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Da validade e da importância da prova pericial no ordenamento jurídico penal brasileiro

Agenda 30/06/2017 às 17:00

Em que pese a reconhecida importância da prova pericial para a elucidação de crimes e lides judiciais, a ela não se confere valoração distinta das demais atividades probatórias. Seu valor terá o mesmo peso que uma prova testemunhal, devendo o julgador, contudo, analisar o conjunto de provas para firmar o seu entendimento.

RESUMO: Esse artigo tem por objetivo analisar a validade e a importância da prova pericial no ordenamento jurídico penal brasileiro. A validade das provas periciais no âmbito do direito processual penal é mais bem compreendida ao se considerar que elas tendem a ser objetivas, com menor susceptibilidade à influência humana, quando comparada com as provas subjetivas. Contudo, ainda que sejam assim concebidas, não lhes é atribuído maior valor do que se confere aos demais tipos de prova, sendo certo que o convencimento do magistrado será firmado a partir de análise de todo o conjunto probatório existente nos autos. Os procedimentos metodológicos permitem classificar esse artigo como exploratório, com uso de levantamento bibliográfico para coleta dos dados. A abordagem do problema é do tipo qualitativa, com análise crítica dos dados.

Palavras-chave: Provas. Provas Periciais. Processo Penal.


INTRODUÇÃO

Em alguns tipos de crimes, quais sejam, os crimes não transeuntes, é necessária a realização de exames periciais para que se possa elucidar os fatos e, assim, aproximar-se da verdade real. Isso porque, diferentemente do que ocorre no processo civil, que se contenta com a verdade formal, o processo penal exige a verdade real dos fatos, pois o que está em pauta é o interesse público (FEITOSA, 2010).

Contudo, é certo que a verdade real é fim bastante difícil de ser alcançado, podendo-se dizer, até, que é impossível, o que leva Lopes Jr. (2016) a sustentar que se trata de um mito a ser desconstruído, prevalecendo, no âmbito do processo penal, somente a verdade processual ou formal.

Diante de tais considerações, estipulou-se como objetivo para esse artigo o seguinte: analisar a validade e importância da prova pericial no ordenamento jurídico penal brasileiro.

A justificativa para a sua elaboração está pautada na relevância que a prova pericial possui para o processo penal, tendo em vista não somente a grandiosidade do interesse sub judice, qual seja, o interesse público, como também, os direitos e garantias do acusado, que refletirá no aumento do respeito aos direitos humanos, de modo que a prova pericial poderá ajudar a elucidar efetivamente atividade criminosa que a ele é imputada.

Em relação aos procedimentos metodológicos utilizados, fez-se uso do levantamento bibliográfico para a coleta dos dados, e análise do Código de Processo Penal. Em relação aos fins, esse estudo é do tipo exploratório, com abordagem qualitativa do problema. A análise dos dados é do tipo crítica de conteúdo.

Para melhor apresentação, propõe-se abordar, inicialmente, os conceitos de prova e verdade real, analisando essa última definição no bojo do direito processual penal. Busca-se, ainda, evidenciar o sentido de perícia, sua importância e evolução, bem como da relevância da prova pericial para a elucidação do crime e obtenção da verdade real. Por fim, objetiva-se analisar questões pertinentes à prova pericial no direito processual penal brasileiro, avaliando a sua validade e importância nessa seara do Direito.


DESENVOLVIMENTO

1 CONCEITOS DE PROVA E VERDADE REAL

1.1 A PROVA

De acordo com Lima (2017), a prova corresponde ao conjunto de atos que são praticados tanto pelas partes, como pelo juiz e, também, por terceiros visando proporcionar ao magistrado subsídios suficientes para formar a sua convicção sobre a existência ou não de determinado fato, ou, ainda, sobre a veracidade ou falsidade de dada afirmação. Tal conceito de prova, segundo o autor, é possível de ser extraído da leitura conjunta dos artigos 156, incisos I e II, 209 e 234, todos do Código de Processo Penal, infra transcritos:

Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

[...]

Art. 209 O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.

§ 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.

§ 2º Não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa.

[...]

Art. 234.  Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível (BRASIL, 1941).

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Também assim dispõe Marques (2009), ao sustentar que a prova consiste em um elemento instrumental que serve para que as partes possam influenciar a formação de convicção do juiz, sendo, pois, o meio de que este se serve para a averiguação dos fatos sobre os quais as partes fundamentam suas alegações.

Capez (2017, p. 247) segue nesse mesmo sentido, ao sustentar que o objetivo na atividade probatória consiste no convencimento do destinatário das provas, ou seja, o juiz, de modo a contribuir para que este possa formar a sua convicção sobre o caso. A esse respeito, é o trecho que ora se colaciona, no qual o autor faz menção à relevância que as provas, em geral, têm para a reconstrução do fato delitivo e da contribuição que a mesma confere ao julgador:

Na medida em que não presenciou o fato que é submetido a sua apreciação, é por meio das provas que o juiz poderá reconstruir o momento histórico em questão, para decidir se a infração, de fato, ocorreu e se o réu foi seu autor. Só depois de resolvida, no espírito do julgador, essa dimensão fática do processo (decisão da quaestio facti) é que ele poderá aplicar o direito (ou seja, solucionar a quaestio juris) (CAPEZ, 2017, p. 247).

Tem-se, pois, desse modo, que a prova é elemento imprescindível para o deslinde do processo, sendo realizada para dirimir dúvidas acerca de pontos relevantes e urgentes, servindo, desse modo, para a elucidação do caso e alcance da verdade nos autos. 

1.2 A VERDADE REAL

Segundo disposição dada por Mirabete (2005), o juiz, condutor do processo penal, para que possa solucionar com exatidão o litígio penal que se apresenta, deve buscar apurar a verdade dos fatos visando, assim, a aplicação da lei penal com justiça. Desse modo, de acordo com Capez (2017), a prova se apresenta como sendo necessária para firmar o convencimento do juiz acerca da verdade real dos fatos, que, por sua vez, não se confunde com a verdade formal, buscada no processo civil. Busca-se efetivamente, conforme o autor, compreensão sobre o que ocorreu verdadeiramente, e não o que restou demonstrado no processo.


2 A VALIDADE E A IMPORTÂNCIA DA PROVA PERICIAL NO DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

Segundo Costa Filho (2012), o termo perícia advém de termo em latim que tem o significado de “experiência, saber, habilidade” (COSTA FILHO, 2012, p. 31). Para o autor, trata-se de

[...] diligência que possui a finalidade de estabelecer a veracidade ou a falsidade de situações, fatos ou acontecimentos, de interesse da justiça, por meio de provas. É a análise de toda matéria colhida como vestígio de uma infração, ou seja, o exame do corpo de delito (COSTA FILHO, 2012, p. 31).

Para Aranha (2006), as perícias, especialmente na seara criminal, apresentam grande relevância, tendo em vista que, por meio delas, busca-se evidenciar a veracidade dos fatos, elucidando o crime para que o julgador, como destinatário que é das provas produzidas, possa proferir a sua decisão de forma justa. Nesse sentido, dispõe o autor que a perícia consiste em um “[...] meio instrumental, técnico-opinativo e alicerçador da sentença” (ARANHA, 2006, p. 192).

Tourinho Filho (2014), em importante complementação, dispõe que a perícia consiste no exame que é realizado por pessoas, denominadas peritos, detentores de conhecimentos específicos científicos, técnicos, práticos ou artísticos acerca de determinadas circunstâncias, fatos ou condições que sejam relativas ao fato delitivo. O seu uso se dá, conforme o autor, para comprovação da existência do fato delitivo e da dinâmica de ocorrência, com vistas a elucidá-lo e, assim, possibilitar ao julgador que profira uma decisão justa. Diante disso, ainda segundo Tourinho Filho (2014), a perícia deve ser concebida como uma prova essencialmente técnica.

Na visão de Lopes Jr. (2016), a prova pericial se mostra de grande relevância por ser menos susceptível à influência humana quando é comparada com provas subjetivas, como é o caso da prova testemunhal. Não obstante tal característica, de grande relevância para a seara criminal, é certo, porém, de acordo com o autor, que não lhe é atribuído maior valor em relação aos outros tipos de prova, tendo em vista que, ainda assim, o juiz, para estabelecer a sua convicção e proferir decisão justa, analisará o conjunto de provas disponível nos autos, valorando-as igualmente para a formação de seu convencimento.

2.1 DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL

Dentre as diversas provas possíveis o exame de corpo de delito tem grande relevância quando se fala em prova forense. O Código de Processo Penal (CPP) traz em seu Título VII, capítulo II os institutos do exame de corpo de delito, dentre os quais pode-se destacar:

Art. 158.  Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Art. 159.  O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

O art 158 deixa claro a importância do exame de corpo e delito, não dando nem mesmo ao Juiz discricionariedade para decidir sobre a realização, sendo completamente vinculado a decisão do magistrado de que seja realizado o exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios.

Com o intuito de seguir alguns dos princípios basilares da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência) o CPP prevê em seu art 159 a figura do perito oficial.  A preocupação do legislador na busca por uma prova de produção imparcial para auxiliar o juiz em sua tomada de decisão, e a relevância do trabalho dos peritos, também pode ser vista no art 169 do CPP, quando se mostra a necessidade da conservação do local da infração, evitando ao máximo que qualquer alteração possa prejudicar a tentativa de elucidar o fato ocorrido.

Art. 169.  Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ciências forenses são conjunto de disciplinas e técnicas utilizadas com o intuito de solucionar crimes, além do auxílio em soluções nas áreas cíveis, trabalhistas, administrativas, dentre outras. Dentro desta seara, nasce a perícia criminal, que vêm, desde os primórdios, tentando auxiliar na produção de provas imparciais e na tentativa de ajudar na elucidação de infrações. Há relatos apontados na própria Bíblia sagrada e no código de Hamurabi sobre o uso da prova durante o processo criminal, ao advertir que a simples suspeita não era condição para que alguém fosse condenado, necessitando de regras, dentre elas, ouvir testemunhas, estudar o local de crime e suas circunstâncias.

Durante a história, vários casos notórios do uso da prova pericial são apontados na literatura, dando mostra da grande importância desse tipo de prova na busca da aplicação da justiça e elucidação de crimes e disputas. Dentre casos famosos se pode citar a elucidação do problema da Coroa do Rei, em que Arquimedes (287 a.C.), utilizando princípios científicos, constatou a diferença na densidade dos materiais utilizados para a confecção da coroa encomendada pelo rei Hierão, de Siracusa, a um artesão local, que permitiu mostrar que a coroa não era totalmente confeccionada em ouro, mas sim numa mistura com outros metais. A técnica ficou conhecida como Princípio de Arquimedes.

Desde então, a ciência se liga diretamente à criminalística na produção de provas. A imparcialidade alcançada pelo processo científico traz valor ético e moral à prova. Com o passar do tempo e a evolução da ciência, os processos de produção de prova e a forma de trabalho da perícia criminal vêm evoluindo exponencialmente, o que dá força e credibilidade cada vez maior para a prova pericial. O trabalho de pesquisa e esforço dos peritos toma proporções enormes servindo para ajudar a elucidar vários casos contemporâneos famosos, como o caso OJ SIMPSON, o caso Isabella Nardoni e vários outros onde a prova pericial foi essencial na tomada de decisão do magistrado (ou do júri).

O sistema de avaliação de provas no Brasil tem como regra o sistema de livre convencimento motivado, onde o juiz pode avaliar a prova produzida de maneira livre, contudo suas decisões devem ser fundamentadas, explicando os motivos pelos quais chegou a determinada conclusão. Desse modo, o que se tem é que, não obstante as vantagens que a prova pericial possui em relação aos demais tipos de prova, como, por exemplo, o fato de ter pouca influência da vontade humana, por seguir o método científico, a ela não se confere valoração distinta das demais atividades probatórias, o seu valor terá o mesmo peso do que uma prova testemunhal, devendo o julgador, contudo, analisar todo o conjunto de provas para firmar o seu entendimento.

Na busca de seguir fundamentos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF 88) art 1º, III) e a busca de objetivos fundamentais, como construir uma sociedade livre, justa e solidária (CF 88, art 3º, I), cabe ao Estado investir cada vez mais nos avanços das perícias criminais, subsidiando recursos para pesquisas, valorização profissional dos peritos, integração comunitária entre perícia e sociedade. Desta forma a tentativa de se alcançar um sistema judicial, de fato, justo, moral, ético e imparcial, ganha lastro ao se buscar cada vez mais a evolução dos processos de produção de prova pericial.


REFERÊNCIAS

ARANHA, A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL, Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Publicado no DOU de 13/10/1941 e retificado em 24./10/1941.

CAPEZ, F. Curso de direito penal. V. 2. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

COSTA FILHO, P. E. G. da. Medicina legal e criminalística. Brasília: Vestcon, 2012.

FEITOSA, D. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7. ed. Niterói: Impetus, 2010.

LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. Vol. único. 5. ed. Salvador: JusPODVM, 2017.

LOPES JR., A. C. L. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MARQUES, F. J. Elementos de direito processual penal. V. 2. 3. ed. Campinas: Millennium, 2009.

MIRABETE, J. F. Processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

TOURINHO FILHO, F. da C. Prática de processo penal. 35. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=100 ; acesso em 25/02/2017

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRIJO, Renato Martins. Da validade e da importância da prova pericial no ordenamento jurídico penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5112, 30 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58736. Acesso em: 24 dez. 2024.

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