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Feminicídio: uma análise crítica da nova qualificadora introduzida pela Lei 13.104/2015

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4 CONCLUSÃO

Nos dias atuais a demanda social de proteção por meio do Direito Penal não se vê satisfeita de um modo funcional, o Direito Penal vem sendo utilizado, e até com certa frequência pelo legislador como resposta imediata a todos os problemas sociais relatados – com requintes de sensacionalismo – pela mídia, sem maiores reflexões, gerando um populismo penal inadmissível, onde a ciência é concebida como a verdadeira panaceia contra todos os males.

Nesse passo, não se pode negar o efeito positivo advindo da elaboração da novel qualificadora, uma vez que reforça o efeito preventivo geral da força simbólico-comunicativa do Direito Penal em relação ao crime perpetrado contra a mulher, especialmente se levarmos em consideração o subdesenvolvimento cultural e a incompreensão que assola a sociedade brasileira, que em sua maioria não compreende que o delito já existia na modalidade qualificada, tal como já se demonstrou o seu abrigo na figura do homicídio qualificado pelo motivo torpe, com efeito idêntico.

E o que se tem, é uma verdadeira inflação penal, onde verificamos muitas neocriminalizações e pouquíssimas descriminalizações. Ao invés de tendermos para um Direito Penal cada vez menos interventivo em conflitos sociais, o que temos é o oposto. Diante das mais fracassadas políticas econômicas e sociais, se espera do Direito Penal uma solução eficaz, o que não é seu papel, sendo transformado dia-a-dia, num Direito Penal simbólico.

Em relação ao feminicídio, temos claramente, hipótese em que a norma não terá, por si só, eficácia para conter ou paliar os fenômenos sociais ocorridos (v. g. mortalidade de mulheres), entretanto, através desse fenômeno, pretende-se legitimar o exercício do poder punitivo mediante a invocação de uma espécie de função de paideia que, supostamente, obterá os resultados a que se propõe, e que os problemas sociais não se agravarão, aproveitando-se assim, do sistema penal para tranquilizar a opinião pública e fomentar o clientelismo político. A verdade é que o poder punitivo quase sempre procede dessa maneira, em razão da escassez de proteção real que proporciona. Num Direito Penal simbólico, essa característica é tão manifesta que, ante a impossibilidade de negá-la, se opta por confessar abertamente seu desígnio manipulador de engano ao eleitorado.

Contra esse simbolismo penal, argumenta-se que tratar mais severamente a agressão contra mulheres independentemente da constatação de vulnerabilidade da vítima é propugnar uma espécie de inferioridade ontológica do sexo feminino, de modo que a hipossuficiência da vítima, em diferentes casos, é o que deveria legitimar a construção de uma figura qualificada de homicídio independentemente do sexo (v. g., o homem que mata sua filha adulta deveria receber punição tão severa quanto o que assassina seu filho criança). A inovação legislativa, portanto, apenas traria nova lesão à igualdade constitucional entre homens e mulheres e uma perpetuação da vitimização destas últimas.

A definição de igualdade material, baseada no tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais é, em verdade, tautológica e não deve ser usada pela ciência do Direito. Quem é igual? Quem é desigual? Não se está a dizer nada aqui, não se resolve o problema no plano social e, menos ainda, no jurídico. Não se pode confundir a igualdade (princípio jurídico) com o igualitarismo ideológico de gênero. Mais ainda, não há equidade na valoração do gênero desprovida da vulnerabilidade, pois esta sim demanda o favor legal. Nisso não há justiça (igualdade), mas arbítrio! Há uma compreensão equivocada da iustitia commutativa.

Por fim, É evidente que a generalização pode ter diferente amplitude, pois a norma não tem de valer sempre para todas as pessoas, desde que presentes o elemento discriminador (v. g. idade, nível escolar, estrutura, pobreza etc) em busca de uma premissa maior, a finalidade normativa. Não se está a negar aqui que o Estado social de Direito deve procurar proteger pessoas que estejam em condições de inferioridade, entretanto, não se vê, no gênero feminino ou masculino, razão suficiente de, por si só, justificar o discrimen.

 Não restam dúvidas de que, enquanto a mulher não estiver livre de um ambiente de desigualdade e violência no âmbito doméstico, não poderá desempenhar o mesmo papel de protagonismo que os homens nos espaços públicos de convivência e estará inserida em um contexto social de discriminação que se retroalimenta. Mas nos parece que a tipificação do feminicídio é uma aposta equivocada no maior rigor punitivo como método de solução de um problema visceralmente existente no seio social.


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Notas 

[5] ANDRADE, Vera Regina Pereira Andrade. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Revista de Direito Público, n. 17, jul.-ago.-set./2007, p. 57.

[6]MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 61-62.

[7] Vide FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade, v. I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1999, p. 67 e ss.

[8] Vide SOUZA, Luciano Anderson de; FERREIRA, Regina Cirino Alves. Feminicídio: primeiras observações. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, nº 269, abril/2015, p. 03.

[9] A expressão inglesa femicide foi empregada pela primeira vez por Diana Russell perante o Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, realizado em Bruxelas no ano de 1976, no sentido de “homicídios misóginos de mulheres por parte de homens”, e como alternativa ao uso do termo neutro homicídio (vide RUSSELL, Diana; RADFORD, Jill. Femicide: the politics of woman killing. New York: Twayne Publishers, 1992, p. XIV).

[10] Idem, ibidem, p. 03. Destaque-se, porém, que a expressão feminicídio ganha força quando cunhada em contextos em que os homicídios contra mulheres são perpetrados de forma generalizada, como ocorreu no município de Ciudad Juárez, no México, no ano de 1992. De acordo com Rita Laura Segato, “somente a tipificação de crimes mafiosos contra a mulher poderá constituir um argumento convincente para incluir os feminicídios, em sentido estrito, como crimes afins ao de genocídio na Corte Penal Internacional de Haia. Isto é assim porque este tipo de feminicídio idiossincrático de Ciudad Juárez é o assassinato de uma mulher genérica, de um tipo de mulher apenas por ser mulher e por pertencer a este tipo, de mesma forma que o genocídio é uma agressão genérica e letal a todos aqueles que pertencem ao mesmo grupo étnico, racial, linguístico, religioso ou ideológico” (SEGATO, Rita Laura. ¿Qué es un feminicidio?, disponível em http://192.64.74.193/~genera/newsite/images/cdr-documents/publicaciones/que_es_un_feminicidio.pdf).

[11] Como salientam MACHADO, Marta; MATSUDA, Fernanda. Um copo meio cheio. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, maio/2015, p. 05. O relatório final da CPMI encontra-se disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2013/07/CPMI_RelatorioFinal_julho2013.pdf.

[12] Isso significa que o texto legislativo aprovado foi resultado de um intenso processo de discussão e negociação envolvendo diversos grupos institucionais e não institucionais. No entanto, a redação final sofreu duas alterações que terminaram comprometendo a interpretação do texto: a primeira delas diz respeito à supressão da expressão “gênero” e sua substituição por “condição do sexo feminino”. A segunda alteração refere-se à inclusão de três causas de aumento de pena através do novel §7º do art. 121, que não constavam do projeto inicial.

[13] Idem, ibidem, p. 05.

[14] CASTILHO, Ela Wiecko. Sobre o feminicídio. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, nº 270, maio/2015, p. 04.

[15] Mapa da Violência no Brasil, 2013, disponível em http://www.compromissoeatitude.org.br/mapa-da-violencia-2013-aponta-que-mulheres-jovens-foram-principais-vitimas-de-homicidios/.

[16] Vide SOUZA, Luciano Anderson de; FERREIRA, Regina Cirino Alves, op. cit., p. 03. Corrobora esse entendimento, por exemplo, a criminologia espanhola, bastante voltada ao estudo da violência de gênero: “Os homens são agredidos na rua, no transcurso de roubos, brigas, ajuste de contas ou pelo enfretamento de ciúmes. As mulheres são agredidas fundamentalmente em seus lares e por seus parceiros” (SAN EMETERIO, Elisa Mújica. El perfil psicológico de la víctima y el agresor. In: BOLDOVA PASAMAR, Miguel Angel; RUEDA MARTÍN, María Ángeles (Orgs.). La reforma penal em torno a la violencia doméstica y de género. Barcelona: Atelier, 2006, p. 326).

[17] “Agressão física lidera denúncias de violências contra mulheres”, disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/03/1599017-maria-das-denuncias-ao-180-e-de-agressoes-fisicas-contra-as-mulheres.shtml>.

[18] Vide MACHADO, Marta; MATSUDA, Fernanda, op. cit., p. 06.

[19] Vide MACHADO, Marta; MATSUDA, Fernanda, op. cit., p. 06.

[20] Como ensinam BARATTA, Alessandro; STRECK, Lênio Luiz. Criminologia e feminismo. Porto Alegre: Sulina, 1999, p. 61.

[21] Idem, ibidem, p. 06.

[22] PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 31.

[23] ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. Trad. Ana Paula dos Santos Natscheradetz. Coimbra: Veja, 1986, p. 27-28.

[24] Bens jurídicos estes considerados pressupostos imprescindíveis para a existência em comum, são os bens vitais da comunidade ou do indivíduo, protegidos jurídico-penalmente em razão de sua relevante significação social (vide: WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Trad. Bustos Ramíres e Yánez Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1970, p. 14-15; ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. Trad. Ana Paula dos Santos Natscheradetz. Coimbra: Veja, 1986, p. 27-28)..

[25] Assim, aA Parte Especial do Código Penal foi dividida em onze Títulos, que traduzem os bens objetos dessa proteção, títulos estes que por sua vez foram subdivididos em capítulos, individualizando, ainda mais, os valores tutelados. Neste passo, o Título I elenca crimes contra a pessoa. Verifica-se que tem o bem jurídico uma função sistemática ou sistematizadora, da qual valeu-se o legislador ao utilizá-lo como elemento classificatório decisivo na formação dos grupos de tipos da parte especial do Código Penal, uma vez que os próprios títulos e capítulos da parte especial são estruturados com lastro no critério do bem jurídico, na medida em que este situa-se no ponto central dos diferentes tipos penais da parte especial do Código, consistindo em verdadeira exigência para o legislador orientar sua atividade na proteção de bens (PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 61). O bem jurídico é “o orifício da agulha pelo qual têm que passar os valores da ação”. (WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Trad. Bustos Ramíres e Yánez Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1970, p. 15-16). Segundo a concepção dos valores ético-sociais da ação de Welzel, a ameaça penal deve contribuir para assegurar os interesses individuais e coletivos fundamentais, através do valor-ação. Daí ser o delito formado de um desvalor da ação e de um desvalor do resultado (idem. Ibidem).

[26] PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 61.

[27] WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Trad. Bustos Ramíres e Yánez Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1970, p. 15-16. Segundo a concepção dos valores ético-sociais da ação de Welzel, a ameaça penal deve contribuir para assegurar os interesses individuais e coletivos fundamentais, através do valor-ação. Daí ser o delito formado de um desvalor da ação e de um desvalor do resultado.

[28] Vide PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

[29] ROMEO CASABONA, Carlos Maria. Los delitos contra a vida y la integridade personal y los relativos a la manipulación genética. Granada: Comares, 2004, p. 27.

[30] De acordo com esse entendimento, ressoa inconcebível qualquer manifestação favorável à descriminalização do aborto (arts. 124 a 128, do Código Penal) ou do induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122, do Código Penal), bem com a legalização de algumas das formas de eutanásia (art. 121, §1.º, do Código Penal) (Vide CARVALHO, Gisele Mendes. Suicidio, eutanasia y Derecho Penal: estudio del art. 143 del Código penal español y propuesta “de lege ferenda”. Granada: Comares, 2009). Por isso, faz-se imprescindível uma compreensão da vida humana para além de critérios puramente naturalistas, adicionando-se a estes ideais valorativos, axiológicos, matizados pelas concepções filosóficas personalistas, nos ideais sociais e normativos de dignificação da pessoa humana (PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal brasileiro.  14 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 630-631). E foi justamente sob esse prisma que o legislador constituinte enunciou ao inaugurar o Título II da Lei Maior quando dispôs que todos são iguais perante a lei, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida.

[31] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Curso de Direito Penal brasileiro.  14 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 630-631.

[32] Art. 5.º, caput, CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...” (grifou-se).

[33] Art. 3.º: “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina” (grifei).

[34] Antes disso, falar-se-á em aborto (arts. 124 a 128, CP), pois tem-se ainda, vida intrauterina. De outro lado, é possível que se realize o tipo penal de homicídio enquanto a pessoa estiver viva, ou seja, até a sua morte, que ocorre, segundo o art. 3.º, da Lei n.º 9.434/1997[34], com a morte encefálica, ou seja, com a cessação irreversível das atividades cerebrais. Se este é o limite, não há como falar-se em homicídio de pessoa morta, restando configurado crime impossível pela absoluta impropriedade do objeto material (art. 17, CP) (Neste sentido, vVide PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Op. cit., p. 632).

[35] Verifica-se grande amplitude de possibilidades de realização típica, por preferir não descrever, o legislador, todos meios que poderia o agente valer-se para executar o crime, podendo fazê-lo por meios diretos (disparos de arma de fogo, esganadura) ou indiretos (ataque de animal açulado pelo dono), materiais (meios mecânicos, químicos) ou morais (susto, medo, emoção violenta) (Vide PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Op. cit., p. 633).

[36] Por exemplo, quando efetuados disparos de armas de fogo, todavia sem lograr êxito em relação ao resultado morte. Havendo dolo de matar e resultado lesão corporal, falar-se-á em homicídio tentado e não no delito descrito no art. 129, CP.

[37] PRADO, Luiz Regis; CARVALHO, Érika Mendes de; CARVALHO, Gisele Mendes de. Op. cit., p. 637-638.

[38] D’ELIA, Fabio Suardi. Feminicídio: uma via legal de proteção de gênero e de determinadas situações de vulnerabilidade. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, nº 272, julho/2015, p. 08.

[39] Como atesta CASTILHO, Ela Wiecko, op. cit., p. 04, que observa: “A substituição foi qualificada como emenda de redação, para justificar a não devolução do projeto à Câmara. Mas bem sabemos que não se trata de mera emeda de redação, pois visou restringir a aplicabilidade do feminicídio a transexuais mulheres. Ademais, a palavra gênero é perigosa, pois subverte a ordem dita da natureza, do binarismo sexual de machos e fêmeas”.

[40] A própria Ela Wiecko, porém, salienta que “na aplicação da Lei 13.104 não se poderá fugir totalmente do conceito de gênero, uma vez que a ‘condição do sexo feminino’ é uma construção social tal como o papel social atribuído às mulheres na sociedade e que constitui o chamado gênero feminino” (op. cit., p. 05).

[41] D’ELIA, Fábio Suardi, op. cit., p. 09.

[42]Como destacam SOUZA, Luciano Anderson de; FERREIRA, Regina Cirino Alves, op. cit., 03.

[43] CASTILHO, Ela Wiecko, op. cit., p. 05.

[44] CASTILHO, Ela Wiecko, op. cit., p. 05Idem, ibidem, p. 05.

[45] D’ELIA, Fábio Suardi, op. cit., p. 08.

[46] Sobre o princípio da legalidade vide MADRID CONESA, Fulgencio. La legalidade del delito. Valencia: Universidad de Valencia, 1982, p. 37-39. Não se admite aqui, a ampliação do conceito de mulher, tal como na Lei n.º 11.340/2006, onde estende-se o alcance da expressão com o fim de alcançar outras vítimas de violência, o que configuraria analogia in malam partem (vSobre o princípio da legalidade vide MADRID CONESA, Fulgencio. La legalidad del delito. Valencia: Universidad de Valencia, 1982, p. 37-39). Ressalte-se, outrossim, que a redação original da figura típica exigia o preconceito em razão do gênero feminino, o que certamente teria abarcado toda e qualquer vítima que manifestasse a condição feminina, incluídas aí as transexuais deste gênero. Entretanto, houve uma alteração da redação, de gênero para sexo feminino, que culminou por obstaculizar tal interpretação, fazendo com que a qualificadora incida apenas quando o sujeito passivo de fato seja biologicamente identificado como sendo do sexo feminino, acrescentando-se ainda a maior reprovabilidade do autor por ter cometido o delito “em razão da condição” do sexo feminino (CASTILHO, Ela Wiecko. Sobre o feminicídio. Boletim do IBCCrim, nº 270, maio 2015, p. 04).

[47] A redação original da figura típica exigia o preconceito em razão do gênero feminino, o que certamente teria abarcado toda e qualquer vítima que manifestasse a condição feminina, incluídas aí as transexuais deste gênero. Entretanto, houve uma alteração da redação, de gênero para sexo feminino, que culminou por obstaculizar tal interpretação, fazendo com que a qualificadora incida apenas quando o sujeito passivo de fato seja biologicamente identificado como sendo do sexo feminino, acrescentando-se ainda a maior reprovabilidade do autor por ter cometido o delito “em razão da condição” do sexo feminino (CASTILHO, Ela Wiecko. Sobre o feminicídio. Boletim do IBCCrim, nº 270, maio 2015, p. 04).

[48] Neste sentido, leciona Luiz Regis Prado que há elementos normativos (jurídicos ou não) que são às vezes erroneamente considerados, em razão de seus caracteres, como elementos subjetivos do injusto. Por exemplo: certos motivos, presentes em alguns tipos que, dependendo de seu conteúdo, operam na graduação da pena (a maior ou a menor). Por exemplo: motivo torpe, fútil, de relevante valor social ou moral (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro - Parte geral – arts. 1.º a 120. 12 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 402).

[49] § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

[50] D’ELIA, Fábio Suardi, op. cit., p. 09.

[51] Como destaca JORIO, Israel Domingos. O feminicídio da igualdade. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, nº 272, julho/2015, p. 12.

[52] Idem, ibidem, p. 09.

[53] Vide SOUZA, Luciano Anderson de; FERREIRA, Regina Cirino Alves, op. cit., p. 03.

[54] Como atestam BELLOQUE, Juliana Garcia. Feminicídio: o equívoco do pretenso Direito Penal emancipador. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, nº 270, maio/2015, p. 03. Em geral, embora falando-se em defesa da lei do ponto de vista político-criminal, reclama-se a “falta de maior técnica do legislador penal” (Vide SOUZA, Luciano Anderson de; FERREIRA, Regina Cirino Alves, op. cit., p. 03). Nesse aspecto, mesmo os defensores da criação da figura do feminicídio atestam que o dispositivo revela-se inconstitucional por violação ao princípio da igualdade, pois a mesma reprovação deveria existir sendo o homem vítima (Vide CASTILHO, Ela Wiecko, op .cit., p. 05). A autora esclarece, porém, que é prescindível propor ação de inconstitucionalidade nestes casos, bastando conferir interpretação conforme a Constituição, limitando a causa de aumento a 1/3 quando a vítima seja mulher menor de 14 anos, maior de 60 anos ou deficiente. Já na opinião de Israel Domingos JORIO a contradição é insanável, pois “matar um homem com mais de 60 anos importa no aumento de um terço da pena. Matar uma mulher com mais de 60 anos, além de se tratar de um homicídio necessariamente qualificado, traz aumento de pena que pode chegar à metade. E por que matar mulher portadora de deficiência importa em majoração da pena, mas fazê-lo contra homem deficiente, não? Bem se vê que o inciso II é fruto de desleixo do legislador” (op. cit., p. 12).

[55] Cf. CASTILHO, Ela Wiecko, op .cit., p. 05. A autora esclarece, porém, que é prescindível propor ação de inconstitucionalidade nestes casos, bastando conferir interpretação conforme a Constituição, limitando a causa de aumento a 1/3 quando a vítima seja mulher menor de 14 anos, maior de 60 anos ou deficiente. Já na opinião de Israel Domingos JORIO a contradição é insanável, pois “matar um homem com mais de 60 anos importa no aumento de um terço da pena. Matar uma mulher com mais de 60 anos, além de se tratar de um homicídio necessariamente qualificado, traz aumento de pena que pode chegar à metade. E por que matar mulher portadora de deficiência importa em majoração da pena, mas fazê-lo contra homem deficiente, não? Bem se vê que o inciso II é fruto de desleixo do legislador” (op. cit., p. 12).

[56] A morte de mulheres por razões de gênero já era considerada por doutrina e jurisprudência como motivo torpe, razão pela qual a criação do feminicídio apenas destacou na legislação a situação de um grupo vulnerável, dando-lhe visibilidade e trazendo à baila um valor simbólico (SOUZA, Luciano Anderson de; FERREIRA, Regina Cirino Alves, op. cit., 03). Contrário à criminalização, por entende-la já abarcada pelo motivo torpe, JORIO, Israel Domingos. O feminicídio da igualdade. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, nº 272, julho/2015, p. 12.

[57] Vide CASTILHO, Ela Wiecko, op. cit., p. 04.

[58] Idem, ibidem, p. 05. Na mesma trilha, vide ainda SOUZA, Luciano Anderson de; FERREIRA, Regina Cirino Alves, op. cit., 03.

[59] CANCIO MELIÁ, Manuel. Dogmática y política criminal em una teoría funcional del delito. In: MONTEALEGRE LYNETT, Eduardo (Coord.). El funcionalismo em Derecho Penal: libro homenaje al profesor Günther Jakobs. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003, p. 490. Essa atual expansão do Direito Penal decorre da atual sociedade, que é caracterizada pelos incomparáveis avanços tecnológicos e, consequentemente, pela sensação geral de insegurança, que é um dos traços mais significativos das sociedades pós-industriais (SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del Derecho Penal. Madrid: Civitas, 1999, p. 21).

[60] SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del Derecho Penal. Madrid: Civitas, 1999, p. 21.

[61] GOERNER, Gustavo. Los delitos de peligro abstracto y las garantias constitucionales. Revista de Derecho Penal. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni. 2002, p. 02.

[62] DONNA, Edgard Alberto, op. cit., p. 116.

[63] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho Penal. Parte general. Buenos Aires: Ediar, 2000, p. 467.

[64] Nesse sentido, vide, JORIO, Israel Domingos, op. cit., p. 12. O autor salienta ainda o fato de que uma política criminal de gênero que remete a um “débito histórico” do homem em relação à mulher conduziria a um Direito Penal do autor, e não do fato, já que cada agressor seria julgado pelos crimes de seus antepassados, respondendo por este “débito” de outrora e considerando a morte de companheiras e esposas que ele sequer conheceu.

[65] KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2014, p. 229.

[66] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. José Luis Calvo Martínez. Madrid: Alianza, 2001, p. 1137a-1138a.

[67] Vide BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1999.

[68] ARISTÓTELES. Op. cit., p. 1138a.

[69]KAUFMANN. Arthur. Op. cit., p. 230.

[70] Neste sentido, vide SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 173; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 514; CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 369; ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Princípio Constitucional da Igualdade. Belo Horizonte: Lê, 1990. p. 118; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, p. 18. É nesse ponto que distinguem-se justiça e equidade. É uma diferença de pontos de vista, paradigmaticamente do ponto de vista do legislador, por um lado, e do ponto de vista do juiz, por outro; aquele parte da norma geral para o caso concreto (dedução), este, do caso concreto para a norma geral (indução) (KAUFMANN. Arthur. Op. cit., p. 231).

[71] Vide MACHADO, Marta; MATSUDA, Fernanda, op. cit., p. 06.

[72] Vide BELLOQUE, Juliana Garcia. Feminicídio: o equívoco do pretenso Direito Penal emancipador. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, nº 270, maio/2015, p. 03.

[73] Idem, ibidem, p. 03.

[74] Mas em vez de se cobrar a implementação efetiva dessa rede em todos os Municípios e o fortalecimento das políticas públicas de proteção ao gênero feminino (Delegacias da Mulher, abrigos, medidas protetivas e instalação de Juizados de Violência Doméstica nas comarcas), aumenta-se a pena dos homicídios, reconhecendo-se o fracasso do Estado: é dizer, não se altera o funcionamento da engrenagem que produz e alimenta a violência contra a mulher, mas buscam-se “soluções mágicas” com o aumento das taxas de encarceramento (Idem, ibidem, p. 03).

[75] Vide BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: uma introdução à sociologia do Direito Penal. 3 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 86 e ss.

[76] Vide BELLOQUE, Juliana Garcia, op. cit., p. 04.

[77] Idem, ibidem, p. 04.

[78] Vide MACHADO, Marta; MATSUDA, Fernanda, op. cit., p. 06.

[79] Idem, ibidem, p. 06.

[80] “A ampliação e o aprimoramento da rede de atendimento às mulheres em situação de violência (em especial dos centros de referência), o estabelecimento de delegacias especializadas de atendimento à mulher com equipes adequadas e que funcionem também durante a noite e aos finais de semana, a aplicação de fiscalização das medidas protetivas de urgência, a implantação dos Juizados de Violência Doméstica com a competência criminal e cível e dotadas de equipes multidisciplinares, a instalação das Casas da Mulheres Brasileira, entre outras, são medidas que devem ser adotadas em direção à garantia dos direitos das mulheres” (MACHADO, Marta; MATSUDA, Fernanda, op. cit., p. 06).

[81] BELLOQUE, Juliana Garcia, op. cit., p. 03.

[82] Vide MACHADO, Marta; MATSUDA, Fernanda, op. cit., p. 06.

[83] BELLOQUE, Juliana Garcia, op. cit., p. 04. Prova disso é que pouco tempo depois o Congresso Nacional sancionou a Lei 13.142/2015, que aprovou a inclusão de mais uma cláusula de qualificação do homicídio, relativa à morte de agentes de segurança pública em serviço ou de seus familiares em razão de suas funções. Ambos os projetos flertam claramente com o endurecimento do rigor punitivo pelo qual clama a sociedade que não consegue resolver seus problemas por outras vias.

[84] Sobre a polêmica, vide Copello, Patricia Laurenzo. ¿Hace falta un delito de feminicidio? Revista de Derecho Penal: Fundación de Cultura Universitária. 2ª Época, v. 20, 2012. 243-256. 

Sobre os autores
Gerson Faustino Rosa

Doutor em Direito. Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo-SP. Mestre em Ciências Jurídicas. Centro Universitário de Maringá-PR. Especialista em Ciências Penais. Universidade Estadual de Maringá-PR. Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho-RJ. Graduado em Direito. Centro Universitário Toledo de Presidente Prudente-SP. Professor de Direito Penal e Coordenador dos cursos da área jurídico-penal da Uniasselvi. Professor de Direito Penal nos cursos de pós-graduação da Universidade Estadual de Maringá, da Escola Superior da Advocacia, da Escola Superior da Polícia Civil e da Escola Superior em Direitos Humanos do Estado do Paraná, da Unoeste, do Cesumar, da Univel-FGV, da Fadisp, da Unipar, do Integrado e da Faculdade Maringá. Professor de Direito Penal nos cursos de graduação da Universidade Estadual de Maringá-PR (2014-2019). Professor de Direito Penal e coordenador da pós-graduação em Ciências Penais da Universidade do Oeste Paulista (2016-2019). Professor de Direito Penal na Uniesp de Presidente Prudente-SP (2013-2016). Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Penal e Segurança Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Penal e Direito Penal Constitucional.

Gisele Mendes de Carvalho

Pós-doutora e Doutora em Direito pela Universidade de Zaragoza (Espanha). Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá (PR). Professora Adjunta de Direito Penal na Universidade Estadual de Maringá (PR) e no Mestrado do CESUMAR - Maringá (PR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Gerson Faustino; CARVALHO, Gisele Mendes. Feminicídio: uma análise crítica da nova qualificadora introduzida pela Lei 13.104/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5325, 29 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60265. Acesso em: 24 nov. 2024.

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