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Um final melancólico

Agenda 03/11/2017 às 14:00

O texto discute sobre caso concreto envolvendo a possibilidade de asilo político e de refúgio no direito internacional.

Noticia-se que Rebelião, insurreição, malversação de fundos públicos e outros crimes são as acusações contra o ex-presidente da Catalunha, Carles Puigdemont — destituído de seu cargo com aplicação do Artigo 155 pelo governo central em Madri — conselheiros do governo e a mesa do Parlamento regional, com penas que podem chegar a 30 anos de prisão aos envolvidos no processo que culminou na declaração de independência da região. Refugiado em Bruxelas, na Bélgica, juntamente com outros cinco ex-conselheiros de seu governo, Puigdemont viu uma oferta de asilo político feita pelo secretário belga de Migrações e Asilos, Theo Francken, ser desautorizada pelo premier Charles Michel, o que o obrigou a pedir ajuda ao advogado Paul Beckaert, responsável por evitar a extradição de Natividad Jauregui, integrante do grupo terrorista basco ETA, e foragida da Justiça espanhola por mais de três décadas, em 2013.     

O que  assusta na novela catalã é a irracionalidade dos cálculos dos separatistas. Do lado dos ganhos está apenas a realização do desejo de dizer que são independentes. Do lado das perdas, contam-se a exclusão do mercado da Espanha, a exclusão do mercado da União Europeia, a perda de investimentos e a fuga de empresas.

É um final já esperado para um filme que tinha tudo para não terminar bem.

O  advogado Diego López Garrido, responsável pela elaboração de mudanças no Código Penal espanhol com respeito ao crime de insurreição, afirmou à TV catalã Antena 3 que não considerava Puigdemont e os outros acusados culpados.

— No meu julgamento, não houve crime de rebelião porque o processo não produziu episódios de violência — explicou.     

Parte-se para o asilo político.

O comissário-geral belga para os refugiados e apátridas disse  que devem existir "sinais sérios de perseguição" para que a Bélgica conceda asilo a outro cidadão europeu, como poderia ser o caso do ex-presidente catalão Carles Puigdemont.

Devemos distinguir asilo territorial, de asilo diplomático e, por fim, refúgio.

No Direito Internacional Público sabe-se que um Estado não é obrigado a aceitar, em seu território, o ingresso de estrangeiros, quer a título provisório, quer a título permanente. Sendo assim, o direito de admitir ou não estrangeiros em seu território ou de admitir ou não condicionalmente, ou de expulsá-los é uma consequência necessária da soberania estatal.

O asilo territorial é o recebimento de estrangeiro em território nacional, sem os requisitos de ingresso, para evitar punição ou perseguição baseada em crime de natureza política ou ideológica geralmente por crime praticado em seu país. Assim tal concessão tem por objetivo proteger uma pessoa que, por seus motivos políticos ou ideológicos, sinta-se perseguida ou ameaçada.

Independentemente do que enuncia a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948, em seu artigo 27, ao prescrever que "Toda Pessoa tem o direito de procurar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição que não seja motivada por delitos de direitos comuns(crimes comuns), e de acordo com a legislação de cada país, e com as convenções internacionais", a Constituição de 1988 prevê a concessão de asilo político, seja territorial ou diplomático, sem quaisquer restrições, sendo este um dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil deve se reger nas suas relações internacionais, como se lê do artigo 4º, inciso X.

Anoto, desde já, a lúcida ponderação do Ministro Nélson Hungria (Comentários ao Código Penal, volume I, tomo I, 5º edição, Rio de Janeiro, 1977, pág. 367), para quem "a indagação para outorga de asilo, seja o diplomático, seja o territorial, não deve limitar-se ao caráter político deste ou daquele crime imputado, mas atender, também, ao móvel político da acusação, ainda que esta seja, refalsadamente, por crime comum". Para o príncipe dos penalistas brasileiros, não só a perseguição por crimes políticos condiciona o asilo, senão também a perseguição por motivos políticos.

O asilo político tem a característica de ser, ainda, asilo territorial, concedendo-o o Estado ao estrangeiro que, tendo cruzado a fronteira e ingressado em seu território, aí requereu o benefício. O asilo diplomático ou extraterritorial, por sua vez, é modalidade de asilo territorial, mas dotado de característica de provisoriedade e precariedade, e que é concedido, no âmbito da América Latina, pelo Estado fora do seu território, isto é, no território do próprio Estado onde o individuo estaria sendo perseguido. Tal concessão se dá em locais imunes à jurisdição daquele Estado, como embaixadas, representações diplomáticas, navios de guerra, acampamentos ou aeronaves militares. Lembro que, a teor do artigo 5º da Convenção de Caracas, que, uma vez concedido o asilo, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a concedê-lo imediatamente, salvo por motivo de força maior. O salvo-conduto é requerido pela autoridade asilante  - normalmente o embaixador – a fim de que o asilado possa deixar o território do país com segurança para receber o asilo territorial no Estado disposto a recebê-lo, impedindo que o asilado seja detido no caminho da embaixada até o aeroporto internacional da capital do seu País.

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Ora, e se o Estado se negar a dar esse salvo-conduto? Por certo, na linha do já decidido no precedente Haya de La Torre, Chefe do Partido Aprista Peruano, em rumoroso caso envolvendo o Peru, que lhe negou salvo-conduto, e a Colômbia, em cuja embaixada ele se refugiou, a Corte Internacional de Justiça entendeu que as partes, por princípios de cortesia e boa-vizinhança, devem chegar à solução prática, mas exigiu a caracterização do status de urgência para adoção da medida, exigido pela Convenção de Havana. 

Por sua vez, dele se distancia  o refúgio, instituto tratado na Lei 9.474, de 22 de julho de 1997, que reconhece como refugiado, todo indivíduo que: devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora do seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa a ele regressar e, por fim, devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seus país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Tal redação segue àquela exposta na Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951, e seu Protocolo, de 1966.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um final melancólico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5238, 3 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61613. Acesso em: 22 nov. 2024.

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