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A proibição da comercialização de órgãos humanos à luz da bioética e dos direitos da personalidade

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5 ISONOMIA

A Constituição Federal no seu artigo 5°, caput na primeira parte diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, ou seja, traz que todos têm direito de igualdade, ou, de isonomia, como também é chamado.

Esse é o conceito de igualdade formal, ou seja, de igualdade perante a lei, mas há, também, a igualdade material, que é a igualdade realizada na prática, isto é, a concretização da igualdade formal.

Uadi Lammêgo Bulos[25] fala que a “Carta brasileira de 1988, que diluiu a substância da isonomia ao longo do articulado constitucional, não se limitando a enunciar a igualdade ‘perante a lei’”. Isso significa que a constituição tem como objetivo não só proclamar o direito à igualdade, mas também fazer com essa igualdade seja efetivada no plano real. Além disso, vale salientar, que a isonomia é mais que um direito, é também um princípio, devendo servir de diretriz para as demais normas constitucionais.

Em relação ao comércio de órgãos, se fosse permitido, o princípio da isonomia seria abalado, visto que as pessoas não teriam as mesmas condições de comprar. Assim sendo, privilegiaria alguns em detrimento de muitos.

Dessa forma, tem-se “o propósito cimeiro da legislação: impedir a proliferação, em país miserável, de um macabro balcão de negócios envolvendo duas classes de desesperados a lutar pela vida: o favelado e o paciente terminal”[26].

Esse trecho exposto demonstra que quem se sujeitaria a condição de vendedor de partes do seu corpo, coisificando-se, seria a pessoa de miserável condição financeira. Enquanto o comprador seria o paciente, que está sofrendo por necessitar de um órgão. No entanto, não seria qualquer paciente, mas apenas o que tem condição econômica de pagar por um órgão, que como já exposto é muito caro. Assim, ficaria os demais pacientes, que não têm condição de pagar, a mercê do sistema.

Percebe-se, portanto, que o sistema de transplante não pode ser feito por uma atitude de recompensa financeira, pois abalaria o princípio da isonomia. Deve ser feito como é permitido em lei, ou seja, por meio de uma atitude altruísta. A solução, então, ao pouco número de órgãos em comparação ao número de pessoas que necessitam deve ser a educação e incentivo pelo Estado à doação de órgãos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer do presente trabalho foi analisado a questão do transplante de órgãos e a possibilidade de sua comercialização. A Lei nº 9.434/97 permite a doação de órgãos para transplante ou outro fim terapêutico post mortem ou inter-vivos, devendo ocorrer de forma gratuita e de acordo com as limitações legais.

Para a doação post mortem é necessário ter sido comprovada a morte encefálica e ter permissão escrita em documento do cônjuge ou parente de até segundo grau. Enquanto para a doação inter-vivos pode ocorrer para cônjuge e parente consanguíneo até o quarto grau ou pessoa diversa se autorizado judicialmente. Ademais, neste caso só é permitido se não causar prejuízo à saúde do indivíduo doador, com o fim de garantir bens jurídicos de elevada importância, quais sejam: a vida e a integridade física.

Como visto, infelizmente, há um número bastante alto na lista para adquirir um órgão, somente no primeiro semestre de 2016 haviam 33.237 incritos à espera da cirurgia, enquanto foram feitas 1.835 transplantes, sendo o rim e posteriormente o fígado os órgãos mais transplantados. Dessa forma, surge a ideia de buscar um órgão por um outro meio, que é pelo pagamento, no entanto, é uma prática ilegal, proibida tanto na Lei nº 9.434/97 como no Código Civil Brasileiro.

Porém, há quem defenda tal prática embasado no princípio de liberdade de autodeterminação do próprio corpo. Todavia, essa liberdade sofre limitação quando prejudica o direito à vida, à saúde e à integridade física, além de proibições legais, bons costumes e a ordem pública.

Ademais, a mercantilização de partes do corpo humano confronta com os princípios bioéticos, que são beneficência, autonomia e justiça. Deve-se ressaltar também que o mercado visa o lucro, o que por consequência pode tratar com menosprezo questões relativas a fatores genéticos, médicos e psicossociais, colocando em risco referenciais éticos. Além disso, é preciso ter liberdade pra o desenvolvimento da ciência e tecnologia, mas acima disso é necessário ter responsabilidade.

Outrossim, o comércio de órgãos viola os direitos personalíssimos, em especial o direito ao próprio corpo, que são irrenunciáveis, inalienáveis, intransmissíveis e extrapatrimoniais. Isso demonstra uma banalização com o corpo e dano à integridade física.

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É necessário registrar que o tráfico internacional de órgãos é o terceiro crime organizado mais lucrativo do mundo, como analisado no presente trabalho, que cresceu muito na última crise mundial, pois a oferta ocorre principalmente devido a problemas financeiros. Os órgão humanos vendidos ilegalmente são muito caros e, portanto, apenas pessoas de elevada condição econômica podem adquiri-los, o que fere o princípio da isonomia.

Para melhorar a conjuntura brasileira em relação à espera por transplante, é necessário que o Estado incentive a prática de doação. A sociedade precisa ser educada para isso, pois a doação de órgãos é o meio em que se pode aumentar o número de cirurgias de transplante e levar diginidade para a vida dos pacientes.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS. Registro brasileiro de Transplante. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=457&c=900&s=0>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[2] SOCIEDADE BENEFICENTE ISRAELITA BRASILEIRA. Transplante de órgãos. São Paulo. Disponível em: <http://www.einstein.br/hospital/transplantes/transplanteorgaos/Paginas/transplante-de-orgaos.aspx>. Acesso em: 01 dez 2015.

[3] CATÃO, Marconi do Ó. Biodireito: transplante de órgãos humanos e direitos de personalidade. São Paulo: Madras, 2004, p.91.

[4] CATÃO, Marconi do Ó. Op. cit., p.159-168.

[5] CAPELO DE SOUZA, Rabindranath Valentino Aleixo. O Direito da Personalidade. Coimbra, 1995. p. 223 e 226.

[6] SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES. Transplantes. Brasília, 2013. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/transplantes-old>. Acesso em: 19 set. 2013.

[7] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS. Registro brasileiro de Transplante. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=457&c=900&s=0>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[8] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS. Registro brasileiro de Transplante. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=457&c=900&s=0>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[9] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS. Registro brasileiro de Transplante. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=457&c=900&s=0>. Acesso em: 30 jun. 2016.

[10] ARRUDA, Samuel Miranda. Notas acerca do crime de tráfico de órgãos. Revista eletrônica PRPE, mai. 2004.

[11] ROGRIGUES, Alan. Tráficos de órgãos. Istoé, n. 2062, 20 mai. 2009. Disponível em: <http://www.istoe.com.br>. Acesso em: 4 set. 2013.

[12] BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2007.

[13] DI PIETRO, Maria Syvia Zanella. Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 111 e 113.

[14] COIMBRA, Celso Galli. Tráficos de órgãos humanos. 2009. Disponível em: <http://biodireitomedicina.wordpress.com/2009/02/12/trafico-de-orgaos-e-terceiro-crime-mais-lucrativo-segundo-policia-federal/>. Acesso em: 19 set. 2013.

[15] BILEFSKY, Dan. Mercado negro de órgãos humanos cresce na Europa. 9 jul. 2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/53426-mercado-negro-de-orgaos-humanos-cresce-na-europa.shtml>. Acesso em: 16 dez. 2013.

[16] POTTER, Van Rensselaer. Bioethics. Bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1971.

[17] PESSINI, L.; DE BARCHIFONTAINE, C. de P. Problemas atuais de bioética. São Paulo: Loyola, 1994.

[18] GUTTMANN, R. D. Future markets: claims and meanings. Transplantation Proceedings. 1992 Oct; 24(5): 2203

[19] GARRAFA, Volnei. O mercado de estruturas humanas - a soft human market. Bioética (Brasília) , Brasília - DF, v. 1, n.2, 1993, p. 121.

[20] CATÃO, Marconi do Ó. Op. cit., p. 178.

[21] SAIBA como é a vida de quem tem apenas um rim. Globo. 28 nov. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2014/11/saiba-como-e-a-vida-de-quem-tem-apenas-um-rim.html>. Acesso em: 05 jul. 2016.

[22] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil: introdução ao direito civil: teoria geral de direito civil. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p. 142.

[23] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Saraiva. 2013, p. 94.

[24] ROGRIGUES, Alan. Tráficos de órgãos. Istoé, n. 2062, 20 mai. 2009. Disponível em: <http://www.istoe.com.br>. Acesso em: 4 set. 2013.

[25] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 538-542.

[26] ARRUDA, Samuel Miranda. Op. cit.

Sobre as autoras
Mariana Ferrão Bittencourt

Advogada. Bacharel em Direito pela FDV.

Cristina Grobério Pazó

Doutora em Direito pela UGF. Mestre em Direito pela UFSC. Advogada. Professora da graduação e do PPGD da FDV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTENCOURT, Mariana Ferrão; PAZÓ, Cristina Grobério. A proibição da comercialização de órgãos humanos à luz da bioética e dos direitos da personalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5153, 10 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59578. Acesso em: 22 dez. 2024.

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