Conclusões
A Constituição Federal de 1988, no que demonstrou especial atenção à regulamentação jurídica da educação, criou um autêntico regime jurídico da educação, caracterizado pela existência, em seu texto, de diversas disposições normativas (regras e princípios) sobre a matéria, individualizando-a das demais.
Assim é que, em sua dimensão subjetiva, a educação é assegurada como direito fundamental social de todos, de caráter prestacional, ao qual corresponde a obrigação estatal em prestá-la, constituindo crime de responsabilidade o seu não oferecimento ou a sua oferta irregular; assim também é que o direito à educação é justiciável, no sentido de ser assegurado o acesso ao Poder Judiciário para fins de garantia do seu efetivo cumprimento.
Já em sua dimensão objetiva, a Constituição trata dos objetivos da educação, dos princípios do ensino, da especificação das obrigações do Estado, da família e da sociedade em seu oferecimento, da repartição de competências entre os entes federativos na seara da educação, do financiamento da educação, dentre outros importantes aspectos.
Da análise desse conjunto normativo constitucional, inclusive efetuando-se a necessária ligação interpretativa entre o caráter subjetivo e o caráter objetivo do tratamento da educação com os demais preceitos constitucionais – em especial os princípios fundamentais e os direitos fundamentais - é que se alcança a existência de um consolidado regime jurídico-constitucional da educação, com todas as conseqüências jurídicas daí advindas, notadamente a supremacia de suas disposições sobre as disposições infra-constitucionais e a possibilidade do controle de constitucionalidade de leis e atos normativos inferiores referentes à educação.
Bibliografia
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NOTAS
1 Entendido pessoa aqui como sujeito de direitos e obrigações na ordem jurídica.
2 Exemplo é o exercício de certas profissões, em que a Constituição autoriza que a lei estabeleça qualificações necessárias a serem preenchidas, como condição de sua possibilidade (art. 5º, inciso XIII).
3 Os direitos políticos são classificados em ativos e passivos. Ativos são os atinentes ao direito de votar, de exercer a soberania por meio de representantes eleitos, de influenciar decisivamente a formação da vontade política do Estado; passivos são os atinentes ao direito de ser votado, de ser escolhido como representante da soberania popular no exercício de cargos político-eletivos. Somente o nacional pode, portanto, ser cidadão, nesse sentido técnico-jurídico de titular de direitos políticos (art. 14, § 2º - "Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos"; art. 14, § 3º, inciso I – "São condições de elegibilidade, na forma da lei: I – a nacionalidade brasileira"; art. 15, inciso I – "É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado").
4 O qualificativo de cidadão ainda habilita a propositura de ação popular, "que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência" (art. 5º, inciso LXXIII), sendo a prova da cidadania efetuada mediante apresentação, em juízo, do título de eleitor (art. 1º, § 3º da Lei nº 4.717, de 29/06/1965).
5 Exemplifique-se: sem educação, o indivíduo pode não ter conseguido se alfabetizar, ou, em outras palavras, ter se tornado analfabeto; nesse caso, além de menor condição de instrução política e discernimento para o exercício do direito político ativo do voto, da escolha dos seus representantes, ficará privado juridicamente do exercício dos direitos políticos passivos (art. 14, § 4º - "São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos").
6 Cf. BRITTO, Carlos Ayres, em Conferência sobre "A dignidade da pessoa humana" proferida no programa "Aula Magna", da TV JUSTIÇA.
7 Para uma melhor compreensão da distinção entre regras e princípios, bem assim o entendimento da força normativa dos princípios jurídicos na fase pós-positivista, consultar Paulo Bonavides (2001, p. 228-266) e Eros Roberto Grau (1997, p. 73-120).
8 Até porque a Constituição instituiu a obrigatoriedade de universalização do ensino fundamental obrigatório e gratuito, assim como a progressiva universalização do ensino médio.
9 A discussão acadêmica sobre a igualdade é fecunda e antiga, remontando, por exemplo, a Pitágoras, Aristóteles, Platão, passando por Rousseau, Marx entre tantos outros. Quanto à discussão sobre as políticas de cotas à luz do princípio da igualdade, também já se verifica extenso material disponível para consulta, recomendando-se Dworkin (2000, p. 437-496), Gomes (2001), Britto (2003, p. 216-218), e ainda o site www.jus.com.br, onde podem ser encontrados diversos artigos a respeito do tema.
10 Ver, no item 6, as instituições privadas que podem atuar na educação como destinatárias de recursos públicos.
11 A regra geral é a exigência de concurso público de provas ou de provas e títulos para investidura em cargo ou emprego público (art. 37, II da CF) – ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração – deixando margem discricionária à Administração Pública para a opção, mas, para alguns casos, a Constituição já pré-determina que o concurso público deve ser de provas e títulos, como magistério (art. 206, V), magistratura (art. 93, I), ministério público (art. 129, § 3º), advocacia da união (art. 131, § 2º), procuradores dos estados e do distrito federal (art. 132), defensoria pública (art. 134, parágrafo primeiro).
12 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) estabelece, nos art. 62 e 64, a formação exigida para atuação na educação básica e infantil e, no art. 66, aquela exigida para atuação no ensino superior.
13 Conforme art. 1º, parágrafo único, em que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos (ou seja, os chefes dos cargos executivos e os parlamentares são apenas veículo de expressão da soberania popular) ou diretamente, nos seus termos, ou seja, através de plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular (art. 14) ou através de outros mecanismos de informal participação. Para mais detalhes sobre o modelo de democracia formal adotado pela Constituição, consultar Benevides (1998) e Bonavides (1998).
14 Partícipes desse entendimento foram os Ministros Maurício Corrêa, Carlos Velloso, Celso de Mello, Nelson Jobim, Moreira Alves, Néri da Silveira, Sidney Sanches, Octávio Galloti e Ilmar Galvão, estando ainda compondo a Corte os Ministros Carlos Velloso, Celso de Mello e Nelson Jobim (ADINs 578-2/RS, 123/SC, 244/RJ dentre outras).
15 Em um dos trechos da justificativa da proposta, lê-se: "Esta nova redação do Inciso VI do Art. 206 da Constituição Federal corrige um duplo equívoco histórico no que se refere ao princípio educacional de gestão democrática pois, ao mesmo tempo que não se pode admitir um "princípio educacional" que não precisa ser cumprido por todos aqueles que se dedicam à educação, este princípio restrito (às escolas) e ao ensino público, de certa maneira, inviabiliza ou dificulta a realização dos objetivos da Educação, previstos no Art. 205, qual seja: "O pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".". Fonte: www.camara.gov.br.
16 Art. 175 da Constituição Federal: "Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos".
17 Apesar do que previsto expressamente pela Carta Constitucional nos artigos 1º e 18, autores há que levantam óbices, extraídos do próprio texto constitucional em outras passagens, quanto à aceitação do Município como ente federativo. Ver, por todos, José Afonso da Silva (1999).
18 Há exceções, por exemplo: a competência residual, em matéria tributária, é da União, e, em alguns casos, a competência do Estado-membro não é remanescente, mas expressamente enumerada.
19 Não há matéria em que o interesse seja exclusivamente nacional, regional ou local, sendo comum a ocorrência de conflitos e interesses. Assim, em cada matéria, segundo soberana apreciação, a Assembléia Nacional pesou os interesses e verificou qual o predominante, para fins de atribuição de competência.
20 É a atual Lei nº 9.394, de 20.12.1996, conhecida como "Lei Darcy Ribeiro", porque aprovada mediante substitutivo apresentado pelo então Senador.
21 Sendo que, em tema de competência concorrente, cabe à União apenas a edição de normas gerais (art. 24, § 1º).
22 Verificando-se, aí, a necessária atuação concomitante dos Estados, Distrito Federal e Municípios no ensino fundamental.
23 É dizer, por exemplo: se o Município é capaz de atender toda a demanda de ensino fundamental, os Estados devem concentrar os seus esforços e os seus recursos no oferecimento do ensino médio; se o Município é capaz de atender, pelo menos, toda a demanda de ensino fundamental de primeira a quarta séries, o Estado deverá atuar apenas no ensino fundamental de quinta a oitava séries, de modo a poder concentrar seus esforços e seus recursos no oferecimento do ensino médio.
24 Valendo frisar que as universidades, nos termos do art. 207, "gozam de autonomia didático-científica, administrativa e gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão", sendo esse princípio estendido também às universidades privadas.
25 A outra opção seria não estabelecer nenhuma reserva constitucional, deixando a cargo do debate político na elaboração dos orçamentos dos entes federativos a definição dos investimentos a serem realizados em educação, assim como se procede em relação a outras áreas de obrigatória atuação estatal.
26 Pode-se apontar como origem dessa regra aquilo que se convencionou chamar de Emenda João Calmon, na "Constituição" de 1969.
27 A origem dessa tributação está na Constituição de 1946, cujo art. 168, inciso III, impunha às empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhassem mais de cem pessoas, a obrigatoriedade de manutenção, às suas próprias expensas, do ensino primário gratuito para os seus servidores e para os seus filhos. A atual disposição substitui a prestação direta pelas empresas do ensino aos seus funcionários pela contribuição social do salário-educação, como modalidade tributária, a fim de que o Estado receba fonte adicional de receita para investimento no ensino fundamental.
28 Por força do que dispõe o art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, é desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2003 a 2007, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que venham a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, com o que a União fica, do total de 18% (dezoito por cento) da receita resultante de impostos a ser aplicados em educação, desvinculada de tal aplicação no montante equivalente a 20% (vinte por cento), excetuada a arrecadação da contribuição social do salário-educação (conforme o § 2º do art. 76 do ADCT).
29 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) define, em seu art. 70, que consideram-se como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a oito itens enumerados expressamente, e no art. 71 define como não sendo consideradas despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com seis itens expressamente enumerados.
30 Não se admitindo ainda, durante a vigência de intervenção federal, a aprovação de emenda à constituição (art. 60, § 1º). É dizer: não se admite mudanças no pacto federativo em momento de crise da federação.
31 A redação original do dispositivo era a seguinte: "Art. 60. Nos 10 (dez) primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, 50% (cinqüenta por cento) dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental. Parágrafo único. Em igual prazo, as universidades públicas descentralizarão suas atividades, de modo a estender suas unidades de ensino superior às cidades de maior densidade populacional.".
32 A regulamentação do FUNDEF ocorreu através da Lei nº 9.424, de 24.12.1996.
33Art. 60, §7º do ADCT: "A lei disporá sobre a
organização dos Fundos, a distribuição proporcional ede seus recursos, sua
fiscalização e controle, bem como sobre a forma de cálculo do valor mínimo
nacional por aluno". A Lei 9.424/96 dispõe, em seu art. 6º, § 2º, que
"o valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será
fixado por ato do Presidente da República, e nunca será inferior à razão
entre a previsão da receita total para o fundo e a matrícula total do ensino
fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas,
observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e II", sendo que o §
4º do mesmo artigo já fixara em R$ 300,00 (trezentos reais) o valor mínimo
anual por aluno. Para 1998 e 1999 foi de
R$ 315,00 (trezentos e quinze reais). Em 2000, estes valores foram
diferenciados, ficando em
R$ 333,00 (trezentos e trinta e três reais) para alunos de 1ª a 4ª séries, e
R$ 349,65 (trezentos e quarenta e nove reais e sessenta e cinco centavos), para
os de 5ª a 8ª séries e da Educação Especial. Os valores mínimos para 2001
ficaram em R$ 363,00 (trezentos e sessenta e três reais) e R$ 381,15 (trezentos
e oitenta e um reais e quinze centavos). Para 2002, esses valores foram fixados
em R$ 418,00 (quatrocentos e dezoito reais) e R$ 438,90 (quatrocentos e trinta e
oito reais e noventa centavos) (fonte dos dados: www.mec.gov.br).
34 Daí a inconstitucionalidade de práticas administrativas que incluem os professores inativos dentro da folha de pagamento dos recursos do FUNDEF, eis que não estão em efetivo exercício do magistério fundamental, devendo o poder público encontrar outras fontes de receita para tal pagamento.
35 A Lei 9.424/96 autorizou, em seu art. 7º, parágrafo único, que, nos cinco primeiros anos de sua publicação, poderia ocorrer a aplicação de parte dos recursos dentre os 60% do FUNDEF destinados ao pagamento dos professores do ensino fundamental com a capacitação dos professores leigos.
36 PT, PDT, PCdoB, PMDB e PV propuseram ação direta de inconstitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal, em face da nova redação do art. 60 do ADCT conferida pela emenda constitucional nº 14/96, alegando violação à cláusula pétrea da forma federativa de Estado, no que, em especial, comprometeria a autonomia dos Municípios, ao determinar a retenção de receitas tributárias a eles pertencentes e a quem compete gerir, bem ainda pela discriminação, em detrimento do ensino infantil, educação do jovem e adulto e desprezo ao ensino médio, priorizando apenas o ensino fundamental (ADIN 1749-5/DF). O STF rejeitou, em 18/12/1997, o pedido de medida cautelar para suspensão dos dispositivos impugnados, e, em 25/11/1999, não conheceu da ação, sendo mantidos na ordem jurídica os dispositivos tais como inseridos pela emenda constitucional nº 14/96.