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Entendendo o STF

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Agenda 23/11/2017 às 13:10

4.    AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA INFLUÊNCIA POLÍTICA

Para seus defensores, a jurisdição constitucional é ambiente para afirmação da Constituição, lugar no qual as matérias são julgadas não com base em política ou interesses pessoais, mais sim no direito constitucional e a Constituição e as leis em geral se apresentam como limite à política e à representação.

Entretanto, para aqueles que criticam a jurisdição constitucional, seu fundamento reside no entendimento de que é dado muito poder aos togados. Entende-se que é conferido aos juízes “poder constituinte permanente”, permitindo que moldem a Constituição à suas preferências. Em outras palavras, sob o subterfúgio de proteção da Constituição, os magistrados poderiam impor sua opinião a todos. Assim, seu entendimento é de que a interpretação da Constituição cabe ao povo e seus representantes eleitos.

Há interferência política na escolha dos ministros e influências da opinião pública nas decisões, a Corte não está e nem poderia estar à parte da política, por isso se mostra extremamente importante que haja diversidade de pensamentos dentro da corte. Conforme Tavares: “Com efeito, a existência de apenas uma ou poucas correntes de pensamento na corte constitucional pode levar ao privilegio das mesmas, reduzindo a legitimidade do tribunal.”[18]

Assim, a influência política na escolha dos ministros, tal qual outros fatores, como a sociedade e os valores pessoais, pode influenciar os ministros e o colegiado como grupo, e, desta forma, ocasionar reflexos nos julgamentos proferidos pela Corte e no Estado Democrático de Direito no qual é fundamentada a República Federativa do Brasil.

4.1. As consequências nos julgamentos

A jurisdição constitucional quando interpreta o texto da Constituição ou analisa outras leis sob o olhar do texto constitucional, pode descuidar da real intenção do legislador constitucional, se atentar perfeitamente a ela, dando, portanto, uma compreensão conforme a idealizada originalmente ou, ainda, adequar a ideia inicial do legislador ao contexto atual da sociedade.

Conforme Francisco Campos[19], apud SARMENTO, et al. (2015, p. 79-80):

Juiz da atribuição dos demais Poderes, sois o próprio juiz das vossas. O domínio da vossa competência é a Constituição, isto é, o instrumento em que se define e se especifica o Governo. No poder de interpretá-la está o de traduzi-la nos vossos próprios conceitos. Se a interpretação e particularmente a interpretação de um texto que se distingue pela generalidade, a amplitude e a compreensão dos conceitos, não é operação puramente dedutiva, mas atividade de natureza plástica construtiva e criadora, no poder de interpretar há de incluir-se, necessariamente, por mais limitado que seja, o poder de formular... A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la; é o que demonstra o nosso Supremo Tribunal e, particularmente, a Suprema Corte Americana. Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição funciona, igualmente, o poder constituinte.

Cabe lembrar que há muitos casos em que o judiciário representa a maioria. Apesar de ser conhecida como contramajoritária, a jurisdição constitucional, em casos polêmicos em que o legislativo e o executivo se omitem por questões políticas, acaba por representar a vontade da maioria do povo. São exemplos os casos em que o STF reconheceu o direito das mulheres interromperem a gestação de feto anencefálico, consoante ADPF54/DF[20]. A opinião dominante na sociedade era a favor deste posicionamento, entretanto, não houve lei que inovasse o sistema jurídico neste sentido.

É possível vislumbrar os agentes eleitos questionando a constitucionalidade de leis ou projetos de leis de seus opositores, ou ainda, buscando afirmar a constitucionalidade da lei que ele tenha apresentado, dando, assim, a interpretação que lhe for mais conveniente. Enquanto vemos no judiciário, que faz leituras impessoais baseadas na ordem jurídica, cada posicionamento devendo ser motivado e fundamentado.

Também em função disto é que a decisão política da escolha dos ministros do STF é de suma importância para os agentes eleitos. Nestes casos polêmicos, em que o Tribunal já se posicionou de determinada forma, pode ser muito arriscado politicamente aos agentes eleitos, que buscam constantemente a aprovação do eleitorado, consolidarem outra posição através da criação de uma nova lei ou emenda constitucional, por exemplo.

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O que se observa é participação da subjetividade nas decisões dos magistrados, ou seja, de forma geral, eles são mais influenciados por seus valores e crenças.

Isto significa que os magistrados decidem e depois tecem sua tese jurídica para fundamentar sua decisão.  Esse foi o posicionamento revelado pelo ministro Luiz Fux[21]: “Como magistrado, primeiro procuro ver qual é a solução justa. E depois, procuro uma roupagem jurídica para essa solução. Não há mais possibilidade de ser operador de Direito aplicando a lei pura”. Bem como pelo ministro Marco Aurélio, que afirmou[22]: “Primeiro idealizo a solução mais justa. Só depois vou buscar apoio na lei.”

Conforme Sarmento ressalta, as decisões proferidas pelos magistrados devem ser fundamentadas e por isso não podem ser fruto de simples influência política.

Em primeiro lugar, juízes possuem a garantia da vitaliciedade. Como consequência, não estão sujeitos às circunstâncias de curto prazo da política eleitoral, tampouco, ao menos em principio, a tentações populistas. Uma segunda razão é que os órgãos judiciais somente podem atuar por iniciativa das partes: ações judiciais não se instauram de oficio. Ademais, juízes e tribunais não podem julgar além do que foi pedido e tem o dever de ouvir todos os interessados. No caso do Supremo Tribunal Federal, além da atuação obrigatória do Procurador-Geral da Republica e do Advogado-Geral da União em diversas ações, existe a possibilidade de convocação de audiências públicas e da atuação de amicicuriae. Por fim, mas não menos importante, decisões judiciais precisam ser motivadas, isso significa que, para serem válidas, jamais poderão ser um ato de pura vontade discricionária: a ordem jurídica impõe ao juiz de qualquer grau o dever de apresentar razões, isto é, os fundamentos e argumentos do seu raciocínio e convencimento. [23]

Por fim, importante ressaltar também que os candidatos indicados pelo Presidente de República, apesar da provável convergência ideológica ao governo atual, isso só é considerado no momento de escolha do candidato, pois futuramente o ministro poderia vir a adotar um posicionamento diferente, mudar de opinião sem que isso lhe trouxesse qualquer prejuízo. Conforme apontado por Patrícia Perrone Campos Mello[24],

(...) critério do partido político nos estudos empíricos do modelo ideológico parte do pressuposto de que as tendências ideológicas dos juizes não variam ao longo do tempo, uma vez que tais métodos de aferição ideológica se baseiam unicamente nas informações disponíveis sobre os magistrados no momento de sua indicação para a Suprema Corte. De fato, a invariabilidade ideológica dos juizes não corresponde à realidade, como já foi demonstrado acima.

Além disso, como antes citado, o Supremo Tribunal Federal representa a mais alta corte no Brasil, e, assim, o comportamento judicial dos ministros não é influenciado por ambições de promoção.

Desta forma, insta salientar que o legislador constituinte teve a devida cautela para resguardar a imparcialidade nos julgamentos, mesmo diante do método de escolha dos ministros. Tal assertiva se revela também através das garantias constitucionais aplicáveis aos ministros, que garantem a independência dos magistrados perante os outros poderes, e pela necessidade de fundamentação de suas decisões.

4.2. As consequências para o Estado Democrático de Direito

Segundo Carlos Ari Sundfeld[25], um Estado Democrático de Direito, caracteriza-se por ser criado e regulado por uma Constituição, pela sujeição dos poderes às leis criadas pelo legislativo, pela eleição dos agentes públicos pelo povo, com renovação periódica e pela titularidade de direitos do povo perante o Estado.

Segundo Riccitelli[26], historicamente o Brasil apenas se tornou um Estado Democrático de Direito em 1891, com a promulgação da primeira Constituição Republicana, que teve seu texto redigido por Rui Barbosa com base na Constituição norte americana. E é o tipo de Estado que perdura até hoje, segundo o que preceitua nossa Constituição.

Uma das maiores críticas feita à jurisdição constitucional reside no fato de a interpretação da Lei Maior ficar a cargo de agentes não eleitos, implicando eventualmente, em posicionamentos contramajoritarios e antidemocráticos.

Entretanto, vislumbra-se que o recente (segunda metade do século XX) crescimento da jurisdição constitucional está intimamente ligado à democratização dos Estados.

Além do mais, como lembrado por Peixoto[27], no âmbito jurídico brasileiro, o Tribunal Constitucional é estabelecido pelo poder constituinte originário, bem como sua legitimidade e sua forma de composição e indicação de ministros. Entende-se, portanto, que esta é a manifestação suprema de vontade do povo, não havendo que se falar em uma Corte antidemocrática.

Teoricamente, ainda conforme leciona Peixoto[28], a forma de indicação escolhida pela Constituição, que prevê a indicação presidencial para os membros do Supremo Tribunal Federal, é legitimada indiretamente, já que os membros são escolhidos por representantes do povo e o sufrágio universal se mostra basilar a estas decisões, seja a presidencial de indicar algum candidato ao cargo de ministro ou as prolatadas pelos membros do tribunal.

A comprovada influência política na escolha dos ministros do STF e o atual quadro político eleitoral, entretanto, trazem implicações para a democracia. Como antes apresentado, atualmente há relação direta entre receitas e votos, sendo certo que o princípio constitucional da democracia resta violado e assim, não há que se falar em validação dos membros escolhidos diante da eleição daqueles que os escolheram.

Insta evidenciar que apesar de o entendimento técnico jurista ser de suma importância quanto à Constituição Federal, este é um documento que não pode ser interpretado com alienação do povo, já que caracteriza os fundamentos do Estado e a vontade do povo, de forma geral. Assim, quando o Tribunal é sensível a vontade da maioria, ainda que não seja um órgão composto por agentes eleitos, se mostra um órgão democrático.

Vislumbra-se papel de fundamental importância da Corte para a democracia brasileira. Por um lado, a corte representa a opinião contramajoritaria, resguardando o interesse das minorias e, por outro, representa a opinião da maioria que, por muitas vezes, no âmbito político, apesar de vista, é ignorada. Isso só é possível diante da escolha política dos magistrados somada às garantias constitucionais, que permitem opiniões diversas sendo reveladas em um único contexto dentro da Corte.

Isto é demonstrado na pesquisa realizada pelo IBOPE em 2012[29], que avaliou a confiança que a população tem nas instituições. Em uma escala de 0 a 100, o STF obteve um índice de 54 de aprovação, enquanto o Congresso Nacional 35.

Assim, o estado democrático de direito não é ofendido quando da escolha dos ministros conforme vislumbrado pelo legislador constitucional, pois a indicação dos ministros é prevista constitucionalmente e cada ato, seja a indicação presidencial, a aprovação do Senado ou a efetiva nomeação do candidato ao cargo de ministro, é sujeito à legislação vigente, não contrariando nenhum principio constitucional.

Sobre a autora
Beatriz M. Oliveira

Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, especialista em Direito Processual Civil e bacharel em Direito pela mesma instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Beatriz M.. Entendendo o STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5258, 23 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59591. Acesso em: 22 dez. 2024.

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