4. O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO COMO UM PRIVILÉGIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Ao longo da história das constituições do Brasil, desde o tempo do império, observamos que o legislador buscou uma especial proteção para aqueles detentores de cargos ou funções públicas de maior relevância para o país, na intenção de que se preservasse o especialíssimo interesse público, dado que não poderia ser o cidadão detentor daquele cargo ou função, ser tão facilmente inviabilizado nos exercício das suas funções públicas por juízes de primeiro grau, mediante provocação de quaisquer um do povo.
O legislador buscou expressar no texto constitucional uma especial proteção em razão do cargo, e não em razão da pessoa que o ocupa, o que muitos dos quais ocupam esses cargos, pensam ou até acreditam equivocadamente ser eles os detentores originários do foro especial. Nesta seara, é impossível adentrar neste tema sem invocar o princípio constitucional da isonomia ou da igualdade, ou ainda equiparação ou paridade, vez que a ligação entre estes é juridicamente umbilical.
Nos ensina o Ministro Luis Roberto Barroso que:
A igualdade constitui um direito fundamental e integra o conteúdo essencial da ideia de democracia. Da dignidade humana resulta que todas as pessoas são fins em si mesmas4 , possuem o mesmo valor e merecem, por essa razão, igual respeito e consideração5 . A igualdade veda a hierarquização dos indivíduos e as desequiparações infundadas, mas impõe a neutralização das injustiças históricas, econômicas e sociais, bem como o respeito à diferença. Em torno de sua maior ou menor centralidade nos arranjos institucionais, bem como no papel do Estado na sua promoção, dividiram-se as principais ideologias e correntes políticas dos últimos séculos. No mundo contemporâneo, a igualdade se expressa particularmente em três dimensões: a igualdade formal, que funciona como proteção contra a existência de privilégios e tratamentos discriminatórios; a igualdade material, que corresponde às demandas por redistribuição de poder, riqueza e bem estar social; e a igualdade como reconhecimento, significando o respeito devido às minorias, sua identidade e sua diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras. BARROSO (2014, p.3)
É inconcebível que em tempos atuais, os cidadãos testemunhem a forma vergonhosa daqueles que exercem o poder. O instituto do foro por prerrogativa de função no ordenamento jurídico pátrio brasileiro, criado único e exclusivamente na maioria dos casos como forma de blindagem pessoal do ocupante do cargo frente ao império da lei e da justiça. Tudo com direito a ato solene dos representantes dos poderes e uma ampla plateia para demonstrar com certa naturalidade o ritual que esvazia em si, o princípio constitucional da isonomia de forma manifestamente desleal ao texto da lei maior, quando se pretende ascender alguém para lhe conceder a especial proteção que se dá ao cargo.
Já afirmava José Afonso da Silva sobre o princípio constitucional da igualdade que:
O direito de igualdade não tem merecido tantos discursos como a liberdade. As discussões, os debates doutrinários e até as lutas em torno desta, obnulibaram aquela. É que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilégio de classe, jamais postulou um regime de igualdade, tanto quanto reivindicara o de liberdade. É que um regime de igualdade contraria seus interesses e dá à liberdade sentido material que não se harmoniza com o domínio de classe em que assenta a democracia liberal burguesa. SILVA (2005, p.211).
Sobre ser ou não, um privilégio, existem controvérsias a respeito do assunto na doutrina. Assevera a nossa Constituição vigente, em seu art.5º, a lei maior da República do Brasil que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 1988).
Existe uma corrente majoritária formada por alguns doutrinadores como, Renato Brasileiro de Lima e Júlio Fabbrini Mirabete, que sustentam a tese de que o Foro por prerrogativa de função, de forma alguma ataca o princípio constitucional da isonomia ou de vedação a tratamento diferenciado para quaisquer do povo, dado que segundo eles, não existe um tratamento diferenciado em razão da pessoa ocupante do cargo ou função pública, mais estritamente em razão da especial e relevante importância do cargo público, e que em nada se atribui tratamento diferenciado ou especial em detrimento de adjetivos pessoais.
Assevera, Renato Brasileiro de Lima, que:
Em face da relevância das funções desempenhadas por certos agentes, a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e a legislação infraconstitucional lhes conferem o direito de serem julgados por Tribunais. Cuida-se da denominada competência ratione funcionae. (LIMA, 2015, p.470).
Arremata ainda sobre o tema Júlio Fabbrini Mirabete que:
[...]Fala-se em competência ratione personae (em razão da pessoa), quando o Código deixa bem claro que a competência é ditada pela função da pessoa, tendo em vista a dignidade do cargo exercido e não do indivíduo que o exerce. É usual o nome de foro privilegiado, agora mais aceitável, já que a Constituição Federal de 1988 não menciona proibição ao “foro privilegiado”, mas apenas a “juízo ou tribunal de exceção” (art.5º, XXXVII). [...] MIRABETE (2007, p.176).
Portanto, em contraponto a tese defendida pela corrente majoritária, que essa proteção em nada garante o interesse público, mais sim, a pessoa que ocupa o cargo, sendo o respectivo Foro Especial ou ainda, Privilegiado, uma espécie de blindagem pessoal, como uma forma de proteção ou escudo contra as tão propagadas manipulações políticas e ideológicas, de tal forma que se iniba o império da lei e da justiça, não se submetendo o agente de nível hierárquico superior à jurisdição de juiz hierarquicamente subordinado.
Afirma, Guilherme de Souza Nucci que:
“A doutrina de maneira geral justifica a existência do foro privilegiado como maneira de dar especial relevo ao cargo ocupado pelo agente do delito e jamais pensando em estabelecer desigualdades entre os cidadãos. Entretanto não estamos convencidos disso. Se todos são iguais perante a lei, seria preciso uma particular e relevante razão para afastar o criminoso do seu juiz natural, entendido este como o competente para julgar todos os casos semelhantes ao que foi praticado”. NUCCI (2008, p.263).
Restou-se cristalino aqui, que a forma que o foro privilegiado vem sendo utilizado no Brasil, revela um verdadeiro sistema criado para não funcionar, trata-se de uma espécie de administração da justiça para a especial implementação da injustiça e da impunidade institucionalizada e que nos parece ser bastante utilizado pela classe política brasileira.
Outrora, fazia parte do ordenamento jurídico brasileiro a súmula 394 do STF, permitindo que muito embora o ilícito fosse cometido no exercício funcional do cargo, e o inquérito ou ação penal fossem iniciados após a sua cessação, permaneceria a especialíssima competência do foro por prerrogativa de função.
O dispositivo legal da súmula 394 do STF, foi cancelado por decisão do plenário da corte em decisão datada de 25.08.1999.
A classe política insatisfeita com a decisão acima proferida pela Corte Excelsa brasileira que afastou tamanho privilégio da classe política, providenciaram a implementação para ressuscitar a referida súmula 394 na forma da lei 10.628/02 que acabou por acrescentar os §1º e 2º do art.84 do Código de Processo Penal.
Entretanto, conforme ADIN nº 2.797-2 que tramitou no Supremo Tribunal Federal, a Corte novamente atuou para declarar a referida lei inconstitucional, por entender que o dispositivo oriundo do poder legislativo, além de ter feito uma interpretação fiel do texto da nossa Carta Magna o que é de reserva de norma com hierarquia constitucional, usurpou a competência da Suprema Corte brasileira que é o guardião da nossa constituição ao inverter a leitura já realizada da norma constitucional.
Como exemplo, pode-se citar aqui uma dada pessoa que é titular do cargo de Prefeito Municipal, que responde processo pela prática de ilícito e tem seu processamento originário no Tribunal de Justiça de determinado estado da federação, que prestes a ter decisão definitiva do processo, é eleito Deputado Federal, fato este que desloca a competência para o Supremo Tribunal Federal que levará considerável lapso de tempo para fazer o processamento e a devida ratificação da denúncia, e assim por diante, dado que é possível ainda, a renúncia do mesmo sujeito ao cargo de Deputado Federal com vistas a deslocar novamente a competência para o Tribunal do estado onde tramitava originariamente, até que se opere a prescrição da pretensão punitiva provável do estado juiz.
Deste modo, o instituto do Foro Privilegiado, em nada prestigia os princípios republicanos, é um sistema criado para implementar a impunidade de forma institucionalizada, de modo a blindar determinadas pessoas ocupantes de cargos públicos para que se opere a prescrição de suas práticas de ilícitos, demonstrando uma verdadeira desmoralização social das instituições do Estado Democrático de Direito e em especial ao poder judiciário, poder da república criado para garantir aos cidadãos as garantias da vida em sociedade de forma igualitária
Importa trazer à baila que o indivíduo agraciado com o foro especial não terá direito ao duplo grau de jurisdição, e por isso alguns levantam a tese de ser um prejuízo processual para o agente, e que não há benefício algum quanto a isso, pois limita-se muito os atos processuais recursais para revisão das decisões vergastadas, pelo fato de que o processo originariamente nascerá em um tribunal e da decisão deste órgão caberia em tese, a ele mesmo rever tal decisão.
É inaceitável tamanha aberração constitucional, conceder benefícios diferenciados à cidadãos sem uma razoável fundamentação legal e republicana. A nossa Constituição de 1988, deixa cristalino em eu texto maior que todos somos iguais perante a lei e que, portanto, não haverá tratamento diferenciado para quaisquer um do povo.
4.1 Das tentativas de modernização da legislação Brasileira sobre o Foro Especial
De forma lenta e de maneira progressiva, houve um esforço no sentido de modernizar a legislação brasileira para coibir e punir a prática de ilícitos contra a administração pública, como exemplo, o crime do colarinho branco com redação dada pela lei dos crimes contra o Sistema Financeiro (Lei 7.492/86);
Dentre outras tentativas de modernizar e dar maior efetividade a punição estatal em face da prática de ilícito, evoluímos com a inserção das seguintes legislações no nosso ordenamento jurídico tivemos a Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei 8.137/90); a lei do agravamento de pena pela prática de Corrupção Ativa e Corrupção Passiva (Lei 10.763/2003); tivemos também a lei de Lavagem e Ocultação de Bens, Direitos e Valores (Lei 9.613/98, que posteriormente foi alterada pela Lei 12.683/2012).
Muito embora já existisse a possibilidade da tão propagada colaboração premiada, dado que de modo incipiente, estava disposta na Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), e que posteriormente tenha sido fortificada com a letra da lei de Lavagem e Ocultação de Bens, Direitos e Valores, acima mencionada, foi a Lei 12.850/2013 que definiu a organização criminosa e dispôs sobre a investigação criminal, de modo a detalhá-la de forma eficaz.
Tão merecida quanto, a conhecida Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), permitiu a notória responsabilização de forma objetiva de pessoas jurídicas envolvidas na prática de ilícitos contra a administração pública com o chamado “Acordo de Leniência”, que tanto tem auxiliado para a descoberta de crimes contra o patrimônio público do nosso país, porém certa resistência entre os juristas devido as negociações das punições.
4.2. Limitação ou extinção do Foro Por Prerrogativa de Função?
Existem grandes debates entre os estudiosos do ordenamento jurídico brasileiro no sentido de limitar ou extinguir o instituto do foro especial pelo fato do mesmo reverenciar a impunidade institucionalizada ao passo que os agentes políticos de maneira mais acentuada, se utilizam deste instituto para administrar as decisões judiciais e ou até mesmo protelá-las até operar-se a prescrição da pretensão punitiva do estado juiz, pela prática de ilícitos.
Assevera o Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, sobre a necessidade de repensar o Foro por Prerrogativa de Função em face da sua disfuncionalidade. Segundo ele, a sociedade jurídica debate atualmente, sobretudo com a crise política e institucional que assola o Brasil, a hipótese da extinção do instituto jurídico, foro por prerrogativa de função, o que seria o ideal, ou que, ao menos, o mesmo possa ser limitado aos chefes dos poderes da República.
Portanto o foro especial seria apenas para o Presidente da República, os Presidentes da Câmara dos Deputados e do Sendo Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal, e que por força do princípio da simetria previsto no art.125, Caput do texto maior, os demais entes federados atuem no mesmo sentido da limitação do foro especial, senão vejamos o que diz a constituição sobre o assunto, (BRASIL, 1988), “Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição”.
Sobre os entes federados, na lição de Tourinho Filho, o foro especial por prerrogativa de função tem a sua fixação dada pela Constituição Federal de 1988, no seu (art. 96, III), pelas Constituições dos estados no art. (125, § 1º da CRFB) e pelas Leis Orgânicas dos Municípios no (art. 29, X da CRFB), todos da Carta Política de 1988. Deste modo estaríamos saneando o poder judiciário de milhares de processos que engessam os tribunais superiores brasileiros e evitando que estes processos venham a ser extintos por reconhecer que se operou a prescrição e nada mais pode ser feito senão lamentar a vitória da impunidade.
Haveria uma terceira hipótese, que seria criar uma justiça especializada para processar e julgar todas as demandas que tenham como parte, autoridade com privilégio de foro, e neste caso não importando se durante o trâmite do processo a autoridade venha ou não a perder tal benefício, o processo continuaria o seu rito normal até que se obtenha uma sentença definitiva, claro que observando os princípios da ampla defesa e do contraditório, que devem a todo custo ser preservados no ordenamento jurídico pátrio brasileiro, como forma de prestígio a nossa lei maior, previsto no inciso LV do art.5º, a seguir:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente. [...] (BRASIL, 1988).
De acordo com os ensinamentos do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso proferido no “Seminario en Latinoamérica de Teoría Constitucional y Política” – SELA, organizado pela Yale Law School no Rio de Janeiro, em 2014:
A igualdade formal é a do Estado liberal, cuja origem foi a reação aos privilégios da nobreza e do clero. Na sua formulação contemporânea, ela se projeta em dois âmbitos diversos. Em primeiro lugar, na proposição tradicional da igualdade perante a lei, comando dirigido ao aplicador da lei – judicial e administrativo –, que deverá aplicar as normas em vigor de maneira impessoal e uniforme a todos aqueles que se encontrem sob sua incidência. Em segundo lugar, no domínio da igualdade na lei, comando dirigido ao legislador, que não deve instituir discriminações ou tratamentos diferenciados baseados em fundamento que não seja razoável ou que não vise a um fim legítimo.[1]
Seguindo ainda, o pensamento do Ministro Luis Roberto Barroso, o Brasil é um país de conexões políticas que permitem um certa “pessoalização” ou “jeitinho” para o exercício do contorno da lei, uma disfunção decrescente mais ainda encontrada com frequência:
Esta é uma página virada na maior parte dos países desenvolvidos, mas ainda existem problemas não resolvidos entre nós. É certo que a maior parte das dificuldades nessa área têm mais a ver com comportamentos sociais do que com prescrições normativas. O Brasil é um país no qual relações pessoais, conexões políticas ou hierarquizações informais ainda permitem, aqui e ali, contornar a lei, pela “pessoalização”, pelo “jeitinho” ou pelo “sabe com quem está falando”. Trata-se de uma disfunção decrescente, mas ainda encontrável com certa frequência. Paralelamente a isso, as estatísticas registram que os casos de violência policial injustificada têm nos mais pobres a clientela natural. Sem mencionar que certos direitos que prevalecem no “asfalto” nem sempre valem no “morro”, como a inviolabilidade do domicílio e a presunção de inocência.[2]
O ministro buscou com perspicácia notável sobre o tema dos privilégios, que de republicanos não apresentam absolutamente nada, ao afirmar que:
É inegável, todavia, que no plano normativo também subsistem resquícios aristocráticos e pouco republicanos. Cabe lembrar que até a Constituição de 1988, juízes e militares eram imunes ao pagamento de imposto de renda. Já sob a vigência da nova Constituição, e até a aprovação da Emenda Constitucional nº 35/2001, não era possível instaurar ação penal contra parlamentares, independentemente de qual fosse o crime, sem prévia licença da casa legislativa a que pertencesse. Atualmente, não é possível a decretação de prisão, salvo em caso de flagrante delito, mesmo quando presentes os requisitos da prisão preventiva. Por fim, com intensa gravidade, subsiste o foro privilegiado para diversas autoridades e para parlamentares, que respondem a ações penais perante o Supremo Tribunal Federal. Nesse particular, uma jurisprudência leniente do STF tem permitido a manipulação corriqueira da jurisdição, com renúncias e eleições para cargos diversos, fazendo com que processos subam e desçam, gerando prescrição e impunidade.[3]
Luís Roberto Barroso, posiciona-se abertamente pela mitigação do instituto do Foro por Prerrogativa de Função, em despacho proferido nos autos da Ação Penal 937 que tramita no Supremo Tribunal Federal datado de 10/02/2017 e publicado no DJE nº 33, divulgado em 17/02/2017:
De lege ferenda (i.e., em uma urgente modificação do Direito vigente), o foro por prerrogativa de função deve ser reduzido a um número mínimo de autoridades, aí incluídos os chefes de Poder e pouquíssimas mais. Sintomaticamente apelidado de foro privilegiado, passou a constituir um mal para o Supremo Tribunal Federal e para o país. Há três ordens de razões que justificam sua eliminação ou redução drástica. Em primeiro lugar, existem razões filosóficas: trata-se de uma reminiscência aristocrática, não republicana, que dá privilégio a alguns, sem um fundamento razoável. Em segundo lugar, devido a razões estruturais: Cortes Constitucionais, como o STF, não foram concebidas para funcionarem como juízos criminais de 1º grau, nem têm estrutura para isso. O julgamento da Ação Penal 470 (conhecida como Mensalão) ocupou o Tribunal por um ano e meio, em 69 sessões. Por fim, há razões de justiça: o foro por prerrogativa é causa frequente de impunidade, porque dele resulta maior demora na tramitação dos processos e permite a manipulação da jurisdição do Tribunal. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal nº 937/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso.[4]
O Ministro, pugna pelo respeito aos princípios republicanos em sua mais profunda importância para o estado democrático de direito, ao afirmar que:
Não é preciso prosseguir para demonstrar a necessidade imperativa de revisão do sistema. Há problemas associados à morosidade, à impunidade e à impropriedade de uma Suprema Corte ocupar-se como primeira instância de centenas de processos criminais. Não é assim em parte alguma do mundo democrático. O senso comum de que “quanto mais competências, mais poder” deve ser superado. Poder mal exercido traz desprestígio e mina a autoridade de qualquer instituição. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Penal nº 937/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. [5]
Já a classe política brasileira não recebe com bons olhos essa iniciativa do poder judiciário de tentar limitar ou até mesmo extinguir o foro por prerrogativa de função, em entrevista dada ao Jornal Estado de São Paulo, o Senador Romero Jucá (PMDB-RR), demonstra a sua preocupação sobre o tema ao afirmar que, “Se acabar o foro, é para todo mundo. Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”.[6]
É possível depreender da fala do senador um total e profundo desrespeito aos poderes da república, sobretudo sobre a moralidade e integridade que deve ser sempre prestigiada nas relações institucionais do país. A preocupação do senador pode manifestar reação natural, pelo fato de ser o mesmo investigado na tão propagada “Operação Lava Jato”, ação penal que busca punir investigados envolvidos com desvios de dinheiro da Petrobras.
Segundo Newton Tavares Filho Consultor Legislativo da Área I da Câmara dos deputados em Estudo Técnico realizado em julho de 2016 sobre o tema “Foro Privilegiado: pontos positivos e negativos”, afirma:
[...]vê-se que o foro especial por prerrogativa de função é um instituto complexo que comporta tanto críticas quanto elogios. Concretamente, entretanto, constata-se que seus resultados têm sido sobretudo deletérios para o regime republicano, impedindo que as autoridades acusadas de delitos sejam responsabilizadas pelos seus atos de forma eficaz e a impunidade seja combatida. Cabe ao Congresso Nacional equacionar o problema, mediante a apresentação de propostas legislativas que reduzam o número de autoridades beneficiárias do foro especial e agilizem a tramitação dos processos nas altas instâncias judiciárias nacionais. A extinção pura e simples do instituto também não deve ser descartada, em atenção ao princípio constitucional da isonomia entre os cidadãos.[7]
E que, portanto, a questão do Foro privilegiado merece ser equacionada pela sociedade brasileira, sobretudo pelo congresso nacional que tem dever constitucional para rever a matéria, para que de fato expresse os princípios republicanos que sustentam nossa sociedade.