Primeiramente, reconhecemos as vantagens para o trabalhador em receber adicional de periculosidade. Como os advogados sabem, sendo porém fato desconhecido da grande maioria das pessoas, via de regra, adicionais de periculosidade e insalubridade não se acumulam. O trabalhador deve receber aquele que lhe é mais benéfico (embora, exista divergência, no TST, quando os motivos - causas geradoras - de periculosidade e insalubridade são distintos).
O adicional de periculosidade resulta em 30% do salário base do empregado. Já o adicional de insalubridade é calculado tendo como base o salário mínimo. Desta forma, se o salário base é de R$ 1.400,00, o adicional de insalubridade será de R$ 420,00. Quanto maior o salário base, maior o valor do adicional. Já o adicional de insalubridade (em grau máximo 40%) será de R$ 374,80, independente do valor do salário do trabalhador (saber mais - diferenças entre adicional de periculosidade e insalubridade - áudio TST).
Passamos à análise da Portaria nº 595/2015 do Ministério do Trabalho e Emprego.
O anexo regulamentado pela Portaria 3393/87 e Portaria GM n.º 518, de 04 de abril de 2003 - item 4.0, define que são consideradas áreas de risco: “Atividades de operação com aparelhos de raios-X, com irradiadores de radiação gama, radiação beta ou radiação de nêutrons, em Salas de irradiação e de operação de aparelhos de raios-X e de irradiadores gama, beta ou nêutrons”.
O trabalhador de saúde de áreas hospitalares fechadas requeriam, no Judiciário, o adicional de periculosidade. Com efeito, os peritos, quando verificavam que havia rotineiramente a realização de exames de Raio-X, confirmavam que o trabalhador laborava em sala de operação de aparelhos de raios-X, estando exposto a radiação.
A justiça laboral, por conseguinte, com base em jurisprudência pacificada e laudo pericial, condenava ao pagamento do adicional de periculosidade - OJ 345 DA SDI-1 do TST.
Veja-se que nada era feito de forma injusta ou sem avaliação científica, pelo contrário, só havia condenação quando o expert avaliava o local (que, diga-se, deveria ter sido avaliado pelo empregador anteriormente) e verificava a exposição. Ou seja, um profissional isento, com competência técnica, atestava a exposição do trabalhador à radiação.
Contudo, em maio de 2015, o Ministério do Trabalho publicou a Portaria 595/2015, que incluiu uma "nota explicativa" ao Quadro Anexo da Portaria 518/2003, que, por sua vez, define a atividade perigosa da NR-16 da Portaria Ministerial 3.214/78.
Sem cumprir os requisitos de elaboração de normas regulamentadoras (Portaria n.º 1.127/2003 do MTE), sem estudos científicos isentos, ou melhor dizendo, sem estudo científico, o MTE decidiu adicionar a "nota explicativa". Com efeito, a tal "explicação" da nota simplesmente define que o trabalho em salas de irradiação e de operação de aparelhos de raios-X e de irradiadores gama, beta ou nêutrons são consideradas áreas de risco. Porém, as operações de aparelhos de raio-X não são consideradas perigosas se realizadas nas UTIs, emergências, enfermarias e centros cirúrgicos. (!?)
Mas, os aparelhos de raio-X móveis não emitem radiação? Sim, emitem. Aliás, é somente por emitirem radiação que a placa de filme é gravada.
E os exames de raio-X realizados apenas eventualmente? Não, na experiência desta autora, como enfermeira de UTI Adulto, todos os pacientes, em ventilação mecânica, fazem um exame de raio x de rotina por dia no próprio leito. Além dos exames de rotina, são realizados exames de raio-X para acompanhamento de procedimentos, de terapêutica e de intercorrências. Mas, não é preciso acreditar nas experiências desta autora, a bibliografia médica indica a utilização de rotina do exame de raio-X em UTIs Adulto - Artigo 1, Artigo 2, Artigo 3).
Será que os aparelhos móveis "direcionam" melhor o raio para o paciente, ou, por serem "elétricos", não emitiriam radiação, ou ainda, a radiação seria depressível? Por obviedade, esta informação é falsa. Os fabricantes dos produtos salientam as medidas de segurança contra radiação no uso de aparelhos móveis. (exemplo 1, exemplo 2, exemplo 3)
Destaca-se o manual do aparelho Raio X Portátil Modelos MPX+ TROLLEY/ MPX+ BOX da GE Healthcare do Brasil Comércio e Serviços para Equipamentos Médico-Hospitalares Ltda (fl. 14).
Qualquer objecto que se encontre na trajectória do feixe primário produz uma radiação secundária (dispersa). A intensidade da radiação secundária depende da energia e da intensidade do feixe primário e do número atómico do material atingido pelo feixe primário. A radiação secundária pode ser mais intensa que a radiação que atinge a película. Tomar as medidas necessárias para se proteger contra esta radiação. Uma medida de protecção eficaz é o uso de protecções de chumbo. Para reduzir as exposições perigosas, utilizar elementos como protecções móveis de chumbo, aventais, luvas com protecção de chumbo, etc.. As protecções com chumbo deverão conter um mínimo de 2,0 mm de chumbo ou equivalente, enquanto que os dispositivos pessoais de protecção (aventais, luvas, etc.) deverão conter um mínimo de 0,25 mm de chumbo, ou equivalente. (grifo nosso, mantivemos a grafia)
Radiação secundária é aquela que dispersou do feixe de radiação primário (o que diretamente atinge o paciente para efetuar o exame).
Qual o argumento utilizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego para a alteração? Não sabemos ao certo. Mas, ao que parece, era diminuir o passivo trabalhista, conforme se verifica nas leituras das atas das reuniões da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), que deram ensejo à alteração. Não se lê, em nenhum momento, elemento técnico científico ou amparado na realidade fática.
Receber o adicional de periculosidade afasta o perigo de desenvolver doenças? Certamente não. Nenhum adicional pecuniário teria esta propriedade. Contudo, se o trabalhador não está vendendo apenas sua força de trabalho, mas também sua saúde, é justo que seja compensado por isto.
O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul requereu a anulação da Portaria nº 595/2015 do MTE ao Ministro do Trabalho em 2015. Contudo, não obteve êxito.
A boa notícia é que o Ministério Público do Trabalho entrou com Ação Trabalhista, requerendo nulidade da Portaria n. 595, de 07 de maio de 2015, do Ministério do Trabalho e Emprego. A petição inicial foi brilhantemente elaborada pelo procurador e instruída com relatórios técnicos e periciais conclusivos, indicando a absoluta falta de amparo técnico científico para a redação da Portaria do MTE nº 595/2015. Restou, também, evidente, que procedimentos não foram cumpridos no afã de diminuir passivos trabalhistas, em prejuízo do trabalhador. Leia na íntegra a petição inicial. (ACP processo número 0010840-69.2017.5.15.0151, 3ª Vara do Trabalho de Araraquara).
Esperamos que a Portaria nº 595 do MTE seja anulada por meio de decisão judicial nesta Ação Civil Pública, eis que, para a advocacia cotidiana, em reclamatórias trabalhistas, parece inviável requerer a nulidade. Com efeito, este tipo de requerimento pode atrasar - em anos - o prosseguimento de reclamatórias, inviabilizando o fim maior da ação - qual seja: o trabalhador obter as verbas que lhe foram suprimidas na relação de trabalho - no menor tempo possível - eis que são, via de regra, alimentares. Depositamos nossa confiança no valoroso labor do MPT em prol de todos os trabalhadores.