1 INTRODUÇÃO
Através dos presentes escritos, buscamos fazer, num primeiro momento, um apanhado geral das alterações já sofridas pelo Código de Processo Civil que tenham afetado o processo de execução, enquanto relação processual que visa à realização do direito, notadamente aquelas efetivadas através das leis 8.952/94, dentre as quais a instituição da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional genérica e nas obrigações de fazer e não fazer. Também a lei 10.444 trouxe importantes mudanças, com a supressão definitiva dos processos de execução de sentença condenatória em obrigações de fazer/não-fazer (art. 461) e de dar coisa (art. 461-A), cristalizando o entendimento acerca da admissibilidade das sentenças executivas lato sensu.
Com base em tais alterações, procuramos, num segundo momento, expor tanto as atuais tendências para uma terceira etapa das reformas, que tenha por escopo a maior efetividade do processo de execução de quantia certa, tal qual conduzidas pela Comissão de Reforma do CPC (que tem como expoentes os eminentes Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro), quanto apresentar nossas sugestões pessoais de alteração da disciplina legislativa do citado processo.
Também foram abordadas algumas questões de ordem sociológica que, embora não possam ser alteradas por reformas legislativas, não deixam de constituir uma etapa necessária da reforma do processo de execução, como forma de busca da efetividade.
As sugestões não se limitaram somente à execução de sentença, posto que a execução de títulos extra-judiciais, quando ocorrida de forma efetiva, é importante instrumento de satisfação social e forma de fomento ao investimento na economia, pois diminui o risco de inadimplemento.
Procuramos, com o presente projeto, revisitar e questionar a utilidade de alguns institutos do direito processual aplicáveis especificamente à execução, baseados nos conhecidos questionamentos filosóficos: o que são tais institutos, como são e para que servem.
2 PRIMEIRAS REFORMAS DA EXECUÇÃO
2.1 PRIMEIRA ETAPA
Segundo Cândido Dinamarco [1], as alterações mais relevantes no processo de execução, levadas a cabo nos anos de 1994 e 1995 (período da primeira etapa das reformas) foram os seguintes: disciplina dos efeitos da desistência da execução sobre os Embargos já opostos; instituição da suspensão parcial da execução; cominação de multa por atentado à dignidade da justiça (suprimida a inconstitucional proibição de falar nos autos); instituição do ônus de levar ao registro a penhora incidente sobre imóvel; definição do termo inicial para fluência do prazo de oposição dos embargos.
A importância de tais alterações diz mais respeito ao término de conflitos exegéticos com a clara delimitação das normas aplicáveis a cada situação. Mas não há dúvidas que a maior inovação foi a introdução da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, pela Lei 8.952, o que, na prática, permitiu ao credor de pecúnia a antecipação de atos de execução (desde que reversíveis) com a efetivação da decisão antecipatória sob o regime da execução provisória (conforme determina o art. 273, § 3.º do CPC).
Permitiu-se, então, o início de atos executivos antes mesmo de estabelecido o contraditório (caso o deferimento se desse sem a oitiva da outra parte). Foi o início do caminho evolutivo do processo civil brasileiro rumo a um sincretismo processual, já que a efetivação da antecipação seria feita na mesma relação processual, gerando maior efetividade.
2.2.SEGUNDA ETAPA
A denominada segunda etapa das reformas do CPC é representada pelas Leis 10.352 e 10.358, de dezembro de 2001, e 10.444, de maio de 2002. A lei 10.358 revogou o inciso III do art. 575 e deu nova redação ao inciso IV do mesmo artigo, assim como aos incisos III e VI do art. 584. Tais dispositivos alterados versam sobre a competência do juízo na execução e o rol de títulos executivos judiciais, respectivamente. Todavia, as alterações mais significativas foram implementadas pela Lei 10.444/02.
Este último diploma alterou a redação do § 3.º e acrescentou os §§ 6º. e 7º. ao artigo 273, além de conferir nova redação aos parágrafos do art. 461 e aos arts. 588 (exigindo a "caução idônea" somente para atos de alienação e dispensando-a quando o devedor estiver em estado de necessidade, sendo a dívida alimentícia), 604 (inserção de parágrafos) 621 (execução de título extra-judicial para a entrega de coisa) e 644 (disciplina da execução de obrigações de fazer ou não fazer).
Inseriu-se, também, o art. 461-A, disciplinando a executividade lato sensu da sentença condenatória de entrega de coisa, seguindo regime semelhante ao do já conhecido art. 461, com a diferença de que há determinação legal para a busca e apreensão anteceder a aplicação de multa cominatória [2].
O depoimento de Sálvio de Figueiredo Teixeira [3] reflete bem o espírito da segunda etapa:
Com efeito, o que se propõe é a supressão do processo executivo autônomo, em se tratando de obrigações de dar coisa, certa ou incerta, e das obrigações de fazer ou de não-fazer, o que importa dizer que, nessas modalidades de obrigações, em se tratando de título judicial (sentença), a execução será uma simples fase, sem possibilidade de embargos do devedor, a exemplo do que ocorre hoje com as ações possessórias, com as ações de despejo e com a ação de nunciação de obra nova. Dá-se, aí, um ‘processo sincrético’, no qual se fundem cognição e execução (arts. 461 e 461-A, e 644).
As alterações mais significativas, em segundo pensamos, foram aquelas relativas à supressão do processo de execução autônomo de sentenças referentes a algumas obrigações. Com a introdução do artigo 461-A e a alteração da redação dos artigos 461 (este somente para aperfeiçoamento técnico) e 644, suprimiu-se o processo de execução autônomo das sentenças condenatórias em obrigações de fazer, não fazer ou de dar coisa. Deixou-se o processo autônomo de execução de tais obrigações para os títulos extra-judiciais, como se vê da redação dos novos artigos 621 e 644.
Em nossa opinião, as mudanças propiciam uma maior efetividade do processo, colidindo com a advertência de Araken de Assis [4] (quando as leis aprovadas ainda eram projetos), segundo o qual conviria "...não apostar numa alteração radical na presteza da atividade jurisdicional no campo da atuação coercitiva de direitos". Com tais reformas, está patente que as execuções de obrigações de fazer, não fazer e dar estão, em tese, impregnadas de maior efetividade potencial do que antes das reformas, devido às inúmeras providências que podem ser adotadas pelo magistrado para atingir a satisfação do credor, tal qual se daria caso o devedor houvesse cumprido espontaneamente a avença (resultado prático equivalente), quais sejam: aplicação de multa, busca e apreensão, e outras mais.
3.IMPERFEIÇÕES DA EXECUÇÃO: PERSPECTIVAS E SUGESTÕES
3.1.MAZELAS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
A execução sempre foi concebida como um processo de sanção, em contraposição ao processo de conhecimento, que seria de mera declaração. Logo, é natural que esteja atrelada à execução a idéia de efetividade definitiva, em contraposição à efetividade provisória que hoje é natural ao processo de conhecimento, após a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional.
Com a alteração da redação do art. 273 do CPC pela lei 8.952/94, criou-se um enorme descompasso entre os processos de conhecimento e de execução. No primeiro, tornou-se possível a utilização de um paliativo, de forma a acelerar a entrega do bem da vida ao postulante, provisoriamente, através de juízos de verossimilhança. No segundo, porém, mesmo possuindo a parte uma certeza jurídica (gerada ora pela coisa julgada material, ora pela eficácia conferida pela lei a alguns documentos – títulos executivos extra-judiciais), não teria acesso ao bem da vida desejado, em face da total ineficácia prática [5] dos meios executivos [6].
Podemos apontar como alguns exemplos de imperfeições do processo de execução a pequena abrangência da execução provisória, a demora no curso de um processo que deveria ser célere, as enormes dificuldades para a localização e alienação de bens do devedor (que se originam desde a ocultação de seu patrimônio até a burocracia da venda em hasta pública) e a regra da suspensão (integral e desnecessária) do curso do processo executivo quando da oposição de embargos à execução.
Há também problemas de índole sociológica, relacionados à aplicação mesma do arsenal legislativo de que o magistrado dispõe. Assim, costuma-se conferir ao processo um "efeito suspensivo de fato" quando da interposição de recursos cujo efeito é devolutivo, ou mesmo quando da apresentação de alegações infundadas. Problemático também são o indeferimento de diligências úteis à efetivação do direito de crédito e a excessiva proteção que os juizes conferem ao executado.
3.2.PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS E SUGESTÕES
3.2.1.Execução de título judicial
Ao que nos parece, uma forte tendência das próximas reformas do CPC, que visam reformular o processo de execução, consistiria na extinção do processo de execução de sentença, enquanto entidade autônoma [7], sepultando, finalmente, um instituto que, segundo Ovídio A. Baptista da Silva [8], resultou, dentre outros fatores, do desvirtuamento do conceito romano de obligatio pelos glosadores (a ensejar a universalização da tutela de conhecimento, em depreciação à tutela interdital), da necessidade pós-revolução francesa, de separação dos atos de julgamento (Judiciário) e de execução (Executivo) e da igual necessidade de conferir aos títulos cambiais, abstratos por natureza, um processo autônomo e mais rápido do que o das obrigações normais.
De fato, a abolição da execução da sentença condenatória de valor, atribuindo-lhe efeitos executivos lato sensu, consiste muito mais em uma evolução gradual [9], iniciada com a primeira etapa das reformas, do que uma brusca mudança, vez que desde 1994 pode-se obter satisfação no próprio curso do processo de conhecimento (através da tutela antecipada) e após a Lei 10.444/02, já não mais existe execução de sentença condenatória em obrigações de fazer ou não-fazer (arts. 461 e 644) ou em obrigação de dar coisa (art. 461-A).
Substituindo-se o processo de execução por um incidente de cumprimento de sentença, funde-se cognição e efetivação numa mesma relação processual, fechando um círculo que se iniciara com a introdução da possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional no Ordenamento [10]. Em vez de processo autônomo, efetivar-se-á a sentença em um incidente do processo.
Trata-se da tendência mais visível (e, segundo pensamos, mais adequada) no que diz respeito à execução de sentença condenatória em pecúnia. De fato, a supressão da execução de sentença enquanto processo autônomo poderia acarretar inúmeras reformulações úteis.
Ocorrendo a efetivação da sentença na mesma relação processual, perde-se a necessidade de nova citação do Réu, medida que, sem dúvida, aumenta a celeridade processual, pois se pode poupar tempo com diligências desnecessárias.
Outra utilidade prática da atribuição de natureza executiva lato sensu à sentença condenatória em pecúnia é a impossibilidade de o Réu apresentar embargos à execução.
A tendência para supressão dos embargos, como decorrência da extinção do processo de execução autônomo, segue a mesma linha de pensamento do Anteprojeto para o Código de Processo Civil Modelo para a América Latina [11], que preleciona, em seus itens 319.3 e 319.4, que o executado somente poderá se opor à execução alegando (e provando de plano) a extinção, total ou parcial, da obrigação:
El ejecutado solamente podrá oponerse a la ejecución alegando la extinción parcial o total de lá obligación, sobrevenida luego de la sentencia, en cuyo caso deberá acompañar toda la probanza documental de que disponga y mencionar los concretos medios de prueba de que intente valerse para justificar la circunstancia. [...] El Tribunal rechazará de plano, sin sustanciar, todo otro género de excepción, así como la que, aún tratándo-se de la admitida, constituyera cuestión de hecho a cuyo respecto se omite acompañar o indicar los medios probatorios conducentes a su justificación.
Situação semelhante ocorria no direito lusitano, quando da vigência do CPC Português de 1939, no qual os embargos, enquanto forma de oposição ao processo de execução, somente seriam cabíveis quando o vício da execução não pudesse ser comprovado por meio documental.
Art. 818. O recebimento dos embargos opostos a execução fundada em sentença não suspenderá a execução, a não ser que o embargante deposite a quantia pedida ou o valor correspondente em papéis de crédito com o desconto de vinte por cento sobre a cotação, ou que caucione a respectiva importância por meio de hipoteca ou fiança de estabelecimento bancário de crédito.
[...]
§ 2º. Os embargos são destinados especialmente a alegar matéria de facto que não possa provar-se por documentos. Quando o executado haja de socorrer-se deste meio, pode deduzir aí toda a oposição que tiver.
Pensamos que tal sistemática também pode ser adotada no Brasil, uma vez que, caso a insubsistência da execução seja demonstrável por meio de documentos, não será necessária cognição exauriente para notá-la, não gerando a necessidade de suspensão do curso do processo para a sua análise. O que não é concebível é que, após dispendiosa discussão de teses jurídicas (no processo de conhecimento), possa a parte vencida, mediante nova ação, paralisar a eficácia de uma sentença, ato judicial fundado em cognição exauriente.
A grande maioria das matérias passíveis de alegação nos embargos à execução de sentença (nulidade de citação, inexigibilidade, ilegitimidade, cumulação indevida de execuções, excesso de execução e incompetência do juízo) é passível de conhecimento ex officio pelo magistrado (verdadeiras objeções), com a exceção do previsto no art. 741, VI (pagamento, compensação, novação, prescrição posterior) do CPC, que trata das chamadas exceções substanciais, que, até por força do direito material, dependem de provocação e comprovação pela parte [12].
Logo, não há risco de prejuízo à defesa do patrimônio do executado, posto que todas as matérias que ele poderia alegar através de embargos poderão ser feitas através de mera petição. De todo conveniente seria a regulamentação da exceção/objeção de pré-executividade, que seria basicamente o nomen juris conferido à petição que alegasse tais matérias, facultando-se ao réu alegá-las quando do incidente de efetivação (mediante a produção de prova exclusivamente documental).
Não vemos com bons olhos a possibilidade de o juiz, a pedido do réu, efetivar a suspensão do curso do processo de execução ope judicis. Melhor seria permitir ao magistrado suspender somente os atos que importem em transferência de domínio, mediante requerimento do réu/executado, desde que presentes os requisitos da verossimilhança e da possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação. O mesmo seria aplicável à eventual medida cautelar ou antecipação dos efeitos da tutela passíveis de concessão, pelo respectivo Tribunal, em sede de eventual ação rescisória ajuizada em face da sentença passada em julgado.
Admitindo-se, assim, a possibilidade de suspensão parcial do incidente de efetivação da sentença, mediante os requisitos da verossimilhança e do risco de dano de difícil reparação, demonstra-se necessário analisar a recorribilidade do pronunciamento que defira ou não a suspensão dos atos de alienação de domínio, a serem praticados no curso do incidente.
Para a conclusão, deve-se considerar que, com a fusão dos processos de conhecimento e execução, a decisão a respeito da suspensão ou não dos atos de alienação praticados no incidente de cumprimento passa a sofrer o regime das decisões proferidas após a sentença, sendo cabível, aos mais desavisados, agravo retido (art. 523 § 4.º do CPC). Todavia, como o agravo retido é incompatível com o processo de execução (e será ainda mais com o incidente de efetivação, pois não mais haverá sentença, e muito menos apelação), por inexistência de interesse recursal, o único recurso cabível seria o agravo por instrumento.
Interessante também é a análise do papel a ser exercido pela antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional neste processo sincrético. Nossa opinião é que não seria admissível a sua supressão somente pela extinção do processo de execução autônomo (o que, em si, não garante a plena efetividade da prestação jurisdicional). Pensamos que a tendência atual é a sua manutenção, até porque pode a mesma se tornar um importante instrumento para a subtração do efeito suspensivo "automático" da apelação, quando conferida na sentença [13].
Não é possível, porém, antecipar os efeitos da tutela quando já se esteja no próprio incidente de efetivação, pois nada haverá a adiantar. Ao que nos parece, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, pelo juiz, se esgota na sentença.
No que se refere à questão da existência ou não de obrigação do devedor pagar novos honorários advocatícios, pensamos que a mesma não desaparece tão somente pelo fato de ter perdido a execução sua autonomia enquanto processo. Isto porque quanto à verba honorária vige o princípio da causalidade: não cumprindo a sentença, o réu dá causa ao impulso do processo por meio do incidente de efetivação, o que demanda esforço do profissional na confecção de peças e pesquisas junto a órgãos de registro.
Há que se indagar, ainda, como fica a execução provisória. Sabe-se que seu objetivo é adiantar os atos de execução, quando se esteja diante de decisão cuja eficácia não tenha sido subtraída pela interposição de um recurso com efeito suspensivo. Como tal, não há óbices para a sua manutenção, agora sob uma melhor denominação de efetivação provisória do comando judicial. Adiantar-se-iam os atos de efetivação do direito, sem, todavia, saciá-lo ao máximo, tendo em vista a possibilidade de reversão posterior do pronunciamento que a fundamenta.
No caso de efetivação das sentenças condenatórias em pecúnia, por exemplo, pode-se desde logo determinar a penhora e avaliação de bens do patrimônio do réu. Consistiria a efetivação provisória também um verdadeiro incidente no processo agora sincrético.
Deve-se diferençar, todavia, a efetivação provisória da decisão que antecipa os efeitos da tutela antes da sentença (mediante cognição superficial) e da efetivação da própria sentença, quando o magistrado confere a antecipação como um capítulo da mesma (agora mediante cognição exauriente).
A extinção do processo executivo autônomo leva à alteração da própria antecipação dos efeitos da tutela da sentença condenatória. Em vez da constituição do título (que é o efeito naturalmente antecipado), antecipar-se-ia o efeito final da tutela, qual seja, a necessidade de o réu efetuar o pagamento, sob pena de penhora. Face tais mudanças, o processo adquiriria altos graus de eficácia potencial, sendo possível, sem os devidos cuidados, que o réu tenha bens penhorados no próprio ato de citação. Assim, pensamos que deve ser vedado, no regime de mudanças legislativas em que estamos trabalhando, a concessão de antecipação dos efeitos da tutela antes da citação, quando se tratar de obrigação de dar dinheiro.
Assim, a efetivação provisória da decisão antecipatória proferida sob cognição superficial seguiria o procedimento do atual art. 588 do CPC, com a respectiva penhora de bens do réu. Vícios do ato de penhora serão discutidos no incidente, através de mera manifestação do sujeito passivo, enquanto o mérito da decisão que a autorizou será debatido em sede de agravo (cabendo a retratação, se cumprido o art. 526 do CPC).
Deve-se ressalvar, todavia, o fato de que, por se fundar em decisão proferida em cognição superficial, as probabilidades de prejuízo indevido ao patrimônio do réu se mostram muito mais prováveis do que quando se estiver por tratar da efetivação provisória da sentença que é recebida no efeito devolutivo (incluindo os casos de concessão de antecipação de tutela na sentença), sendo esta última (sentença) fundada em cognição exauriente.
Por tais motivos, somos da opinião de que, sendo o risco da efetivação provisória da decisão interlocutória maior do que o da efetivação provisória fundada em sentença, deverá o legislador fixar o dever do autor beneficiado com a medida indenizar o réu prejudicado em dobro (caso revertida a decisão que autorizara a efetivação provisória), como forma de coibir a efetivação de decisões sabidamente equivocadas. Com tal medida, haveria a diminuição do risco de prejuízo indevido ao réu, pois somente os autores certos de seu direito utilizariam a efetivação provisória, cientes da possibilidade de indenização em dobro.
Além do mais, tanto um quanto outro procedimento de efetivação provisória demandaria uma especificação legislativa mais precisa do conceito de caução idônea, tal qual previsto no art. 588, II do CPC. Deve-se ter em mente, de acordo com as observações de Paulo Henrique Lucon [14], que a caução, para ser idônea, deve atender aos requisitos da exigibilidade, suficiência e qualidade. Para o referido autor, tais pressupostos significam auferir acerca da necessidade ou não da caução para o início dos atos executivos antecipados [15] (exigibilidade), determinar se a caução tem o condão de "retornar as partes ao estado anterior", caso o provimento que a fundamenta seja revertido (suficiência) e se a caução é idônea para os fins a que se presta (qualidade).
Por fim, registre-se que discordamos de José Raimundo Gomes da Cruz [16], segundo o qual uma das soluções para o processo de execução seria a redução do rol de bens impenhoráveis. Em nossa opinião, os problemas do processo de execução possuem origem estritamente processual, e não material (como o são as normas que determinam a impenhorabilidade de certos bens).
3.2.2.Execução de título extrajudicial
No âmbito de propostas para melhorar o processo de execução, não se pode olvidar do importante papel da execução de títulos extrajudiciais, processo que, assim como a execução de títulos judiciais, também demanda alterações legislativas.
Com o fim da execução de sentença, restará a execução, enquanto processo autônomo, para os títulos executivos extrajudiciais, o que, todavia, não limita o campo de incidência das alterações que podem ser feitas para um melhor aperfeiçoamento de tal processo.
Uma das mudanças que pensamos ser útil é a relativização do chamado efeito suspensivo dos embargos à execução. A suspensão do curso de todo o processo deve ser evitada, aplicando-se tal suspensividade somente aos atos que impliquem em transferência de propriedade. Assim, adiantam-se ao máximo os atos de execução, sem prejuízo algum para o executado.
Outra melhora que, em nossa opinião, pode ser efetivada na legislação é a real sanção do executado por não nomeação de bens à penhora, uma vez havendo patrimônio disponível. Assim, em vez de configurar atentado à dignidade da justiça, que termina em somente aumentar o quantum exeqüendo, pensamos que traria maior eficácia ao processo a atribuição de outra conseqüência para a ocultação de bens, a qual seria a perda do direito à oposição de embargos e a vedação à suspensão dos atos executivos, uma vez precluso aquele ato processual. Evidente que as matérias de ordem pública persistiriam passíveis de cognição ex officio pelo juiz, o que resguarda a possibilidade da efetivação de execuções infundadas.
Afinal, como já bem apontava Alberto Camiña Moreira [17], "...se o executado deixa de nomear bens à penhora, sua omissão é manifestamente intencional, posto que ele tem plena ciência dos elementos do seu patrimônio..." (grifos nossos)
Outra mudança significativa seria a agilização do procedimento dos Embargos à Execução. Estes, muito embora sejam uma ação de conhecimento, podem muito bem ser regidos por um procedimento especial. Assim, de todo favorável à celeridade do processo que os embargos fossem apresentados concomitantemente à nomeação de bens à penhora, ficando seu conhecimento condicionado à suficiência e idoneidade desta e correspondente liquidez dos bens penhorados.
3.3.OUTRAS SUGESTÕES
Há, ainda, alterações que podem ser implementadas em institutos que dizem respeito tanto à efetivação da sentença quanto à execução de títulos extra-judiciais, posto que relacionada com a satisfação mesma do credor.
O atual procedimento para a alienação de bens penhorados, com a sua venda em hasta pública, também contribui muito para a depreciação dos mesmos. Uma solução para reduzir tal burocracia seria a atribuição da venda do bem penhorado a um profissional habilitado para tanto, como um corretor ou representante comercial, a ser nomeado pelo juiz, conforme indicação do respectivo Conselho Profissional (e, na ausência dele, a entidade que represente os profissionais). Trata-se de procedimento já existente em relação aos bens imóveis (art. 700 do CPC) e a ampliação do âmbito de incidência da referida norma seria de todo saudável para a pretensão do credor, que não ficaria esperando a hasta pública para saber se realizaria ou não seu direito. Os juizados especiais cíveis já adotam sistemática semelhante, como se pode notar do artigo 52, VII da Lei 9.099/95 [18].
Tal regime seria subsidiário ou mesmo concorrente [19] ao atual (utilização de leilões e praças), dependendo de escolha do autor/exeqüente. A adoção de leilões unificados com lances pela Internet também seria de boa índole. Por óbvio que, de uma forma ou de outra, o preço de arremate do bem não poderia ser vil, de forma a prejudicar o Réu/Executado, não podendo, segundo pensamos, ser inferior a 60% (sessenta por cento) do valor de avaliação.
Há que se fazer, ainda, uma releitura do princípio da dignidade do devedor, de forma que o mesmo seja interpretado de acordo com a sua adequação na Ordem Jurídica atual, em contraste com o princípio da satisfatividade do credor, aplicando-se, por demais, a conhecida proporcionalidade.
Pensamos que, na atual conjuntura jurídica brasileira, o princípio da dignidade do devedor deve possuir aplicação somente se o executado for hipossuficiente em relação ao credor. A hipossuficiência, que advém do fato de que o devedor sofre sujeição ao credor também no plano do direito material (e não somente no plano processual, como ocorre em toda execução) gera a necessidade, assim, de proteção da dignidade mesma do devedor. Exemplo clássico é a execução movida por Instituições Financeiras, na qual são cobrados juros estratosféricos. Em tais situações, o devedor deve possuir algumas prerrogativas, como forma de contrabalancear, no processo, a desigualdade sofrida no plano material. Nas demais situações, em que não haja hipossuficiência, deve o princípio da satisfatividade do credor prevalecer, posto que voltado mesmo à preservação da segurança jurídica.
Uma última sugestão seria conferir a todos os Oficiais de Justiça a aptidão de avaliadores, como ocorre na Justiça Federal. De tal maneira, não há necessidade de paralisação do processo para que se proceda à avaliação por perito.