3. Carcinicultura: atividade agrossilvopastoril
Desde a entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012, discussões e debates têm se avolumado em torno da questão de ser ou não considerada a carcinicultura como atividade agrossilvopastoril, especialmente com vistas a destinar-lhe o tratamento previsto no art. 61-A, que dispõe: “Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008. “
Controvérsias à parte, enquanto não se definir, inclusive no âmbito do judiciário ― há várias ações em curso e julgadas nas quais se discute essa questão ― se a carcinicultura é ou não considerada como atividade agrossilvopastoril para efeito do art. 61-A, da Lei nº 12.651/2012, fato é que há um número grande de empreendimentos localizados em áreas urbanas dos municípios que, independentemente dessa discussão, precisam ser analisados sob o prisma do art. 11-A, § 6º, da mesma lei, com vistas à regularização ou não.
Mesmo porque o alcance daquela norma (art. 61-A) também é passível de interpretações distintas no sentido de terem asseguradas sua continuidade somente as atividades agrossilvopastoris localizadas em áreas rurais, excluindo-se aquelas em áreas urbanas, ou não, sendo possível a continuidade também dessas últimas.
Estando em áreas rurais ou urbanas, não importa, as atividades de carcinicultura que atendem aos requisitos do art. 11-A, § 6º, da Lei nº 12.651/2012, que no caso de Sergipe, por exemplo, representam um número expressivo, tanto assim que o órgão ambiental licenciador expediu cerca de 150 Termos de Regularização de Carcinicultura desde a entrada em vigor da Resolução CEMA nº 21/2014, necessitam ser regularizadas, assegurando-se o direito dos carcinicultores conforme dispõe a lei.
4. Conclusão
As abordagens possíveis e pertinentes acerca da carcinicultura, sob o prisma das características regionais (geográficas, ambientais e sócio-econômicas) que naturalmente diferenciam, em uma maior ou menor dimensão, os Estados onde se faz presente essa atividade, não podem jamais dissociar-se dos mais importantes valores e princípios condutores de um modelo necessariamente simbiótico de desenvolvimento sustentável, em que economia e ecologia sejam respeitadas mas, acima de tudo, sejam mutuamente agregadas e harmonizadas em nome do bem estar social.
A visão aqui exposta fundamenta-se em observações, discussões e acompanhamento da atividade de carcinicultura em Sergipe, ao longo de 9 anos (2007-2016), assessorando juridicamente técnicos e gestores do órgão ambiental licenciador no Estado de Sergipe, a ADEMA, na formatação e execução de ações de regularização tendo como supedâneo a legislação ambiental vigente e, fundamentalmente, o art. 11-A, § 6º, da Lei nº 12.651/2012.
Reconhecendo não haver convergência interpretativa a respeito do conteúdo e alcance dessa norma, importa destacar que em muitas ações judiciais o Ministério Público Federal fundamenta pedidos de embargos de viveiros de carcinicultura, cessão de atividades e recuperação de áreas, em laudos e pareceres produzidos por suas assessorias técnicas mobilizadas com o intuito de instruir procedimentos investigativos e que apontam que esses viveiros estão localizados em manguezais (Áreas de Preservação Permanente).
Entende-se que esse fundamento, por si só, seria bastante para enquadrar a atividade de carcinicultura como ilegal, caso ela estivesse comprovadamente localizada em APP representada por manguezal (art. 4º, VII, da Lei nº 12.651/2012), o que ensejaria, obviamente, todas as investidas para declará-la com tal e, consequentemente, a imposição de medidas necessárias à sua paralisação.
Em muitos casos, porém, diante da evidente dificuldade técnica e operacional que se apresenta nessa produção probatória, seja pela assessoria técnica do Ministério Público Federal, seja pelos próprios peritos judiciais nomeados nos processos, verifica-se significativa vulnerabilidade nos laudos produzidos, especialmente no que diz respeito à localização dos viveiros de carcinicultura em épocas passadas em áreas de apicuns e salgados, muitas vezes com cultivos em operação há 10, 20 anos atrás.
Por outro lado, admitindo-se a notória dificuldade ou, muitas vezes, até mesmo a impossibilidade de elaboração de laudos técnicos cujas metodologias assegurem que viveiros de carcinicultura não atendem àquela condição de localização estabelecida na lei para a sua regularização, e somando-se a essa incerteza a relevância de outras variáveis, a exemplo da discricionariedade técnica motivada dos órgãos ambientais, a consolidação de ocupações no tempo e no espaço, o contexto sócio-econômico e ambiental e, por último, os inúmeros controles adicionais impostos aos carcinicultores que são regularizados, entendemos haver amparo legal para regularizações que se processam nessas condições.