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Um julgamento político

Agenda 26/07/2017 às 15:20

Análise do caso concreto sobre o papel da Câmara dos Deputados no recebimento da ação penal pública contra o presidente da República por crime comum.

Estabelece o art. 86, caput, da Constituição Federal de 1988, que admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. As infrações penais comuns opõem-se às infrações político-administrativas (crimes de responsabilidade), e tanto estas como aquelas podem ser cometidas pelo Presidente da República durante o exercício do mandato presidencial.

Em sendo um crime comum (peculato, corrupção passiva, concussão etc), admitida a acusação por maioria qualificada de dois terços da Câmara dos Deputados o Presidente da República sujeitar-se-á ao Supremo Tribunal Federal, que permitirá ou não a instauração de um processo contra o Chefe do Executivo Federal. Percebe-se, pois, que o Presidente da República dispõe de prerrogativa de foro (prerrogativa de função). Somente a Corte Suprema poderá processá-lo e julgá-lo por crimes comuns (CF, art. 102, I, b), obviamente após o juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados, que precisará do voto de 2/3 (dois terços) de seus membros para autorizar o processo. É importante notar, no entanto, que a admissão da acusação pela Câmara dos Deputados não vincula a Corte Suprema (STF), que poderá rejeitar a denúncia-crime ou queixa-crime, caso entenda, por exemplo, inexistirem elementos suficientes de autoria e materialidade. Recebida a denúncia, o Presidente da República ficará suspenso de suas funções por 180 (cento e oitenta) dias; decorrido este prazo voltará o Presidente a exercer suas funções presidenciais, devendo o feito prosseguir até a decisão derradeira. Registre-se que enquanto não sobrevier sentença condenatória, o Presidente da República não poderá ser preso (art. 86, § 3º, da CF/88). Não se admite prisões em flagrante, preventiva e temporária, mesmo em se tratando de crimes inafiançáveis. Ademais, durante a vigência do mandato presidencial, não poderá o Presidente ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86,§ 4º, da CF/88). Em outras palavras, só haverá a persecução criminal após o término do mandato executivo, tendo em conta que o delito praticado não tem conexão com o exercício da função presidencial. Obviamente, haverá suspensão do curso da prescrição até o término do mandato executivo.

Nessa linha de pensar, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 305/QO, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 18 de dezembro de 1992, acentuou que o artigo 86, parágrafo quarto, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem político-funcional ao Presidente da República, exclui-o, durante a vigência de seu mandato – e por atos estranhos a seu exercício -, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação persecutória do Estado. Sendo assim a cláusula de exclusão inscrita no preceito constitucional, inscrito no artigo 84, parágrafo quarto, da Constituição Federal, ao inibir a atividade do Poder Público, em sede judicial, alcança as infrações penais comuns praticados em momento anterior ao da investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aqueles praticados durante a vigência do mandato, desde que estranhas ao oficio presidencial. Será hipótese de imunidade processual temporária.

Ficou acentuado que a norma constitucional consubstanciada no artigo 86, § 4º reclama e impõe, em função de seu caráter excepcional, exegese restrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas de ordem extrapenal.

Como conclusão se tem que a Constituição, no artigo 86, § 4º, não consagrou o princípio da irresponsabilidade penal absoluta do Presidente da República. O Chefe de Estado, nos delitos penais praticados ¨in officio¨ou cometidos ¨propter officium¨, poderá ainda que vigente o mandato presidencial, sofrer a ¨persecutio criminis¨, desde que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara dos Deputados.

Tal se dá em decorrência do princípio republicano, na possibilidade de responsabilizá-lo, penal e politicamente, pelos atos ilícitos que venha a praticar no exercício das funções.

No caso concreto, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou ao STF (Supremo Tribunal Federal) denúncia criminal contra o presidente Michel Temer (PMDB) e contra seu ex-assessor e ex-deputado federal Rodrigo Loures, ambos pelo crime de corrupção passiva. 

A ação penal precisa ser submetida ao crivo da Câmara dos Deputados para que possa ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que é o órgão judicial competente para apreciar e julgar crimes comuns cometidos pelo presidente da República no exercício do mandato. Trata-se de condição de procedibilidade. 

A condição de procedibilidade é o requisito que submete a relação processual à existência ou validez.

As chamadas condições especiais da ação, condições de procedibilidade, se distinguem das condições genéricas da ação (condições da ação já reportadas). As condições de procedibilidade são as que condicionam o exercício da ação penal, têm caráter processual e se vinculam , tão somente, à admissibilidade da persecução penal. 

O julgamento para o caso tem um mérito(lide) puramente político e não jurídico. 

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Sua índole é puramente política. 

Política é a ciência da governança de um Estado ou Nação e também uma arte de negociação para compatibilizar interesses. O termo tem origem no grego politiká, uma derivação de polis que designa aquilo que é público.

Dizia Rui Barbosa: "A esfera do tribunal ê unicamente decidir acerca dos direitos individuais, não investigar de que modo o Executivo (ou seus funcionários) se desempenha de encargos cometidos ã sua discrição".(BARBOSA, Rui. Atos Inconstitucionais. Campinas: Russel, 2003, p.110.). 

Firmou Rui Barbosa ainda a fronteira entre discricionariedade da administração pública, questões políticas e lesões aos direitos individuais.

O legislador pode decidir com base em argumentos de princípio político e em argumentos de procedimento político. O juiz, por sua vez, diante de um caso controverso pode e deve decidir com base em argumentos de princípio político, mas nunca invocando argumentos de procedimento político. (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, cit., p. 230; Cf ainda, DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio, cit., p. 6.)

O Congresso não está submetido às mesmas obrigações do Poder Judiciário. Ele é mais influenciado pelo ambiente político do país, não considerando questões legais com a mesma rigidez que o Poder Judiciário deve sempre observar.

É esse o ambiente que deve ser encontrado na Câmara dos Deputados para o julgamento do recebimento ou não da ação penal contra o presidente da República. 

Além de condição de procedibilidade para o julgamento da ação penal contra o chefe do Executivo Federal, essa apreciação tem índole puramente política e não jurídica.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um julgamento político. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5138, 26 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58987. Acesso em: 22 dez. 2024.

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