A forte identificação cultural que o Brasil partilha com a África facilita a cooperação no âmbito educacional, principalmente com os países em que há identificação da língua portuguesa, os chamados PALOPs. A educação já consistia numa área de cooperação com várias ações durante o período Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), favorecida exatamente pela ligação histórica com os países de identidade lusófona. Contudo, cresceu exponencialmente nos governos Lula (2003-2010).
O Ministério da Educação (MEC) atua auxiliando os setores responsáveis do Itamaraty (MRE) a formular e executar as políticas sobre o tema, haja vista o fenômeno verificado nos últimos anos marcado pela perda de exclusividade do Itamaraty na promoção da cooperação internacional, com muitos ministérios e órgãos do governo, passando a reservar parte do seu orçamento e da sua atividade para questões internacionais.
Conforme destacado por Milani, Conceição e M’Bunde (2016), a cooperação técnica brasileira na seara educacional possui uma vasta lista de setores, de modo que, ao considerar as atividades relatadas pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), entre 2005 e 2013, a educação ocupava o terceiro lugar entre todas as ações concluídas e em curso, com participação de 10,93%, estando atrás apenas da agricultura, com 19,26%, e da saúde, com 15,4%.
Dando conta da referida ampliação no período Lula, destacamos as seguintes iniciativas da cooperação Brasil-África, entre 2003 e 2010:
1) Criação da Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (UNILAB), com sede em Redenção, Ceará, que recebe estudantes e professores oriundos dos Países Africanos de Língua Portuguesa (Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné-Bissau), além de Timor-Leste. A universidade conta com currículos voltados às necessidades específicas das nações africanas, como a formação de professores, a gestão pública e o desenvolvimento agrário.
2) Implementação de programas diversos de apoio na área de educação a países da CPLP (implantação de polo da Universidade Aberta do Brasil - UAB; Programa Nacional de Alimentação Escolar; Programa de Incentivo à Formação Científica; Programas Amílcar Cabral e José Aparecido em Moçambique; Programas de PEC-G e PEC-PG; Programa de Incentivo à Formação Científica e Programa Escola de Todos em Angola; Projeto Merenda Escolar, Projeto Alfabetização de Adultos e Projeto Proformação, estes em São Tomé e Príncipe).
3) Seleção, pelo Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G), de mais de 4 mil alunos de 20 países africanos diferentes (África do Sul, Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné-Bissau, Mali, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Quênia, República do Congo, República Democrática do Congo (antigo Zaire), São Tomé e Príncipe, Senegal e Togo) para estudarem no Brasil. Com isso, a despeito da forte participação dos PALOPs no programa, também vemos uma distribuição desta iniciativa por nações de outras regiões da África subsaariana.
4) Seleção, pelo Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG), de alunos de 14 países africanos (Angola, Benin, Cabo Verde, Camarões, Costa do Marfim, Egito, Gana, Guiné-Bissau, Moçambique, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe e Senegal) para estudarem no Brasil. Mais uma vez destaque para os PALOPs, com considerável participação de outras nações africanas.
5) Em 2009, o Programa “Linguagem das Letras e dos Números” auxiliou na capacitação profissional de cerca de 120 professores de Matemática e Português de Cabo Verde, com perspectiva de expansão.
Fonte: ÁFRICA – EDUCAÇÃO (MRE), 2015.
Para contextualizar, a primeira cooperação na área de educação dos PALOPs foi no período militar, a saber, Cabo Verde em 1977, Guiné-Bissau em 1978, Angola e Moçambique em 1980, São Tomé e Príncipe em 1984 (SILVA, 2012).
Considerando que os PALOPs constituem o grupo de países africanos que mais recebeu cooperação em educação por parte do Brasil, e que os programas PEC-G e PEC-PG são destaques dessa iniciativa, vale a pena apresentarmos duas tabelas que trazem dados desde 2000, e que vão um pouco além do período Lula.
Número de estudantes dos PALOPs no âmbito do PEC-G, entre 2000 e 2013
PAÍSES |
2000 |
2001 |
2002 |
2003 |
2004 |
2005 |
2006 |
2007 |
2008 |
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
2013 |
Total |
Angola |
3 |
21 |
29 |
23 |
31 |
11 |
31 |
28 |
91 |
68 |
48 |
83 |
61 |
53 |
583 |
Cabo Verde |
117 |
65 |
227 |
263 |
192 |
230 |
314 |
265 |
381 |
206 |
133 |
76 |
100 |
88 |
2.657 |
Guiné-Bissau |
36 |
88 |
111 |
97 |
58 |
186 |
159 |
19 |
133 |
181 |
95 |
55 |
118 |
- |
1.336 |
Moçambique |
12 |
13 |
27 |
21 |
26 |
27 |
13 |
9 |
4 |
4 |
9 |
7 |
6 |
13 |
191 |
São Tomé e Príncipe |
- |
- |
24 |
- |
47 |
147 |
35 |
13 |
12 |
4 |
6 |
19 |
5 |
3 |
315 |
PALOP |
168 |
187 |
418 |
404 |
356 |
601 |
552 |
335 |
621 |
463 |
291 |
240 |
290 |
157 |
5.083 |
Toda a África |
187 |
214 |
451 |
442 |
395 |
650 |
589 |
378 |
784 |
517 |
383 |
378 |
378 |
255 |
6.001 |
Todos os países |
322 |
386 |
591 |
524 |
447 |
780 |
717 |
503 |
902 |
642 |
498 |
463 |
477 |
424 |
7.676 |
Fonte: MILANI, 2015, p. 25.
Obs: Guiné-Bissau foi suspensa do programa em 2013 por conta do golpe de estado no país.
Número de estudantes dos PALOPs no âmbito do PEC-PG, entre 2000 e 2012
PAÍSES |
2000 |
2001 |
2002 |
2003 |
2004 |
2005 |
2006 |
2007 |
2008 |
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
Total |
Angola |
1 |
1 |
6 |
3 |
1 |
2 |
3 |
7 |
5 |
2 |
8 |
10 |
8 |
57 |
Cabo Verde |
4 |
4 |
5 |
5 |
6 |
12 |
22 |
6 |
8 |
7 |
15 |
4 |
14 |
112 |
Guiné-Bissau |
1 |
1 |
3 |
1 |
1 |
6 |
5 |
2 |
3 |
2 |
6 |
2 |
5 |
38 |
Moçambique |
5 |
5 |
9 |
5 |
8 |
12 |
16 |
12 |
9 |
3 |
8 |
21 |
24 |
137 |
São Tomé e Príncipe |
- |
1 |
- |
- |
- |
4 |
- |
- |
- |
1 |
1 |
1 |
2 |
10 |
PALOP |
11 |
12 |
23 |
14 |
16 |
36 |
46 |
27 |
25 |
15 |
38 |
38 |
53 |
354 |
Toda a África |
14 |
15 |
25 |
17 |
17 |
40 |
48 |
32 |
28 |
16 |
39 |
39 |
59 |
389 |
Todos os países |
76 |
76 |
99 |
56 |
70 |
120 |
171 |
170 |
183 |
230 |
188 |
215 |
226 |
1.880 |
Fonte: MILANI, 2015, p. 25.
Os dados chamam atenção para a concentração do programa voltado para a área de graduação, em contraposição a baixa participação da pós-graduação, que ainda está em crescimento no Brasil. Os números também confirmam a expansão de ambos na gestão Lula, ainda mantendo a forte presença de ações com os PALOPs, mas aumentando o resultado com outros países africanos. Do lado do PEC-G chama atenção a maior participação de Cabo Verde e Guiné-Bisssau. Já no que tange ao PEC-PG, o país africano com maior participação foi Moçambique. Quando olhamos para o peso dos programas no cômputo de todos os países com os quais o Brasil mantém essa relação, identificamos uma considerável vinda de alunos africanos para estudarem aqui, contundo uma proporção pequena de estudantes do velho continente no caso da pós-graduação.
Segundo Milani, Conceição e M’Bunde (2016), no caso dos PALOP, a busca por bolsas de graduação pode refletir a realidade do mercado local em cada um desses países, visto que graduados tenderiam a obter trabalho mais facilmente, sem a necessidade de uma pós-graduação.
A expansão da cooperação nessa área, ainda que de grande relevância, tem encontrado dificuldades por conta da não prioridade da África na política externa atual. No entanto, como lembram Pinheiro e Beshara (2012), a educação é uma das áreas mais importantes na prática do soft power na política internacional. Como requer um gasto relativamente pequeno, pode representar uma das formas mais viáveis para o Brasil exercer alguma influência na diplomacia mundial em tempos de crise política e econômica.
Bibliografia:
ÁFRICA – EDUCAÇÃO (MRE). In: Balanço de Política Externa (2003-2010). Ministério das Relações Exteriores/Secretaria de Planejamento Diplomático. 2015. Disponível em:<http://kitplone.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/2.2.5-africa-educacao>. Acesso em: 17 abr. 2015.
MILANI, Carlos R.S. International Development Cooperation in the Education Sector: the role of Brazil. Ed. UNESCO Paper Education for All Global Monitoring Report, 2015. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002324/232477E.pdf>. Acesso em: 08 mar. 2017.
MILANI, Carlos R.S; CONCEIÇÃO, Francisco Carlos da.; M’BUNDE, Timóteo Saba. Cooperação Sul-Sul em educação e relações Brasil-PALOP. In: Cadernos CRH, Vol. 29, nº 76, jan./abr, Salvador, 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccrh/v29n76/0103-4979-ccrh-29-76-0013.pdf>. Acesso em: 05 mai. 2017.
PINHEIRO, L.; BESHARA, G. L. Política externa e educação: confluências e perspectivas no marco da integração regional. In: PINHEIRO, L.; MILANI, C. R. S. (Orgs.). Política externa brasileira: as práticas da política e a política das práticas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2012.
SILVA, Diego Barbosa da. As contradições da cooperação técnica em educação Brasil-CPLP: o caso do Timor-Leste. In: Carta Internacional. Vol. 7, nº 2, jul.-dez. 2012, pp. 127-148. Disponível em: <https://cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/62/48>. Acesso em: 08 mar. 2017.