Dentre as principais alterações introduzida pela reforma trabalhista, com impacto direto não apenas sobre futuras ações trabalhistas, como ainda sobre os processos já em andamento, figura a prescrição intercorrente, introduzida expressamente pelo art. 11-A, que reza:
Art. 11-A. Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.
§ 1o A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.
§ 2o A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.
A alteração legislativa põe uma pá de cal no debate doutrinário, e também jurisprudencial, a respeito da incidência da prescrição intercorrente no processo do trabalho.
De fato, a insegurança jurídica nesse aspecto era tão grande que o TST e o STF possuíam, inclusive, súmulas diametralmente opostas quanto ao tema, como se infere da Súmula 114, do TST[1], e Súmula 327 do STF[2]. Conquanto se aponte com frequência que a ratio decidendi que conduziu à edição de ambas as súmulas não seja a mesma, a importância desmesurada que se confere à literalidade dos enunciados de súmula na rotina forense brasileira sempre levou a conflitos quanto ao tema.
Essa disputa jurisprudencial também acabava se refletindo na doutrina, com posições antagônicas muito claras a respeito.
Maurício Godinho Delgado atacava a incidência da prescrição intercorrente no processo do trabalho, asseverando que
Na medida em que o Direito é a fórmula de razão, lógica e sensatez, obviamente não se pode admitir, com a amplitude do processo civil, a prescrição intercorrente em ramo processual caracterizado pelo franco impulso oficial. Cabendo ao juiz dirigir o processo, com ampla liberdade (art. 765, da CLT), indeferindo diligências inúteis e protelatórias (art. 130, CC), e, principalmente, determinando qualquer diligência que considere necessária ao esclarecimento da causa (art. 765, CLT), não se pode tributar à parte os efeitos de uma morosidade a que a lei busca fornecer instrumentos para seu eficaz e oficial combate[3].
Verdade seja dita, contudo, mesmo Godinho Delgado admitia pelo menos uma hipótese de prescrição intercorrente, em atenção ao disposto no art. 884, § 1º, da CLT, nas situações em que o exequente do processo abandonasse, de fato, a execução por um prazo superior a dois anos por exclusiva omissão sua[4].
Carlos Henrique Bezerra Leite, a seu turno, entendia aplicável ao processo do trabalho a prescrição intercorrente, argumentando que a previsão contida no art. 884, § 1º, da CLT, ao prever a prescrição como matéria de defesa nos embargos só poderia aludir à prescrição intercorrente, eis que inviável debater prescrição de pretensão que já foi acolhida e cujo deferimento já transitou em julgado[5].
Mauro Schiavi também admitia a prescrição intercorrente, embora em raras hipóteses, asseverando que
a prescrição intercorrente se aplica ao processo do trabalho, após o trânsito em julgado, nas fases processuais em que a iniciativa de promover os atos do processo dependem exclusivamente do autor, como na fase em que o reclamante é intimado para apresentar os cálculos e se mantém inerte pelo prazo de dois anos. Já na execução propriamente dita, por exemplo, a não apresentação pelo reclamante dos documentos necessários para o registro da penhora, no prazo de dois anos após a intimação judicial, faz gerar a prescrição intercorrente[6].
Wagner Giglio defendia a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho, comungando com o entendimento de que efetivamente a existência da execução ex officio não eliminava totalmente as hipóteses em que o prosseguimento da execução dependeria de ato da parte, como nas hipóteses de liquidação por artigos ou ainda sujeitas à condição imposta à parte pelo magistrado em sentença[7].
Como destacado inicialmente, a reforma faz com que o debate quanto à aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho se encerre, definindo o art. 11-A sua aplicabilidade e fixando o prazo de dois anos. O § 1º do artigo em exame, contudo, ao estabelecer o marco inicial desse prazo, inova, fixando a fluência a partir do momento em que o exequente deixa de cumprir a determinação judicial no curso da execução.
Isso porque a prescrição intercorrente, quando adotada no processo do trabalho até o momento, aplicava o art. 40, § 4º, da lei 6830/80 de forma subsidiária, com fulcro no art. 889, da CLT, o que implicava o marco inicial da prescrição intercorrente a partir da decisão que determinava o arquivamento provisório da execução em face da inatividade do exequente. Com a reforma o marco inicial passa a ser levemente mais gravoso para o exequente, computando-se a partir do momento em que não atender ao comando judicial durante a fase de execução.
Sob o aspecto de aplicação do direito intertemporal, para aqueles que entendiam que a prescrição intercorrente já era cabível no processo do trabalho antes do advento da Reforma, a alteração no particular atinge o marco inicial, e, tendo em vista a divergência se o prazo seria de 5 anos ou 2 anos, também pacifica esta questão. Entendo, contudo, que o novo marco inicial se aplicará apenas aos processos em que o exequente deixar de cumprir a determinação judicial no curso da execução após o término da vacatio legis da lei da reforma, prevalecendo, com relação aos processos arquivados provisoriamente antes desta data o marco inicial como sendo a data do arquivamento. Naturalmente para quem entendia até então inaplicável a prescrição intercorrente no processo do trabalho, sua aplicação se restringirá aos processos em que a parte deixar de cumprir a determinação judicial na execução após o término da vacatio legis.
Outra questão que surge nesse caso diz respeito às execuções nas ações em que o exequente estiver atuando sem patrocínio de advogado, no exercício do ius postulandi. Essa questão é ainda mais relevante levando em consideração que embora a reforma, como se verá na sequência, tenha extinto a inciativa ex officio do magistrado na fase de execução processual, manteve-a nas hipóteses em que a parte esteja exercendo o ius postulandi.
Mauro Schiavi entende que “a prescrição intercorrente não incidirá na fase liquidatória quando o reclamante estiver sem advogado, valendo-se do ius postulandi, ou quando, mesmo tendo advogado, este, justificadamente, não tiver condições de promover a liquidação, apresentando os cálculos ou os artigos de liquidação”[8].
Do ponto de vista prático é possível antecipar que provavelmente a jurisprudência trabalhista se inclinará no sentido de ser inaplicável a prescrição intercorrente nas hipóteses de execução de ação em que o exequente atua no exercício do ius postulandi. Isso se deve em grande parte ao fato de que um dos principais fundamentos contrários à aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho antes da reforma era precisamente o de que o dever do magistrado de promover a execução ex officio não seria compatível com as hipóteses de arquivamento processual por inatividade.
Tal argumento, para a maior parte das ações, cede tanto face à literalidade do caput do art. 11-A, como também em razão da extinção da execução ex officio no processo do trabalho. Como esta última, contudo, permanece nas hipóteses de exercício do ius postulandi, a tendência é que a jurisprudência dominante permaneça com o entendimento de não ser possível a aplicação da prescrição intercorrente em tais casos, por interpretação lógica e sistêmica, muito embora rigorosamente a norma não estabeleça qualquer exceção à aplicabilidade da prescrição intercorrente nesses casos.
Finalmente, é importante destacar o fato de que a prescrição intercorrente, na forma do § 2º do art. 11-A, pode ser requerida ou declarada de ofício pelo magistrado, o que atrai a discussão a respeito da possibilidade de declaração de ofício da prescrição no processo do trabalho.
Nos termos do art. 219, § 5º, do CPC, cabe ao juiz pronunciar, de ofício, a prescrição incidente sobre as pretensões formuladas.
Entendo não existir incompatibilidade entre a norma processual civil em tela e o processo do trabalho. A alteração legislativa ocorrida não modificou a natureza jurídica do instituto, mas apenas a disciplina jurídica relacionada às hipóteses de seu reconhecimento em juízo. O instituto da prescrição jamais ofendeu a natureza privilegiada do crédito trabalhista, tampouco o denominado princípio protetivo, sendo certo que sua existência é consagrada tanto em caráter infraconstitucional, como também na própria legislação constitucional.
Conforme assinala Melchíades Rodrigues Martins:
se a Constituição Federal Brasileira estipula que os créditos resultantes das relações de trabalho estão sujeitos ao prazo prescricional de cinco anos, para os trabalhadores urbanos ou rurais, e até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (art. 7º, XXIX), os atores sociais a ela vinculados também estarão obrigados a observa-los, sob pena de ferir a segurança jurídica e a confiança que se deve inspirar todo o Estado de Direito.
O princípio da proteção não deve ser analisado isoladamente no trato de matéria de regência constitucional, mas em conjunto com os da segurança e da salvaguarda dos interesses da gestão empresarial em virtude do interesse maior preconizado no art. 7º, XXIX, da Carta Magna, que visa acima de tudo a paz social e a estabilidade jurídico-social[9].
Neusa Moura defende a aplicação da prescrição de ofício, indicando que tanto a CLT quanto a Constituição são omissas em relação ao fato de a prescrição precisar ser invocada pela parte interessada, tampouco negam o seu pronunciamento de ofício pelo magistrado, caracterizando a omissão que permite a aplicação subsidiária da norma[10]. Também Scalércio e Martinez Minto defendem sua declaração de ofício, asseverando que a norma vai ao encontro da segurança jurídica e efetividade do processo, ainda que alertando para a necessidade de intimação prévia da parte Autora para se manifestar a respeito de eventuais hipóteses de interrupção ou suspensão prescricional[11]. Vólia Bomfim também se manifesta favoravelmente a sua aplicação no direito do trabalho, assinalando se tratar de hipótese em que o interesse público na pacificação do conflito prepondera sobre o interesse privado[12].
A opinião, contudo, não é unânime. Mauro Schiavi entende que não é possível declaração de ofício da prescrição (revendo posicionamento anterior), por entender que, como se trata de instituto de direito material, deve observar os princípios correspondentes, tais como os princípios protetivos, a irrenunciabilidade de direitos, não retrocesso social, além dos fins sociais da lei e as exigências de bem comum[13].
De forma mais significativa, contudo, o TST tem majoritariamente entendido inaplicável ao processo do trabalho a declaração de ofício da prescrição, como se infere da seguinte ementa:
RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI N° 11.496/2007. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. PRONÚNCIA DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPATIBILIDADE DO ARTIGO 219, § 5º, DO CPC COM O PROCESSO DO TRABALHO. O artigo 219, § 5º, do CPC, que possibilita a pronúncia de ofício da prescrição pelo juiz, não se aplica subsidiariamente ao Processo do Trabalho, porque não se coaduna com a natureza alimentar dos créditos trabalhistas e com o princípio da proteção ao hipossuficiente. Precedentes desta Subseção Especializada. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-RR-82841-64.2004.5.10.0016, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 20/2/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 7/3/2014)
Em face da redação do art. 11-A, da CLT, em seu § 2º, a possibilidade de declaração de ofício da prescrição intercorrente é indene de dúvidas. Resta saber se em face de tal alteração minam-se também os argumentos contrários à declaração da prescrição na fase de conhecimento. Particularmente, entendo que é muito difícil sustentar que a declaração da prescrição de ofício seria incompatível com o processo do trabalho na fase de conhecimento - etapa processual em que ainda predomina a incerteza e indefinição a respeito da existência do direito material vindicado - mas não o seria na fase de execução, em que já há um título executivo em favor da parte exequente.
É muito difícil visualizar, com efeito, de que forma o princípio da proteção no processo do trabalho serviria de escudo contra a incidência da prescrição de ofício na fase de conhecimento, mas deixaria de existir precisamente na etapa processual em que o an debeatur já foi reconhecido.
Tudo leva a crer que a consagração da possibilidade da declaração de ofício da prescrição intercorrente implicará uma revisão do entendimento no que se refere à possibilidade de declaração da prescrição também na fase de conhecimento, ou, no mínimo, uma severa revisão jurisprudencial dos fundamentos pelos quais a prescrição de ofício na fase de cognição seria incompatível com o processo do trabalho.
Notas
[1] Súmula 114 do TST: É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.
[2] Súmula 327 do STF: O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente.
[3] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. P. 259
[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 8ª ed. São Paulo: LTr, 2009. P. 260
[5] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2007. P. 505
[6] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014. P. 476
[7] GIGLIO, Wagner Drdla. Direito processual do trabalho. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 499
[8] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014. P. 955
[9] MARTINS, Melchíades Rodrigues. Prescrição e sua declaração de ofício – lei nº 11280/06 – aplicação no direito e processo do trabalho. in Revista LTr, ano 74, março, 2010. p. 274
[10] MOURA, Neusa. A prescrição trabalhista e as alterações legislativas. in VILLATORE, Marco Antônio; HASSON, Roland (coord.). Estado e atividade econômica: o direito laboral em perspectiva. Curitiba: Juruá, 2007. P. 305
[11] SCALÉRCIO, Marcos; MINTO, Tulio Martinez. Prática de audiência trabalhista conforme o novo cpc. São Paulo: LTr, 2016. P. 123
[12] CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do trabalho. 12a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1224.
[13] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2014. P. 482-483