisição de bens e serviços. Os chamados operadores do Direito (doutrinadores e estudiosos), juntamente com seus órgãos e entidades representativas (OAB, Ministério Público, etc.), apontam como solução da diminuição da população carcerária a reforma da nossa legislação penal e a reavaliação dos processos em curso.
De fato, algumas dessas soluções podem até ser viáveis. Entretanto, quando se imagina a previsão orçamentária sempre deficitária, a morosidade para se aprovar novas leis, assim como a falta de defensores e juízes aptos a reavaliar a situação de casa preso, todas as alternativas levantadas se tornam inaplicáveis, voltando tudo à “estaca zero”.
Agravando ainda mais a preocupante situação atual, estudo recente do CNJ apontou que o custo de manutenção de cada preso é de aproximadamente 13 (treze) vezes o valor gasto com cada estudante, conforme ressaltou a presidente do STF, Cármen Lúcia[1], em uma de suas palestras. Assim, nota-se claramente que o problema é bem maior, é questão que afeta diretamente nossa economia e que, de modo reflexo, acaba comprometendo outras áreas, tais como saúde e educação.
Vivemos em tempos de crise em todos os segmentos da sociedade, e não há mais espaço para teorias, estatísticas e programas de governo que nunca saem do papel. A sociedade brasileira esta cansada de sofrer abusos e de ter direitos elementares e fundamentais restringidos pelo descaso de nossos governantes. Ninguém mais suporta escutar noticiários dando conta de que centenas de milhares de reais, dólares ou euros foram desviados de alguma obra ou serviço, a bem do “bolso” dos políticos. O Sistema carcerário brasileiro é somente uma pequena fração do que vem a ser o descaso dos nossos governantes perante seus maiores patrocinadores, que somos nós mesmos, o povo.
Diante desse quadro caótico vivenciado nas unidades prisionais brasileiras, que nada mais é que o reflexo das más gestões que sobrepujam gerações, qualquer alternativa, sem dúvidas, deverá ser economicamente viável. Afinal, tudo que se pensa nesse país, pelo menos politicamente, exala corrupção e escândalos, o que torna qualquer gasto público medida extremamente temerária.
O mundo, atualmente, não mais comporta arbitrariedades e privilégios de pequenos grupos, em detrimento das centenas de milhares de pessoas que atualmente subsistem em condições subumanas. Os recursos, em todos os sentidos, são cada vez mais escassos. Por tal razão, a ordem atual, principalmente em países emergentes, que é o caso do Brasil, é otimizar gastos e renovar, principalmente os recursos naturais. Deveras, vivemos num país onde o desenvolvimento sustentável e os meios alternativos de solução de crises são sempre os últimos recursos, seja pela população ou pelos governantes. E o que essa otimização dos recursos tem a ver com a crise do sistema penal? Simples a resposta. Quanto mais presos, maiores serão as despesas com suas custódias, mais presídios terão de ser construídos e, consequentemente, menor serão as receitas para outras necessidades.
A preocupação não reside apenas nos recursos empreendidos nas construções de novos presídios. Em verdade, qualquer aquisição de bens, serviços ou construção de obra, é ferramenta utilizada pelos gestores para desvios de verbas públicas. Ou seja, otimizar é questão de poupar e prevenir gastos desenfreados de nossas contribuições. Bom seria que toda a estrutura física atualmente de que dispomos fosse renovada e readaptada às necessidades futuras.
No presente trabalho, mesmo sabendo das dificuldades em abordar a raiz dos riscos sociais, sobretudo em matéria aparentemente infindável, a proposta principal vai bem além da contenção de desperdício de recursos e fortalecimento de nossa economia. Trata-se de tema afeto aos direitos humanos e garantias fundamentais, porquanto a crise do sistema penitenciário afronta diretamente a segurança pública (paz social), além, obviamente, da dignidade dos presos, como pessoas humanas que são.
Partindo dessa falsa premissa, de que o dispêndio de recursos públicos, através da construção de novas obras e contratação de servidores, é a “solução” mais viável dessa mácula, a singela pesquisa trará à baila alternativas socioeconômicas mais viáveis, embora, repita-se, difíceis de serem aplicadas sob a perspectiva política (não geram votos), porque não são “palpáveis” como uma grande obra e nem tampouco tão impactantes como a contratação de milhares de policiais e agentes penitenciários.
De fato, no país onde a corrupção se nutre justamente dos desvios advindos do superfaturamento de obras públicas, não é politicamente (sentido pejorativo da palavra) interessante arquitetar algo que não seja visto com os próprios olhos. Talvez a expressão ou o ditado popular que melhor se aplique ao que foi mencionado acima é: “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Nesse diapasão, as políticas públicas voltadas à ressocialização do apenado hão de ser reavaliadas, afinal, com as “máscaras” caindo na operação lava jato, o povo, como legítimo titular do poder, certamente irá avocá-lo das mãos sujas dos políticos.
A despeito de nossa legislação, ao revés do que muitos pensam, não é omissa no que se refere à execução penal. Os dispositivos legais já existentes necessitam somente de pontuais ajustes para se amoldarem a nossa atual realidade. Afinal, por se tratar a LEP de ordenamento criado à época da ditadura (1984), portanto, contexto totalmente diverso do atual, nada mais natural que o regulamento anterior sofra suas devidas alterações.
A lei de execuções penais tornar-se-á, dessa forma, a principal ferramenta de nosso estudo, uma vez que é nela que a assistência ao preso e ao egresso é melhor esmiuçada. Não se pode negar, entretanto, que a CF/88 e a declaração universal dos direitos humanos também têm sua importância dentro dessa casuística, porquanto a materialização da dignidade da pessoa humana se origina desses diplomas legais.
Dentro dessa perspectiva de estudo atinente à crise do sistema penitenciário, a pessoa do preso, assim, é nosso principal elemento a ser analisado, pois é a exteriorização de sua conduta quem dita as regras referentes às políticas penitenciárias. É dizer, mesmo com a superpopulação dos presídios, se não houvesse rebeliões e manifestações criminosas emanadas do interior das unidades prisionais, quiçá, o assunto gerasse discussões somente na esfera dos direitos humanos, isso pelas condições subumanas de sobrevivência do apenado.
Como principal responsável pela criminalidade e violência, o preso sempre foi tratado de forma pejorativa e criminalizada. Logicamente que quem está encarcerado, cumprindo pena, no mínimo, se desviou das regras de convívio impostas pela sociedade (pelo menos é o que espera!). Contudo, não é certo atribuir todas as mazelas sociais, notadamente a violência urbana, à pessoa delituosa; afinal, também somos frutos da convivência humana.
À luz da nossa formação como pessoa humana, não se pode olvidar que o Estado e a família são os principais elementos externos responsáveis pela condução de nossos caminhos, através da educação que nos é ministrada. Contudo, há casos em que, mesmo a pessoa tendo todo suporte necessário para sobreviver de maneira digna, ainda assim, esta prefere se desvirtuar no mundo do crime. Afinal, valores como ética, moral, caráter, dentre outros, são elementos intrínsecos a cada um de nós e que dificilmente podem ser alterados por terceiros.
Não obstante, não nos cabe aqui procurar os motivos que ensejaram o delinquente a praticar crimes, isso é matéria específica da criminologia. A proposta aqui é outra. Temos de partir do pressuposto de que o problema está latente e procurar soluções cabíveis, dentro de nossa realidade fática, ou seja, temos de enfrentar essa “guerra” com os escassos recursos de que dispomos.
O processo de ressocialização do apenado é sempre difícil. Preconceito e discriminação são sentimentos que contribuem de forma negativa dentro desse contexto de evolução e reinserção social do apenado. Usualmente, a expressão preso poderá ganhar diversas denominações, a depender do sentido em que é empregado (jurídico, social, pejorativo, político, etc). Nessa gama de possibilidades, por vezes, e de forma sinônima, o preso poderá ser denominado custodiado, detendo, condenado, encarcerado, enjaulado, e por ai vai. Contudo, por se tratar a presente pesquisa de abordagem jurídico-social da pessoa que cumpre pena (preso), expressões como apenado ou custodiado são as mais adequadas, porquanto essas são as terminologias empregadas pelos aplicadores do direito.
Pois bem, estudar a pessoa do apenado (preso ou custodiado) é, antes de qualquer coisa, saber que estaremos diante do grupo de pessoas que mais sofre repugnação por parte da sociedade; afinal, são indivíduos que, em tese, cometeram alguma conduta delituosa, no sentido material de crime (alteração do mundo exterior), e que, por consequência, têm a reprovabilidade social insculpida em suas vidas, muitas vezes até de forma perpétua.
A criminalidade, reincidência criminal e demais pontos atinentes ao direito penal são assuntos complexos, mas que podem perfeitamente ser estudados através dos números e estatísticas. Exemplo disso é o modo como aferimos as cidades mais violentas do mundo. Em geral, verifica-se a quantidade de homicídios em determinada época, divide-se para cada grupo de 100 mil pessoas, e, na localidade onde o número for maior, será considerada a mais violenta. Assim, no que pertine ao estudo da diminuição da população carcerária e criminalidade, dificilmente chegaríamos a alguma conclusão se esta não pudesse ser traduzida em números.
De forma pragmática, diversos estudos realizados por órgãos governamentais e não-governamentais apontam que a reincidência criminal é significativamente reduzida nos locais em que programas de ressocialização são aplicados de forma séria e comprometida. Os projetos de ressocialização aqui referidos não são aqueles constantes das páginas governamentais na internet, são aqueles que efetivamente torna o preso pessoa produtiva e útil nas relações sociais. A ressocialização tem de sair do papel. Os egressos tem de efetivamente encontrar acolhimento, principalmente pelo Estado. Portanto, através das estatísticas dos diversos estabelecimentos prisionais, conforme demostraremos, restará fácil perceber que, de fato, a solução nasce com a ressocialização do apenado.
A estatística é ciência exata que parte de espaços amostrais (eventos isolados) para demonstrar situações macro, ou seja, da qualidade de uma semente o estudioso terá supedâneos para analisar uma extensa plantação. De modo bem prático e simples de entender, basta se pensar que não é necessário beber toda xícara de café para se saber que o líquido integral do recipiente está quente; um pequeno gole já é suficiente.
Como ilustração, Em 2016, por exemplo, o jornal o povo veiculou notícia[2] acerca do projeto fábrica escola - teoria e prática para a vida, na qual, detentos em regime aberto e semiaberto, além de egressos, todos supervisionados pelo Tribunal de Justiça do Ceará, são inseridos em fábricas privadas a afim de aprender ou aperfeiçoar novos ofícios. Também são desenvolvidas atividades para o ensinar regras de convivência, além do melhoramento da autoestima. A reincidência dos participantes, segundo a matéria, é de apenas 5%.
Para se ter ideia de como esses trabalhos são valorosos, o relatório do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), realizado no ano de 2015, concluiu que não menos que 30% dos presos voltam a delinquir, dependendo do contexto. No mesmo relatório[3], são apontadas diversas pesquisas sobre o tema.
Os números apresentados são apenas amostras de que a reincidência em relação àqueles que são submetidos à ressocialização é bem reduzida quando comparado aos presos que apenas cumprem pena ao relento. A operacionalização desses programas é de custo financeiro bastante reduzido quando comparado à construção de novos presídios e contratações de novos profissionais. Geralmente, as empresas que aderem são beneficiadas com incentivos fiscais e outras medidas atraentes. Já quando o trabalho, por exemplo, é realizado dentro das unidades prisionais, as manufaturas são vendidas ao meio externo gerando até lucros para o ente público, embora isso não seja sua finalidade principal.
O que falta, portanto, é vontade política para solucionar o problema. Não há dúvidas de que, se em cada presídio funcionasse uma escola e uma oficina de trabalho compromissadas, vários desses detentos seriam reaproveitados no meio social.
Ao revés dessas medidas simples e eficazes, os apenados convivem desocupados, ao lado de seu fiel escudeiro (o celular), e o pior, arquitetando novas empreitadas criminosas.
Enquanto isso, estamos aqui nós trabalhadores, à mercê dessas investidas criminosas, e pagando o salário dos políticos que somente pensam nas suas novas candidaturas.
É importante se frisar que o propósito deste estudo não é a proteção desenfreada ao homem delinquente. Seria ingenuidade dizer que todos os detentos são pessoas restauráveis e que, por isso, merecem ser reconduzidos à sociedade. Logicamente que existem presos que são irrecuperáveis. Não obstante, é preciso que reconheçamos que os reclusos que são passivos de ressocialização não merecem arcar com esse ônus de serem eternamente marginalizados.
Assim, é preciso que reflitamos acerca da ressocialização do apenado, e, desde já, sabermos que dentre os encarcerados existem pessoas que podem perfeitamente se reintegrar à sociedade.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Regina. Só ressocialização viabiliza parceria público-privada em presídios, diz juiz. Agência CNJ de Notícias. 28 jan. 2013. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/59743-juiz-diz-apoiar-parceira-publico-privada-na-gestao-de-presidios-se-houver-ressocializacao-de-presos/>. Acesso em: 22 mai. 2017.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Reincidência Criminal no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf >. Acesso em: 03 mai. 2017.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 22 abr. 2017.
BRASIL. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm>. Acesso em: 22 abr. 2017.
BRASIL. Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre a criação e o funcionamento de Cooperativas Sociais, visando à integração social dos cidadãos, conforme especifica. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9867.htm />. Acesso em: 20 mai. 2017.
Notas
[1] Conselho Nacional de Justiça. Cármen Lúcia diz que preso custa 13 vezes mais do que um estudante no Brasil. Agência CNJ de Notícias. 10 nov. 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83819-carmen-lucia-diz-que-preso-custa-13-vezes-mais-do-que-um-estudante-no-brasil/>. Acesso em: 04 mai. 2017.
[2] GOMES, Naiana. Projeto estimula ressocialização de presos. O Povo. Fortaleza, 07 abr. 2016. Disponível em:< http://www20.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2016/04/07/noticiasjornalcotidiano,3599303/projeto-estimula-ressocializacao-de-presos.shtml/>. Acesso em: 04 mai. 2017.
[3] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Reincidência Criminal no Brasil. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/07/572bba385357003379ffeb4c9aa1f0d9.pdf >. Acesso em: 03 mai. 2017.