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Direito à intimidade e à privacidade nas redes sociais sob o enfoque criminológico no Município de Barreiras-Bahia

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5. LEGITIMIDADE DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA NO ÂMBITO NORMATIVO

Com o desenvolvimento exagerado das novas tecnologias, tornou-se muito fácil a invasão da vida íntima das pessoas, por isso torna-se necessário a tutela desse direito pelas cartas normativas. No entanto, não se tem uma proteção no que tange especificamente, ao contexto das redes sociais.

A evolução da vida moderna, através da intensificação das relações sociais e do progresso dos meios técnicos, tende a uma limitação cada vez maior da esfera em que se pode viver ao abrigo de interferências alheias. Por isso mesmo, hoje mais do que nunca, coloca-se o problema de tutelar o indivíduo contra a invasão do próximo, bem como das autoridades: como já se escreveu, e cada um de nós tivesse que viver sempre sob as luzes da publicidade, acabaríamos todos perdendo as mais genuínas características de nossa personalidade, para nos dissolver no anônimo e no coletivo, como qualquer produto de massa. (GRINOVER, 1982, p.69).

Na observância do enfoque destas discussões, analisam-se esses estudos com base na Constituição Federal de 1988, onde é encontrado o Direito à Privacidade e a Intimidade, fundamentando-o com o objetivo de mostrar aqui, à sociedade, especificamente ao município de Barreiras-Ba, se relacionando com os conflitos causados pela violação do Direito à Privacidade. Nesse aspecto, consoante a Constituição Federal Brasileira de 1988:

Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.(BRASIL, 2005)

O Código Civil também traz em seu texto, fundamentado no Art.5º da Constituição Federal, disposições sobre o Direito da Personalidade: “Art. 21 - A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. (BRASIL, 2005)

Ainda como fundamento de garantia para o direito à Privacidade e à Intimidade, que segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948, é um dos direitos humanos que deve ser mais respeitado e garantido, temos:

Artigo 12 – ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicilio ou na sua correspondência, nem ataques a sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito à proteção da lei. (BRASIL, 2005).

Diante disso, é notório que os direitos fundamentais apresentam diversas características intrínsecas na sua normatividade, que fazem com que se torne o direito que não se viola, ou com menos possibilidades de fazê-lo. De acordo com PEREIRA (1994, p.153), onde, esses direitos estando sobrepostos a qualquer condição legislativa, mostram-se absolutos, irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis.

Absolutos, porque são oponíveis erga omnes; irrenunciáveis, porque estão ligados a pessoa a quem pertence, assim estando totalmente ligados a esse titular, este direito não pode ser violado; intransmissíveis, porque o detentor goza dos atributos que lhe são conferidos, o que caracteriza a intransmissibilidade desse direito para outrem não importando se de forma gratuita ou onerosa; imprescritíveis, porque independente de tempo, o titular poderá invocar esses direitos quando quiser. Desta forma, segundo o enfoque jurídico, a violação dos direitos de personalidade constitui prática ilegal, sendo rechaçada pelo ordenamento jurídico.


6. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS: RESGUARDO A INTIMIDADE E PRIVACIDADE VERSUS LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO

No ordenamento jurídico brasileiro, é possível que haja a colisão de direitos fundamentais. Estes direitos não são absolutos, logo se aplica o Princípio da Relatividade dos direitos fundamentais, pois a existência de um, pode limitar a observância de outro. Um exemplo disso é a colisão entre os direitos de liberdade de expressão e informação com o resguardo a intimidade e a privacidade. Para explicitar essa ideia, recorre-se a Constituição Federal de 1988: “artigo 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, segundo o disposto nesta Constituição”. (BRASIL, 2005).

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Este artigo não impõe restrição a nenhuma informação, sob qualquer veículo. Em uma interpretação restritiva, subentende-se que mesmo uma informação que contenha conteúdo íntimo, poderia ser manifestada e divulgada sem qualquer problema.                                                                                          

Porém, o artigo 5º, X limita a existência do direito a liberdade de expressão, e numa interpretação mais harmônica a partir dos preceitos constitucionais, veda-se a manifestação e a divulgação de informações que violem a Privacidade e a Intimidade de outrem. A partir de um dos fundamentos básicos do Direito Constitucional, se concretiza esta ideia: os direitos fundamentais não podem servir de escudo para a prática de atos ilícitos.


7. VIOLAÇÃO DO DIREITO A PRIVACIDADE E À INTIMIDADE SOB O ENFOQUE CRIMINOLÓGICO

Apesar de o direito à Privacidade e à Intimidade serem protegidos pela Constituição Federal, a invasão, e, portanto, a violação de tais direitos, pode ocasionar um dano irreparável ao indivíduo, visto que a imagem que ele construiu e tentou manter inabalada durante toda a sua vida, pode ser destruída. A reparação pecuniária existe, mas aquilo que foi veiculado sobre o indivíduo, permanece no subconsciente das pessoas, que podem geralmente tratá-la de maneira discriminada, ferindo, assim, sua honra objetiva (reputação), e sua honra subjetiva (autoestima).

Vê-se diariamente casos de pessoas que ”abrem mão” de sua intimidade e privacidade para determinada pessoa ou grupo de pessoas, e que acabam sendo vítimas, tendo sua intimidade e privacidade publicizada pelo outro ou por um cracker para o resto do mundo.

É o caso de Carolina Dieckmann que teve suas fotos íntimas vazadas na internet. É válido ressaltar que o anonimato que se acha que se tem na Internet nem sempre é possível, e este caso é a prova cabal disto, pois o cracker que divulgou as fotos da famosa foi rastreado e está respondendo pelo crime praticado.

Outro exemplo nítido de tal fato é a Xuxa em seu problemático filme “Amor Estranho Amor” (1979) em que ela pratica atos sexuais com um garoto menor de idade, sendo que este filme já foi retirado de circulação da Internet milhares de vezes, mas sempre volta trazendo grande repercussão na vida da apresentadora.

Assim sendo, a criminologia se faz muito importante para entender tais questões.A vítima recebe uma importância e uma atenção de forma mais relevante do que em relação a esfera jurídico penal. Ela deixa de ser uma mera informante, e passa a ser um ponto especial no que diz respeito ao estudo do delito e do delinquente. Assim sendo, segundo (MOLINA,1999, p.43):

A Criminologia é a ciência empírica e interdisciplinar que tem por objeto o crime, o delinqüente, a vítima e o controle social do comportamento delitivo e que aporta uma informação válida, contrastada e confiável, sobre a gênese, dinâmica e variáveis do crime - contemplado este como fenômeno individual e como problema social, comunitário - assim como sobre sua prevenção eficaz, as formas e estratégias de reação ao mesmo e as técnicas de intervenção positiva no infrator.

Portanto, a partir do saber criminológico, é possível se ter uma compreensão mais aprofundada da realidade que nos cerca. Ao contrário da esfera penal, que se preocupa apenas com as sanções e com os elementos constitutivos do crime, a criminologia se preocupa com a etiologia do crime, buscando compreender o delinquente (suas motivações para a prática da conduta desviante) e a vítima (consequências decorrentes da conduta do delinquente), buscando formas de reduzir a ocorrência de tais situações, a partir do controle social informal (família, escola, igreja) e formal (Ministério Público, Polícia, Direito Penal).Desta forma, procura compreender os fenômenos comportamentais e psicossociais que o Direito Penal não se preocupa.

Diante disso, a partir da metodologia do saber empírico, a Criminologia procura entender as causas. Procura analisar, e através da observação, conhecer o processo, utilizando-se do método indutivo para depois estabelecer seus preceitos, a contrário sensu do Direito Penal, que se utiliza do método dedutivo.


8. RESULTADOS E DISCUSSÕES DOS CASOS DE VIOLAÇÃO DO DIREITO A PRIVACIDADE E À INTIMIDADE NAS REDES SOCIAIS NO MUNICÍPIO DE BARREIRAS-BAHIA.

Considerando-se o fato de que a criminologia é uma ciência empírica que utiliza o método indutivo como pressuposto para a observação, no tocante ao tema proposto foram aplicados questionários a 40 indivíduos, entre homens e mulheres, com o intuito de se obter um número suficiente de casos particulares a fim de se chegar a uma conclusão geral.

Destarte, o questionário aplicado consiste em 12 (doze) perguntas, sendo 8 (oito) questões objetivas e 4 (quatro) subjetivas com o objetivo de verificar-se na prática, a aplicabilidade dos estudos criminológicos no que diz respeito aos casos de violação à Intimidade e à Privacidade nas redes sociais no município de Barreiras-Bahia.

Dos entrevistados 82% eram do sexo feminino e 12% do sexo masculino. Com relação à idade dos respondentes, verificou-se a menor idade sendo de 17 anos e a maior de 35 anos, entretanto o público que mais interessou foi aqueles que registraram no questionário que já tiveram seu direito a privacidade e a intimidade violados em redes sociais, compondo 30% dos entrevistados, sendo estes predominantemente do sexo feminino e com idade entre 17 (dezessete) a 22 (vinte e dois) anos. No que tange a classe social, 15% se inseriam na classe baixa, 63% se classificavam como sendo de classe média e 22% se incluíram na classe alta.

Notadamente, a rede social utilizada com maior frequência entre os entrevistados é o Whatsapp, sendo utilizada entre 89% destes, a segunda rede social mais utilizada é o Facebook com 7% de predominância em uso.

Com relação aos dados coletados, verificaram-se casos verídicos de violação que podem abarcar estudos mais detalhados acerca do delito, do delinquente e da vítima. Em outra vertente, notaram-se também posicionamentos neutros, o que é aceitável, pois o tema exige uma subjetividade muito grande.

Diante do exposto, no que tange aos casos que merecem uma maior atenção da Criminologia, dos 40 (quarenta) questionados, 12 (doze) afirmam ter utilizado as redes sociais para enviar conteúdo íntimo para outrem, geralmente para pessoas com a qual mantém laço afetivo.

Outro aspecto relevante é o fato de que destas, nenhuma prestou ocorrência nos órgãos competentes até porque não se sentem seguras para procurar o auxílio do Estado (cifras negras).

De acordo com o que foi analisado nos questionamentos, observa-se o perfil do agente, como um homem “romântico”, com uma boa aparência, persuasivo,ou seja, o agente procura agradar a vítima, fazendo com que ela se sinta segura para lhe fornecer dados íntimos. Notou-se ainda que a exposição da privacidade e da intimidade da vítima se dá também, através de parceiros que não aceitam o fim do relacionamento e objetivam atacar a integridade moral e psicológica da vítima.

 Assim sendo, com relação aos motivos que levam a vítima a ceder dados da sua esfera íntima e privada, pode-se afirmar, mediante a análise dos questionamentos, que a vítima é impulsionada por fortes sentimentos em relação aoagente, fazendo com que tenha referente ao mesmo, confiança e segurança para permitir o acesso a sua privacidade e intimidade.

Em outra vertente, quando o conteúdo é publicizado, e outros usuários acabam tendo acesso, o indivíduo se sente coagido pela sociedade, tem sua reputação afetada, e se encontra numa situação de vulnerabilidade, sobretudo, pelo fato de a rede social, ter uma capacidade enorme de disseminação da informação, não podendo se ter um controle efetivo do fluxo de dados, que pode chegar ao conhecimento de milhões de usuários numa velocidade bombástica.

Sendo assim, segundo MOLINA; GOMES (2010), o sujeito se insere em um processo de vitimização primária, secundária e terciária. Primária, pois, a agressão que a vítima sofre ante ao agressor, a deixa em uma situação de risco e vulnerabilidade, em virtude da rápida e abrangente repercussão que este conteúdo pode vir a ter no contexto das redes sociais; secundária porque a vítima tem um descrédito em relação ao Estado e terciária uma vez que o Estado não toma conhecimento dos casos, pois se mostra ausente, não dispondo do aparato necessário para lidar com esse tipo de situação.

Nos casos analisados, nota-se que o processo comportamental ensejador da conduta que propulsiona a violação do direito à intimidade e à privacidade nas redes sociais, assim como nos crimes passionais, é a forte emoção, só que aqui, esta emoção faz com que o indivíduo abdique da sua esfera íntima e privada e a compartilhe com alguém de sua confiança na tentativa de agradá-la.

Porém, com o término do relacionamento, aquele indivíduo que recebe o conteúdo íntimo, muitas vezes o divulga nas redes sociais, motivado por raiva ou ódio. Este conteúdo se espalha através da Internet de forma muita rápida, gerando um grande constrangimento e vergonha no indivíduo que tem a sua privacidade e intimidade exposta. Além de consequências que podem ser regidas pelo Direito, há também consequências psicológicas, podendo gerar casos de depressão, suicídio e entre outros.

Além do estudo sobre o agente e consequências que a ação deste possa causar futuramente a vítima, deve-se analisar também a parte que cabe a vítima, observando sua conduta e analisando se esta condiz com o que o agente necessita para a prática da violação ou se foi dada apenas por conta deste.

Com base no disposto acima, é possível analisar a vítima aqui, a partir de Mendelsohn (on-line), que teorizou através da tipologia das vítimas. O autor classifica tipos de vítimas, sendo que estas são classificadas de acordo com sua participação no crime.

Há alguns tipos de vítimas citadas por ele que se enquadram no perfil de vítimas que foram encontrados nos casos analisados, como a vítima inocente e a vítima provocadora, onde a vítima inocente, segundo o autor, é aquela que não participou, ou não provocou nada para que esse delito ocorresse, e a provocadora é aquela que, mesmo de forma voluntária, imprudente ou negligente, colabora para que o agente alcance o fim desejado.

Sendo assim, reforça a ideia de que se deve haver sempre uma análise de caso concreto para que não possa dispor somente o agente como causador do delito.

Sobre os autores
Silvanete Gomes dos Santos

Acadêmica do curso de direito

Antonio Dias de Souza Filho

Acadêmico do curso de direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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