RESUMO: Esse artigo tem por objetivo analisar a validade e a importância da prova pericial no ordenamento jurídico penal brasileiro. A validade das provas periciais no âmbito do direito processual penal é mais bem compreendida ao se considerar que elas tendem a ser objetivas, com menor susceptibilidade à influência humana, quando comparada com as provas subjetivas. Contudo, ainda que sejam assim concebidas, não lhes é atribuído maior valor do que se confere aos demais tipos de prova, sendo certo que o convencimento do magistrado será firmado a partir de análise de todo o conjunto probatório existente nos autos. Os procedimentos metodológicos permitem classificar esse artigo como exploratório, com uso de levantamento bibliográfico para coleta dos dados. A abordagem do problema é do tipo qualitativa, com análise crítica dos dados.
Palavras-chave: Provas. Provas Periciais. Processo Penal.
INTRODUÇÃO
Em alguns tipos de crimes, quais sejam, os crimes não transeuntes, é necessária a realização de exames periciais para que se possa elucidar os fatos e, assim, aproximar-se da verdade real. Isso porque, diferentemente do que ocorre no processo civil, que se contenta com a verdade formal, o processo penal exige a verdade real dos fatos, pois o que está em pauta é o interesse público (FEITOSA, 2010).
Contudo, é certo que a verdade real é fim bastante difícil de ser alcançado, podendo-se dizer, até, que é impossível, o que leva Lopes Jr. (2016) a sustentar que se trata de um mito a ser desconstruído, prevalecendo, no âmbito do processo penal, somente a verdade processual ou formal.
Diante de tais considerações, estipulou-se como objetivo para esse artigo o seguinte: analisar a validade e importância da prova pericial no ordenamento jurídico penal brasileiro.
A justificativa para a sua elaboração está pautada na relevância que a prova pericial possui para o processo penal, tendo em vista não somente a grandiosidade do interesse sub judice, qual seja, o interesse público, como também, os direitos e garantias do acusado, que refletirá no aumento do respeito aos direitos humanos, de modo que a prova pericial poderá ajudar a elucidar efetivamente atividade criminosa que a ele é imputada.
Em relação aos procedimentos metodológicos utilizados, fez-se uso do levantamento bibliográfico para a coleta dos dados, e análise do Código de Processo Penal. Em relação aos fins, esse estudo é do tipo exploratório, com abordagem qualitativa do problema. A análise dos dados é do tipo crítica de conteúdo.
Para melhor apresentação, propõe-se abordar, inicialmente, os conceitos de prova e verdade real, analisando essa última definição no bojo do direito processual penal. Busca-se, ainda, evidenciar o sentido de perícia, sua importância e evolução, bem como da relevância da prova pericial para a elucidação do crime e obtenção da verdade real. Por fim, objetiva-se analisar questões pertinentes à prova pericial no direito processual penal brasileiro, avaliando a sua validade e importância nessa seara do Direito.
DESENVOLVIMENTO
1 CONCEITOS DE PROVA E VERDADE REAL
1.1 A PROVA
De acordo com Lima (2017), a prova corresponde ao conjunto de atos que são praticados tanto pelas partes, como pelo juiz e, também, por terceiros visando proporcionar ao magistrado subsídios suficientes para formar a sua convicção sobre a existência ou não de determinado fato, ou, ainda, sobre a veracidade ou falsidade de dada afirmação. Tal conceito de prova, segundo o autor, é possível de ser extraído da leitura conjunta dos artigos 156, incisos I e II, 209 e 234, todos do Código de Processo Penal, infra transcritos:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
[...]
Art. 209 O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.
§ 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.
§ 2º Não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa.
[...]
Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível (BRASIL, 1941).
Também assim dispõe Marques (2009), ao sustentar que a prova consiste em um elemento instrumental que serve para que as partes possam influenciar a formação de convicção do juiz, sendo, pois, o meio de que este se serve para a averiguação dos fatos sobre os quais as partes fundamentam suas alegações.
Capez (2017, p. 247) segue nesse mesmo sentido, ao sustentar que o objetivo na atividade probatória consiste no convencimento do destinatário das provas, ou seja, o juiz, de modo a contribuir para que este possa formar a sua convicção sobre o caso. A esse respeito, é o trecho que ora se colaciona, no qual o autor faz menção à relevância que as provas, em geral, têm para a reconstrução do fato delitivo e da contribuição que a mesma confere ao julgador:
Na medida em que não presenciou o fato que é submetido a sua apreciação, é por meio das provas que o juiz poderá reconstruir o momento histórico em questão, para decidir se a infração, de fato, ocorreu e se o réu foi seu autor. Só depois de resolvida, no espírito do julgador, essa dimensão fática do processo (decisão da quaestio facti) é que ele poderá aplicar o direito (ou seja, solucionar a quaestio juris) (CAPEZ, 2017, p. 247).
Tem-se, pois, desse modo, que a prova é elemento imprescindível para o deslinde do processo, sendo realizada para dirimir dúvidas acerca de pontos relevantes e urgentes, servindo, desse modo, para a elucidação do caso e alcance da verdade nos autos.
1.2 A VERDADE REAL
Segundo disposição dada por Mirabete (2005), o juiz, condutor do processo penal, para que possa solucionar com exatidão o litígio penal que se apresenta, deve buscar apurar a verdade dos fatos visando, assim, a aplicação da lei penal com justiça. Desse modo, de acordo com Capez (2017), a prova se apresenta como sendo necessária para firmar o convencimento do juiz acerca da verdade real dos fatos, que, por sua vez, não se confunde com a verdade formal, buscada no processo civil. Busca-se efetivamente, conforme o autor, compreensão sobre o que ocorreu verdadeiramente, e não o que restou demonstrado no processo.
2 A VALIDADE E A IMPORTÂNCIA DA PROVA PERICIAL NO DIREITO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
Segundo Costa Filho (2012), o termo perícia advém de termo em latim que tem o significado de “experiência, saber, habilidade” (COSTA FILHO, 2012, p. 31). Para o autor, trata-se de
[...] diligência que possui a finalidade de estabelecer a veracidade ou a falsidade de situações, fatos ou acontecimentos, de interesse da justiça, por meio de provas. É a análise de toda matéria colhida como vestígio de uma infração, ou seja, o exame do corpo de delito (COSTA FILHO, 2012, p. 31).
Para Aranha (2006), as perícias, especialmente na seara criminal, apresentam grande relevância, tendo em vista que, por meio delas, busca-se evidenciar a veracidade dos fatos, elucidando o crime para que o julgador, como destinatário que é das provas produzidas, possa proferir a sua decisão de forma justa. Nesse sentido, dispõe o autor que a perícia consiste em um “[...] meio instrumental, técnico-opinativo e alicerçador da sentença” (ARANHA, 2006, p. 192).
Tourinho Filho (2014), em importante complementação, dispõe que a perícia consiste no exame que é realizado por pessoas, denominadas peritos, detentores de conhecimentos específicos científicos, técnicos, práticos ou artísticos acerca de determinadas circunstâncias, fatos ou condições que sejam relativas ao fato delitivo. O seu uso se dá, conforme o autor, para comprovação da existência do fato delitivo e da dinâmica de ocorrência, com vistas a elucidá-lo e, assim, possibilitar ao julgador que profira uma decisão justa. Diante disso, ainda segundo Tourinho Filho (2014), a perícia deve ser concebida como uma prova essencialmente técnica.
Na visão de Lopes Jr. (2016), a prova pericial se mostra de grande relevância por ser menos susceptível à influência humana quando é comparada com provas subjetivas, como é o caso da prova testemunhal. Não obstante tal característica, de grande relevância para a seara criminal, é certo, porém, de acordo com o autor, que não lhe é atribuído maior valor em relação aos outros tipos de prova, tendo em vista que, ainda assim, o juiz, para estabelecer a sua convicção e proferir decisão justa, analisará o conjunto de provas disponível nos autos, valorando-as igualmente para a formação de seu convencimento.
2.1 DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL
Dentre as diversas provas possíveis o exame de corpo de delito tem grande relevância quando se fala em prova forense. O Código de Processo Penal (CPP) traz em seu Título VII, capítulo II os institutos do exame de corpo de delito, dentre os quais pode-se destacar:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
O art 158 deixa claro a importância do exame de corpo e delito, não dando nem mesmo ao Juiz discricionariedade para decidir sobre a realização, sendo completamente vinculado a decisão do magistrado de que seja realizado o exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios.
Com o intuito de seguir alguns dos princípios basilares da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência) o CPP prevê em seu art 159 a figura do perito oficial. A preocupação do legislador na busca por uma prova de produção imparcial para auxiliar o juiz em sua tomada de decisão, e a relevância do trabalho dos peritos, também pode ser vista no art 169 do CPP, quando se mostra a necessidade da conservação do local da infração, evitando ao máximo que qualquer alteração possa prejudicar a tentativa de elucidar o fato ocorrido.
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ciências forenses são conjunto de disciplinas e técnicas utilizadas com o intuito de solucionar crimes, além do auxílio em soluções nas áreas cíveis, trabalhistas, administrativas, dentre outras. Dentro desta seara, nasce a perícia criminal, que vêm, desde os primórdios, tentando auxiliar na produção de provas imparciais e na tentativa de ajudar na elucidação de infrações. Há relatos apontados na própria Bíblia sagrada e no código de Hamurabi sobre o uso da prova durante o processo criminal, ao advertir que a simples suspeita não era condição para que alguém fosse condenado, necessitando de regras, dentre elas, ouvir testemunhas, estudar o local de crime e suas circunstâncias.
Durante a história, vários casos notórios do uso da prova pericial são apontados na literatura, dando mostra da grande importância desse tipo de prova na busca da aplicação da justiça e elucidação de crimes e disputas. Dentre casos famosos se pode citar a elucidação do problema da Coroa do Rei, em que Arquimedes (287 a.C.), utilizando princípios científicos, constatou a diferença na densidade dos materiais utilizados para a confecção da coroa encomendada pelo rei Hierão, de Siracusa, a um artesão local, que permitiu mostrar que a coroa não era totalmente confeccionada em ouro, mas sim numa mistura com outros metais. A técnica ficou conhecida como Princípio de Arquimedes.
Desde então, a ciência se liga diretamente à criminalística na produção de provas. A imparcialidade alcançada pelo processo científico traz valor ético e moral à prova. Com o passar do tempo e a evolução da ciência, os processos de produção de prova e a forma de trabalho da perícia criminal vêm evoluindo exponencialmente, o que dá força e credibilidade cada vez maior para a prova pericial. O trabalho de pesquisa e esforço dos peritos toma proporções enormes servindo para ajudar a elucidar vários casos contemporâneos famosos, como o caso OJ SIMPSON, o caso Isabella Nardoni e vários outros onde a prova pericial foi essencial na tomada de decisão do magistrado (ou do júri).
O sistema de avaliação de provas no Brasil tem como regra o sistema de livre convencimento motivado, onde o juiz pode avaliar a prova produzida de maneira livre, contudo suas decisões devem ser fundamentadas, explicando os motivos pelos quais chegou a determinada conclusão. Desse modo, o que se tem é que, não obstante as vantagens que a prova pericial possui em relação aos demais tipos de prova, como, por exemplo, o fato de ter pouca influência da vontade humana, por seguir o método científico, a ela não se confere valoração distinta das demais atividades probatórias, o seu valor terá o mesmo peso do que uma prova testemunhal, devendo o julgador, contudo, analisar todo o conjunto de provas para firmar o seu entendimento.
Na busca de seguir fundamentos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF 88) art 1º, III) e a busca de objetivos fundamentais, como construir uma sociedade livre, justa e solidária (CF 88, art 3º, I), cabe ao Estado investir cada vez mais nos avanços das perícias criminais, subsidiando recursos para pesquisas, valorização profissional dos peritos, integração comunitária entre perícia e sociedade. Desta forma a tentativa de se alcançar um sistema judicial, de fato, justo, moral, ético e imparcial, ganha lastro ao se buscar cada vez mais a evolução dos processos de produção de prova pericial.
REFERÊNCIAS
ARANHA, A. J. Q. T. de C. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
BRASIL, Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Publicado no DOU de 13/10/1941 e retificado em 24./10/1941.
CAPEZ, F. Curso de direito penal. V. 2. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
COSTA FILHO, P. E. G. da. Medicina legal e criminalística. Brasília: Vestcon, 2012.
FEITOSA, D. Direito processual penal: teoria, crítica e práxis. 7. ed. Niterói: Impetus, 2010.
LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. Vol. único. 5. ed. Salvador: JusPODVM, 2017.
LOPES JR., A. C. L. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MARQUES, F. J. Elementos de direito processual penal. V. 2. 3. ed. Campinas: Millennium, 2009.
MIRABETE, J. F. Processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
TOURINHO FILHO, F. da C. Prática de processo penal. 35. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.
Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=100 ; acesso em 25/02/2017