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Reflexão sobre dia dos pais:

inacabado ser humano e seu dilema existencial

Agenda 18/08/2017 às 14:00

Pai ausente ou presente, biológico ou não, filhos negligenciados ou filhos que contradizem os pais... O que há de misterioso nessa relação que se desdobra em vários matizes?

Acabamos de comemorar o Dia dos Pais. Presentes, abraços, imagens de família reunida. Pais presentes, pais ausentes. Pais presentes: estiveram fisicamente próximos dos filhos; deram educação moral e intelectual; forneceram condições materiais, através da herança, para os filhos viverem na linha ou acima do existencial mínimo à dignidade humana.

Pai

Pode ser que daqui algum tempo

Haja tempo pra gente ser mais

Muito mais que dois grandes amigos

Pai e filho talvez

Pai

Você foi meu herói, meu bandido

Hoje é mais muito mais que um amigo

Nem você, nem ninguém tá sozinho

Você faz parte desse caminho

Que hoje eu sigo em paz

Fábio Júnior, compositor e cantor. Trouxe-nos belíssima canção. A relação entre pais e filhos não é sempre harmoniosa.

Sou uma gota d'água

Sou um grão de areia

Você me diz que seus pais não te entendem

Mas você não entende seus pais

Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo

São crianças como você

O que você vai ser

Quando você crescer

Renato Russo, compositor e cantor. Também trouxe belíssima canção. Mais uma vez, a relação entre pais e filhos não é harmoniosa.

Hodiernamente, no ordenamento jurídico pátrio, discute-se sobre danos morais, em caso de Síndrome de Alienação Parental (SAP), abandono afetivo.


Alienação Parental — LEI Nº 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a alienação parental.

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

No site Alienação Parental, a descrição da Síndrome de Alienação Parental (SAP):

Síndrome de Alienação Parental (SAP), também conhecida pela sigla em inglês PAS, é o termo proposto por Richard Gardner [3] em 1985 para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro genitor.

Os casos mais frequentes da Síndrome da Alienação Parental estão associados a situações onde a ruptura da vida conjugal gera, em um dos genitores, uma tendência vingativa muito grande. Quando este não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, vingança, desmoralização e descrédito do ex-cônjuge. Neste processo vingativo, o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro. (Fonte: SAP)

O PLS (700/2007) propõe acréscimo de norma no Estatuto da Criança e do Adolescente para punir os pais descumpridores de seus deveres muito mais do que reprodutivos, o dever de assistência moral. Sem assistência moral, na visão do legislador, o desenvolvimento psicológico e social, das crianças e dos adolescentes, fica comprometido quando os pais não dão assistência moral.


LAÇOS FAMILIARES

O que caracteriza laço familiar? Transmissão de cromossomos XX e XY? Ensinamentos morais capazes de gerarem vida cívica? Herança para a prole ter uma vida digna? Atualmente se discute sobre adoção de criança e de adolescente por casais LGBTs.

Para os conservadores, sejam psicólogos ou não, esse tipo de constelação familiar poderá, em algum momento longínquo, desencadear gravíssimas neuroses. Bom, se for verdade, parece que o Homo Sapiens, antes da institucionalização do matrimônio, da formação familiar XX e XY, todos eram doentes emocionais e psíquicos.

Extraordinariamente, de Homo Sapiens ao surgimento do Homo Sapiens Sapiens. Ou seja, a própria psicanálise e psiquiatria sabem que ciência exata é a única exata; ciências humanas, probabilidades.

Em várias conversas com desconhecidos e pesquisas na internet, o perdão, o amor, o desgosto, a repulsão aos pais ausentes. Geralmente, os filhos que amam seus pais dizem que eles foram bons. E o que é ser bom pai e mau pai?

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  1. Meu pai é bom, pois pagou minha universidade.
  2. Meu pai é bom, pelo motivo de me livrar de um namoro fracassado.
  3. Meu pai é bom, presenteava-me quando ele conseguia fazer ótimo contrato.
  4. Meu pai é bom, porque, com alguns tapas, fez-me homem.
  5. Meu pai é bom, por me dar palavras consoladoras quando eu me sentia fracassado.

Alfred Adler dizia que os filhos são resultados, emocional e psíquica, do tipo de educação transmitida pelos pais. Há pais autoritários, chantagistas e tolerantes. No autoritário, em nenhum momento demonstra reconhecimento pelo que o (a) filho (a) faz. Fez bem? É dever.

O sentimento de dever cumprido apenas. Chantagistas, dão recompensas quando o (a) filho (o) faz o que o pai determina. Tolerantes, tudo é permitido para a criança não ficar triste e, consequentemente, o pai não esquentar sua cabeça. Em todos os casos, segundo Adler, os filhos crescem sem maturidade psicológica. Podem as proles, quando adultas, serem tiranas ou recalcadas. Em todo caso, neurose familiar.

Os psicanalistas sempre investigam a relação "pais e filhos"; é a constelação familiar desencadeadora de inúmeras neuroses comportamentais. Há casos nos quais os filhos, quando os pais são, em excesso, autoritários ou passivos, transferem seus sentimentos afetivos para outros personagens, o vizinho, a vizinha, o ator, a atriz. Nesse conflito interior, da criança, ou do adolescente, a imagem foi substituída por outras pessoas. Os pais não são mais os queridos.

Também há a substituição, a imago, da figura do pai, ou pais, por algo que dê atenção, importância, coragem, determinação, conforto, reconhecimento: o dinheiro. Cédulas, moedas. Valores muito além do comprar e vender. Ter dinheiro — quanto mais, muitíssimo melhor —, em muitos casos, é uma substituição (imago) do sentimento afetivo ausente do pai.

Eis uma das discussões sobre os danos morais e condenações pecuniárias: os filhos apenas agem motivados por vinganças pessoais contra os pais ausentes? Ou seria uma compensação sentimental pelos anos sem os sentimentos afetos do pai ausente? Arrisco-me, como nenhuma ciência é exata, no conflito interior: a imago foi substituída pelo dinheiro.

O dinheiro é necessário para sobreviver, a não ser que alguém more numa propriedade com tudo que possa favorecer à sobrevivência. Um autossustentável. Contudo, hodiernamente, a felicidade é ter. Teologia da Prosperidade, campanhas publicitárias associando "prazer", "invencibilidade", "inteligência", "meritocracia", "autossatisfação" ao possuir. O dinheiro, então, é uma chupeta para acalmar os ânimos, as frustrações emocionais. Quando a chupeta é tirada, os choros. Chupeta, no sentido de supercompensação.

Nesse aspecto, o método Adler ensinava ao indivíduo libertar-se dos medos, medos estes tanto pela forma de educação dos pais, quanto aos próprios medos inerentes a cada ser humano, independentemente de ser pai, mãe, avó, filho, tio etc. Ter consciência dos próprios atos, não criar supercompensações ilusórias externas. Não é uma roupa, não é o dinheiro, não são diplomas e certificados, a felicidade é o bem-estar consigo mesmo, de forma que possa viver tranquilo consigo e com a coletividade. Retornando aos exemplos:

  1. Meu pai é bom, pois pagou minha universidade.
  2. Meu pai é bom, pelo motivo de me livrar de um namoro fracassado.
  3. Meu pai é bom, presenteava-me quando ele conseguia fazer ótimo contrato.
  4. Meu pai é bom, porque, com alguns tapas, fez-me homem.
  5. Meu pai é bom, por me dar palavras consoladoras quando eu me sentia fracassado.

Imaginemos certa situação. O pai ensina: LGBT é maldição; muçulmano é terrorista; feminista é bitolada e filha do capeta. A prole tem todos os cuidados de um bom pai, custeou educação (escola, colégio e universidade), indumentária etc.

Até a primeira metade do século XX, o pai, ou a mãe, seria um pai perfeito. Pós segunda metade do século XX. Pais aos 40 anos de idade, em 2000 . Valores morais: LGBT é maldição; muçulmano é terrorista; feminista é bitolada e filha do capeta. A prole, com 17 anos de idade, aprendeu que os LGBTs, os muçulmanos e as feministas também possuem direitos humanos. Isto é, direitos sociais, culturais, econômicos, civis e políticos devem ser respeitados.

Acima de tudo, toda cultura humana tem seus erros e acertos. Nesse aspecto, pela característica humana, cada cultura tentará justificar suas atrocidades e virtudes. Em muitos momentos, ninguém está errado. Tudo é justificável. Não à toa, os conflitos religiosos, políticos. Pois bem, esses jovens, de 17 anos biológicos, passam a ver o pai, ou pais, como pessoas destetáveis. Conflitos emocionais nos próprios filhos: como posso não amar alguém que me deu amor, proteção?

Um pai abandona a filha. A filha, com 20 anos de idade, recebe o pai em sua residência. A mãe, por sua vez, diz que a filha deve conversar com o pai. A filha se recusa. "O que ele fez esse tempo todo, nada!", enfatiza a filha. Por que a filha não quer ouvir? É um direito dela, claro, mas por quê? Porque existem sentimentos que não podem ser medidos e catalogados em laboratórios, como se todos os seres humanos pensassem, agissem igualmente.

Se assim fosse, os psicanalistas seriam dispensados e os computadores assumiriam. O mesmo vale para os psiquiatras e seus comprimidos: único comprimido, todos curados. Amor e ódio, faces da mesma moeda. Conversar, procurar entender, e exige estar no lugar do outro, daí empatia, causa dor. E dor, ninguém quer sentir.

Partindo pelo sentimento de compreensão, os filhos de pais cujos valores morais — LGBT é maldição; muçulmano é terrorista; feminista é bitolada e filha do capeta — estão incompatíveis com as novas informações e posturas da cultura brasileira, pela lógica, os filhos detestariam os próprios pais. No entanto, não é ratificação plena, pois a mente humana é complexa.

Se os filhos do pai racista e preconceituoso podem ser perdoados, o perdão se deve pela presença amorosa do pai. Se a filha detesta o pai que ficou ausente por 20 anos, não há perdão pela ausência dele, pelo amor ausente dele. Então, é a presença que dá o amor, o perdão? Também não. Há casos, como do exemplo da filha e do pai ausente, nos quais alguns filhos, após longa conversa, perdoam seis pais ausentes. Por quê? Diálogo e, principalmente, coragem para ouvir o que o outro tem a dizer. Desse confronto, emoções fortes.

Quando transcrevi as letras de Renato Russo e de Fábio Júnior, quis demonstrar que os pais erram, os filhos erram: ambos, pais e filhos, seres humanos inacabados. Por serem inacabados, como qualquer ser humano, o infinito construir de suas personalidades. Para condenar os pais racistas ou preconceituosos, os filhos deverão vasculhar o período histórico cultural. Se são frutos de valores culturais racistas e preconceituosos, quais as culpas reais de seus pais?

Se o pai ausente se justifica pelo seu medo diante da responsabilidade de criar e educar o novo ser, a filha tem que se perguntar o quanto ela é capaz para deliberar corretamente em cada etapa de sua vida. Imaginação, algo fácil. Estar no olho do furacão, os sentimentos são outros. Se assim fosse, a capacidade de agir positivamente em determinadas situações, por exemplo, os exércitos dos EUA, ou de qualquer país, não gastariam trilhões, bilhões, milhões de dólares em pesquisas sobre comportamento humano em batalhas. Mesmo assim, os traumas pós-guerra são substanciais. O mito do super-homem, não de Nietzsche, só existe no imaginário.

O legislador original constituinte, de forma lúcida, criou o art. 3 da CRFB de 1988. Portanto, como ser inacabável, compete, a cada brasileiro, repensar sobre suas próprias virtudes, defeitos. E diante do caudaloso conflito emocional, libertar-se das amarras da invencibilidade. Isso não quer dizer que os filhos sejam obrigados dialogarem com os pais, sejam eles racistas, preconceituosos ou ausentes. Mas a capacidade de ouvir e compreender, consideravelmente, contribui para a materialização da norma supracitada.

Por que amar meu pai? Este ser humano dotado de razão, mas também de sentimentos. Se a Natureza, para os ateus, ou o Criador, para os religiosos, capacitou o Homo Sapiens de aparelho fonador, de neocórtex, por que não os usar em prol do próprio desenvolvimento emocional, psíquico?

Pai. Seja biológico ou não, importa o amor. Pais, somos como eles. Imperfeitos, por serem também seres humanos. A diferença entre perfeição e imperfeição está, respectivamente, amar incondicionalmente e amar por obrigação de criar. Pais que deixaram o plano terrestre. Não existem mais quando, definitivamente, inexistem nas lembranças de quem respira o ar da Terra. Dias dos pais, data simbólica. O amor não tem data, o amor é onipresente.

Pai católico, maçom, umbandista, rosacruz, budista, hinduísta. Importa o interior, o afeto, não o rótulo. Pai capitalista, comunista, socialista, socialista democrático, apolítico. Afeto que importa à prole. Pai rico ou pobre, importante o carinho, o afeto, a amizade, a educação para a prole saber caminhar com a própria capacidade de raciocinar. Pais ausentes.

Seja corporal ou emocionalmente. Mesmo assim são pais, pois deram um corpo para a alma habitar e se desenvolver. Há contradição no que escrevi aqui e anteriormente? Não. Pois um Pai Maior, ou Natureza, permitiu que pudéssemos ser pais e filhos, não importando sermos bons ou maus pais e filhos. Assim, sempre devemos agradecer, mesmo que o filho ou filha não corresponderam às expectativas, mesmo que os pais não corresponderam às expectativas dos filhos. Reflitamos sobre a data, para não celebramos apenas aparência e consumismo.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HENRIQUE, Sérgio Silva Pereira. Reflexão sobre dia dos pais:: inacabado ser humano e seu dilema existencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5161, 18 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59779. Acesso em: 22 dez. 2024.

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