4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É pura ilusão pensar que o recrudescimento das medidas penais gera uma maior segurança. Beccaria - arquiteto do pensamento criminológico atual - vai de encontro a essa tese, ao aduzir que legislação que penaliza excessivamente não contribui em nada para a ressocialização do preso, conseqüentemente não afeta de modo positivo o controle social (redução dos indicadores de delinqüência).
A pena tem duas funções precípuas: reeducar o apenado e prevenir novas lesões a um determinado bem jurídico através do temor que o cárcere (desdobramento da prática delitiva, na maioria das vezes) inspira nas pessoas. A Criminologia Clássica constata que se deve investir muito mais na primeira função – medidas ressocializadoras inteligentes e bem formuladas, pois a segunda (prevenção do crime pelo aumento da severidade penal) nunca encontrou sucesso nas sociedades ocidentais modernas. Portanto, conclui-se que Direito Penal não deve ser usado “como instrumento de pedagogia social”.
As metodologias penais propostas pelo Direito Penal do Inimigo são recheadas de atos de violência contra a dignidade da pessoa humana em nome da segurança. Parece que os nossos legisladores não lembram daquele jargão que toda mãe ensina aos seus filhos na mais tenra idade, que violência só produz mais violência e, também não sabem que Princípio Constitucional não pode ser transgredido, principalmente o da Dignidade da Pessoa Humana, cerne da nossa Constituição Federal de 1988. Pelo visto, eles não enxergam que essa fórmula política que usa cada vez mais a força repressiva do Estado e que suprime garantias fundamentais do cidadão (outorgadas pela Constituição) não está obtendo êxito algum.
O Poder Legislativo, dentro do moderno contexto dos Estados de Direito, deveria implementar uma fiscalização administrativa mais eficaz, ou então criar projetos de lei que ensejem a previsão de receitas para o incentivo à políticas públicas de conscientização que previnam a prática de condutas humanas que as leis criminais querem tipificar de imediato. O que se observa nas normas penais da atualidade é que as mesmas tem o objetivo de penalizar e não de proibir, visto que a mera proibição não é encarada positivamente pela população/eleitorado, que é quem dita os rumos da política e quem tem a prerrogativa (pelo voto) de manter os parlamentares no poder.
Diante de tudo o que foi exposto no presente trabalho, constata-se a existência de leis penais do inimigo, chamadas de “simbólicas”, pois configuram apenas uma reafirmação simbólica e não concreta dos valores sociais. Leis Penais fortes e efetivas são aquelas que não se limitam ao plano simbólico e sim as que atingem o “nível instrumental” de fortalecimento dos valores e normas sociais.
O Direito Penal precisa ser colocado no seu lugar de subsidiariedade, sendo a ultima ratio a ser utilizada dentro da organização social e política das nações democráticas de hoje, como o Brasil, por exemplo, até porque ele não é o ramo jurídico mais eficiente para aplacar o caos social. O que lhe aumenta o grau de produtividade e eficácia é justamente o trabalho em conjunto com as outras ciências jurídicas; cada uma legislando de modo autônomo e inteligente, estudando e propondo soluções, deixando o Direito Penal Sancionador como ultima ratio a ser chamada para resolver a problemática social.
Uma outra situação intrigante é que as autoridades que possuem legitimidade para suscitar o Controle de Constitucionalidade via abstrata aceitam a legislação penal ordinária e não tomam nenhuma providência no sentido de tirarem tais leis, que afrontam os princípios e garantias constitucionais básicas. Isso também nos remete à baderna instalada na Justiça Criminal, com as infinitas ações que discutem a constitucionalidade via concreta dessas leis penais de exceção. Constata-se, pois, que os modernos arcabouços legislativos penais já alcançaram a tal “terceira velocidade”.
Quem tem poder para colocar em risco os princípios fundamentais da Carta Política é o próprio Poder Legislativo, que a constituiu, e ele já está fazendo isso ao legislar normas penais de “terceira velocidade”, colocando em perigo a própria estabilidade política – que, no Brasil, foi conquistada após um período de trevas na Democracia (ditadura militar).
Os órgãos legiferantes necessitam de um pouco mais de racionalidade na elaboração das leis penais. Lei nenhuma pode insultar os princípios da Carta Magna – estruturadora máxima da paz e do bem coletivo. Já a sociedade de massa precisa desconstruir a ideia de que normas penais drásticas resolvem a desordem social, e a partir daí, exercer um Controle Constitucional, através dos seus representantes no Parlamento, sobre essas tais normas.
Pode-se vislumbrar, por fim, que o excesso de preocupação com a segurança vai paulatinamente tirando a nossa liberdade. Talvez seja por isso que as leis penais sancionadas atualmente estejam mitigando a nossa liberdade com a diminuição ou supressão de direito humanos essenciais, elevados pela Constituição à categoria de PRINCÍPIOS. O próprio Estado “garantista” vai acabar sendo o verdadeiro INIMIGO dos cidadãos, na medida em que colocará em extinção os direitos e garantias fundamentais do homem.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARATTA, Alessandro. Funções instrumentais e simbólicas do direito penal. Lineamentos de uma teoria do bem jurídico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 5, p. 13-14, janeiro a março, 1994.
BASTOS, Marcelo Lessa. Alternativas ao direito penal do inimigo. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=9481> Acesso em: 11 out 2013.
BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da pós-modernidade.(tradução de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1998.
BECK, Ulrich. La Sociedad del Riesgo. (tradução de Jorge Navarro). Barcelona: Paidós, 1998.
BELINA FILHO, Inácio. Considerações sobre o Direito Penal do Inimigo. 2005. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/33224/public/33224-42184-1-PB.pdf> Acesso em: 04 out 2013.
BINATO JÚNIOR, Otávio. Do Estado Social ao Estado Penal: o Direito Penal do inimigo como novo parâmetro da racionalidade punitiva. 2007. Dissertação (Direito) Universidade Vale dos Sinos, 2007.
___. O fim das certezas? O Direito Penal na Sociedade do Risco. 2004. Monografia. (Ciências Jurídicas e Sociais) Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/_ConstituiçaoCompilado.htm Acesso em: 09 out 2013.
BONHO, Luciana Tramontim. Noções introdutórias sobre o Direito Penal do Inimigo. Disponível em : < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8439. Acesso em: 14 out 2013.
CANCIO MELIÁ, Manuel; JAKOBS, Günter. Direito penal do inimigo: noções e críticas. (tradução André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli) Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
CARVALHO, Thiago Fabres de. O “Direito Penal do Inimigo” e o “Direito Penal do homo sacer da baixada”: exclusão e vitimação no campo penal brasileiro. Disponível em: <http://www.ihj.org.br/pdfs/Artigo_Thiago_Fabres.pdf>. Acesso em: 21 out 2013.
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. (tradução de Perfecto Ibáñez). Madrid: Trotta, 1999.
GOMES, Luiz Flávio. Reação de Zaffaroni ao Direito Penal do Inimigo. 2005. Disponível em: < http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B488C5029-7244-4D5C-BA7C-43441FDB80D0%7D_7.pdf> Acesso em: 26 set 2013.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal do Inimigo: Breves Considerações. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10836. Acesso em: 04 out 2013.
MAESTRI, Letícia de Almeida; RIBEIRO, Thiago Aramizo. Direito Penal Econômico: delitos de perigo e a escola de Frankfurt. 2008. Disponível em: <http:// www.ic-ufu.org/anaisufu2008/PDF/SA08-11127.PDF> Acesso em: 04 out 2013.
MENDOZA BUERGO, Blanca. El Derecho Penal en la Sociedad del Riesgo. Madrid: Civitas, 2001.
PACHECO, Luiz Fernando. Correlação do gasto social e do gasto na segurança pública com a criminalidade nas cidades de Florianópolis e São José. 2005. Monografia. (Ciências Econômicas) Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.portalcse.ufsc.br/gecon/coord.../Luiz%20Fernando%20Pacheco.pdf>. Acesso em: 07 out 2013.
ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. A Expansão do Direito Penal – Aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. (tradução de Luiz Otávio de Oliveira Rocha). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
SOUZA SANTOS, Boaventura. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.
STELLA, Federico. Giustizia e Modernità: La protezione dell’innocente e la tutela delle victime. 2.ed. Milão: Giuffrè Editore, 2002.
STRECK, Lenio Luiz; BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. (tradução de Sérgio Lamarão). Coleção Pensamento Criminológico. v.14. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
Notas
[1] Pacheco (2005, p. 64) conceitua macrocriminalidade como sendo a criminalidade organizada internacional, [...] uma criminalidade difusa que se caracteriza pela ausência de vítimas individuais, pela pouca visibilidade dos danos causados, bem como por um novo modus operandi (profissionalismo, divisão de tarefas, participação de gente insuspeita, técnicas sofisticadas etc.).
[2] Maestri e Ribeiro (2008, p. 01) referem-se à escola de Frankfurt como uma academia de teoria social interdisciplinar neo-marxista, particularmente associada com o Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. A escola de Frankfurt, defende “o Direito Penal Clássico, tece algumas críticas à sociedade de risco, em especial aos crimes de perigo abstrato, pois estes seriam uma afronta aos princípios do Direito Penal mínimo e da subsidiariedade”.
[3] Maestri e Ribeiro (2008, p. 01) traz o conceito de Welfare State, Estado Social ou Estado providência, inferido dos ensinamentos da escola de Frankfurt, como sendo um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à população.
[4] Em nota de rodapé, Binato Júnior coloca que “esta politização do Direito Penal não vem senão corroborar a opinião de Ulrick Beck, quando dizia este que a gestão dos riscos é erigida a uma posição socio-política chave e que havia uma tendência de politização de esferas apolíticas, notadamente as que maior proximidade tinham com a gestão dos riscos. Ora, conforme estamos vendo, sendo o Direito Penal o principal meio estatal de combate aos riscos, nada mais lógico que ocorrer uma politização crescente de seus institutos.”
[5] PINHO, Ana Cláudia Bastos de. Apud: BOSCHI, Marcus Vinicius. As reformas penais e a sua “eficácia” frente à sociedade do risco: Um breve ensaio. In: Ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Souza. Porto Alegre: Ricardo Lenz Editor, 2003. p. 571).
[6] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Algumas reflexões sobre o Direito Penal e a Sociedade de Risco. In: Seminário Internacional de Direito Penal da Universidade Lusíada. Lisboa, março de 2000. p. 5-6.
[7] DENNINGER, Erhard: “Segurança, diversidade e solidariedade” ao invés de “liberdade, igualdade e fraternidade”. In Revista Brasileira de Estudos Políticos da Universidade Federal de Minas Gerais, nº 88, dez. 2003.
[8] HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo : Martin Claret, 2004.
[9] KANT, Emmanuel. A paz perpétua. São Paulo: Brasil, 1936.
[10] Bastos (2007, p. 06) diz que a denominação punitivismo refere-se ao endurecimento desregrado das sanções penais cominadas às normas penais efetivas.
[11] Bonho (2006, p. 08) utiliza a doutrina de Silva Sánchez para falar que neutralização consiste no processo, no qual é “possível identificar-se um número pequeno de delinqüentes que são responsáveis por um grande número de delitos e que tendem a continuar delinqüindo, partindo-se para tanto de critérios estatísticos. Dessa forma, neutralizando-se os delinqüentes – mantendo-os na prisão pelo máximo de tempo possível – ter-se-ia uma radical redução do número de delitos, importante benefício a baixo custo. A neutralização tem-se manifestado de várias formas, como por exemplo, na adoção de medidas de segurança tais como, privação da liberdade e liberdade vigida, que visam manter o individuo sob controle do Estado mesmo após cumprida a pena de acordo com a sua culpabilidade, além da adoção de medidas prévias à condenação em excesso”.