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Violação sexual mediante fraude

Agenda 02/01/2018 às 14:20

Principais aspectos relacionados ao crime de violação sexual mediante fraude, e o que o difere do crime de estupro de vulnerável.

Dita o artigo 215 do Código Penal, na redação dada pela Lei 12.015/2009:

Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único.  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa

Trata-se de crime contra a liberdade sexual.

O crime se configura seja numa relação heterossexual ou homossexual.

A conduta envolve a prática de conjunção carnal ou a prática de qualquer ato libidinoso em que o meio apresentado pelo sujeito ativo é a fraude para enganar a vítima.

A fraude é o engodo, o ardil que torna a vontade da vítima viciada uma vez que é enganada.

“Comete posse sexual mediante fraude quem, aproveitando-se da credulidade da ofendida, faz-se passar por ‘pai-de-santo’ e, mediante manobras enganosas, vicia sua vontade levando-a à prática de ato sexual para servir sua lascívia” (TJRJ – AC – Rel. Gama Malcher – EJTJRJ 7/285).

O crime exige, como elemento subjetivo, o dolo, que é dolo específico.

É crime material, de resultado naturalístico, onde é possível a tentativa.

Assim, o delito está consumado com a conjunção carnal ainda que incompleta, ou com a prática de outro ato libidinoso.

A ação penal é condicionada à representação da vítima nos termos do artigo 225, caput.

Todavia, se a vítima tiver menos de 18 anos, a ação será pública incondicionada, ou seja, independendo da vontade da vítima, a persecução penal deverá iniciar-se (art. 225, parágrafo único, CP).

Guilherme de Souza Nucci (Código Penal comentado, 8ª edição, pág. 871), ainda discutindo a matéria sob a redação anterior(posse sexual mediante fraude) ensinou que tratava-se de crime próprio(aquele que demanda sujeito ativo qualificado ou especial). É crime que deve ser praticado de forma vinculada(só podendo ser cometido através de conjunção carnal). É crime instantâneo, de dano, unissubjetivo(que pode ser praticado por um só agente).

É  indispensável, segundo Tadeu Antônio Dix (Crimes Sexuais: reflexões sobre a nova Lei 11.106/2005. Leme: J. H. Mizuno, 2006. (2006, p. 127), o emprego de "estratagemas que tornem insuperável o erro ao qual é levada a vítima, e as circunstâncias devem ser tais que conduzam a mulher [ou o homem] a se enganar sobre a identidade pessoal do agente ou a cerca da legitimidade da conjunção carnal [ou de outro ato libidinoso]" (texto adaptado para conter as atualizações). Nesse ponto reside a principal distinção entre os artigos 213 e 215. Na violação mediante fraude a vontade da vítima não é vencida por violência ou grave ameaça, como no estupro, mas é viciada por engodo. Doutrina e jurisprudência da época da redação antiga se referem como exemplos possíveis do crime nesta modalidade: a substituição de uma pessoa por outra (RJTJESP 11/410); a simulação de tratamento para cura (RT 391/77); trabalhos espirituais (EJSTJ 34/273); quando o agente simula celebração de casamento (RT 410/97); nas hipóteses de casamento por procuração; no caso de aproveitamento pela sonolência da mulher (RTJESP 47/374) etc , como se lê de Julio Fabbrini Mirabebe,  2005, p. 1800-1801).

No crime de violação sexual mediante fraude, o agente obtém o consentimento da vítima, porém, induzindo-a em erro ao ludibriá-la. 

A fraude, no intuito de enganar a vítima, deve ficar evidenciada:

ProcessoHC 48901 SC 2005/0171226-7, Orgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA, Publicação: DJ 30.10.2006 p. 340, Julgamento: 21 de Setembro de 2006, Relator: Ministro GILSON DIPP

CRIMINAL. HC. POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE E ATENTADO AO PUDOR MEDIANTE FRAUDE. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DE MEIO FRAUDULENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. FALTA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.

I. Hipótese em que o réu foi condenado pela prática dos delitos de posse sexual mediante fraude e de atentado do pudor mediante fraude, porque, na qualidade de médico ginecologista, teria praticado atos libidinosos e conjunção carnal com as pacientes mediante ardil.

II. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade.

III. A caracterização dos tipos previstos nos arts. 215 e 216 do Código Penal depende da utilização de meio fraudulento que vicie a vontade da vítima.

IV. Evidenciada a inexistência de fraude na conduta do agente, que não induziu as vítimas ao erro.

V. Deve ser cassada a sentença condenatória e o acórdão recorrido, determinando-se o trancamento da ação penal instaurada em desfavor do paciente.

VI. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

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Anoto, para tanto, julgamento no RESp 1.546.149/DF, onde se relata:

Na data indicada, a vítima, então com 17 anos de idade e grávida de cinco meses, procurou aquele Centro de Saúde paraatendimento médico pré-natal. Na ocasião, foi acompanhada ao local por sua genitora.

A vítima foi atendida pelo médido ginecologista e obstetra ora denunciado, o qual conduziu a consulta sem a presença da mãe da menor ou de qualquer outro profissional de saúde.

Durante a consulta, o denunciado solicitou que a vítima se despisse para que fosse examinada. Após vestir a camisola própria, a vítima se posicionou sobre a mesa de exames, com as pernas fletidas sobre as coxas e os pés colocados sobre os pedais desta, mantendo os joelhos afastados. O denunciado então aplicou lubrificante nas mãos e, sem utilizar luvas, passou a estimular o clitóris da vítima. Em seguida, inseriu dois dedos na vagina da vítima e começou a praticar movimentos contínuos semelhantes aos executados em uma relação sexual, enquanto questionava a paciente sobre sua vida pessoal e sexual e lhe contava sobre a boa condição econômica e financeira que ostentava. Embora estranhando a conduta do denunciado, a vítima nada fez, confiando na sua condição de médico. Ela então lhe perguntou sobre a possibilidade de ter seu filho através de parto normal. Ao responder a essa indagação, o acusado disse à vítima que um amigo seu poderia lhe conseguir uma cesariana sem custos, perguntando se ela estaria disposta a sair com alguém para pagar o procedimento, ao que ela respondeu negativamente.

Enquanto o denunciado prosseguia com o exame, a vítima ainda lhe questionou sobre o aparecimento de uma protuberância na sua vagina, que teria surgido após o nascimento do primeiro filho. O denunciado então lhe disse que sua vagina era perfeita e que vários homens desejariam ter uma mulher com um órgão como tal.

Ao final da consulta, o denunciado propôs à vítima que ela aceitasse sair com ele, pois estava disposto a namorá-la, casar-se com ela e assumir seus filhos, proposta que ela rejeitou. Natália deixou o Centro de Saúde com sua mãe, sem informá-la do ocorrido.

No dia seguinte, a vítima narrou o que ocorrera à sua sogra, a qual lhe esclareceu que o procedimento adotado pelo denunciado não era correto e relatou-lhe, ainda, que também já havia se consultado com o mesmo médico e sofrido idêntico constrangimento.

Na consulta seguinte com o denunciado, Natália pediu à mãe que a acompanhasse. Nesta consulta o denunciado não a examinou, limitando-se a receitar-lhes alguns remédios.

A técnica para exame de toque, destinado ao exame dos órgãos internos, descreve um toque bidigital, que consiste na introdução na vagina dos dedos indicador e médio revestidos por luvas ou dedeiras, lubrificadas com vaselina. Este toque pode ser combinado, quando os dedos localizados na vagina são auxiliados pela palpação externa com a outra mão, para melhor avaliação do útero e seus anexos.

Deste modo, o sentenciado, a fim de satisfazer sua lascívia, durante o exame de toque, praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal, masturbando a vítima, vez que as características anatômicas e funcionais da genitália interna feminina não podem ser corretamente apreciadas com movimentos constantes de vai e vem dos dedos, como também o exame do clitóris encontra o seu melhor momento na inspeção externa da genitália feminina e não na realização do toque vaginal.

Como alertou Tiago Custosa Luna de Araújo (Da posse à violação sexual mediante fraude), pela reforma, a redação do parágrafo único, de agora em diante, passou a ser, in verbis: "Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa". Optou-se, portanto, nesse particular, pela cumulação da pena privativa de liberdade - de 2 (dois) a 6 (seis) anos [07] - com a pecuniária, como forma de desestimular a prática do delito com o dolo específico de lucro. A vantagem econômica a que se refere o tipo penal, como ensinou Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 2005, p. 883), é a "resultante em dinheiro ou que possa ser representada, de algum modo, pecuniariamente". No âmbito dos crimes sexuais, mesma sanção qualificada é prevista no § 1º do art. 218-B (Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável) e nos parágrafos 3º dos artigos 231 (tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual) e 231-A (tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual), todos incluídos pela Lei 12.015/2009.

Correto o entendimento de que aquele que, por ‘enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (art. 217-A, § 1º), é considerado pelo Código Penal como sendo vulnerável. Sendo assim, a pessoa que se insere na dicção do mencionado parágrafo não pode ser vítima do delito de violação sexual mediante fraude (art. 215), e sim de estupro de vulnerável. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Violação sexual mediante fraude. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5298, 2 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60328. Acesso em: 5 nov. 2024.

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