Em 6 de julho de 2015, foi promulgada a Lei n. 13.146, conhecida como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ou Estatuto da Pessoa com Deficiência. A norma inovou na ordem jurídica em diversos aspectos da vida social, determinando a inclusão das pessoas com deficiência.
Deficientes, na acepção da Lei, é aquele que possui “impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Ou seja, os deficientes físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais são os destinatários da lei, motivo pelo qual o Estado e o setor privado devem assegurar seus direitos, com o propósito de garantir igualdade.
A respeito da educação, a norma dedica um capítulo ao direito (artigos 27 ao 30), determinando que os setores público e privado desenvolvam medidas de inclusão ao deficiente. Confira os dispositivos abaixo:
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
II – aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;
III – projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;
IV – oferta de educação bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas;
V – adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;
VI – pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva;
VII – planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;
VIII – participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;
IX – adoção de medidas de apoio que favoreçam o desenvolvimento dos aspectos linguísticos, culturais, vocacionais e profissionais, levando-se em conta o talento, a criatividade, as habilidades e os interesses do estudante com deficiência;
X – adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado;
XI – formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio;
XII – oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;
XIII – acesso à educação superior e à educação profissional e tecnológica em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas;
XIV – inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento;
XV – acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar;
XVI – acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino;
XVII – oferta de profissionais de apoio escolar;
XVIII – articulação intersetorial na implementação de políticas públicas.
1o Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.
2o Na disponibilização de tradutores e intérpretes da Libras a que se refere o inciso XI do caput deste artigo, deve-se observar o seguinte:
I – os tradutores e intérpretes da Libras atuantes na educação básica devem, no mínimo, possuir ensino médio completo e certificado de proficiência na Libras;
II – os tradutores e intérpretes da Libras, quando direcionados à tarefa de interpretar nas salas de aula dos cursos de graduação e pós-graduação, devem possuir nível superior, com habilitação, prioritariamente, em Tradução e Interpretação em Libras.
Art. 29. (VETADO).
Art. 30. Nos processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica, públicas e privadas, devem ser adotadas as seguintes medidas:
I – atendimento preferencial à pessoa com deficiência nas dependências das Instituições de Ensino Superior (IES) e nos serviços;
II – disponibilização de formulário de inscrição de exames com campos específicos para que o candidato com deficiência informe os recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva necessários para sua participação;
III – disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento às necessidades específicas do candidato com deficiência;
IV – disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência;
V – dilação de tempo, conforme demanda apresentada pelo candidato com deficiência, tanto na realização de exame para seleção quanto nas atividades acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade;
VI – adoção de critérios de avaliação das provas escritas, discursivas ou de redação que considerem a singularidade linguística da pessoa com deficiência, no domínio da modalidade escrita da língua portuguesa;
VII – tradução completa do edital e de suas retificações em Libras.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência teve sua constitucionalidade questionada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEM), sob o argumento de que traria custos adicionais ao ensino privado, impondo ônus a todos os estudantes.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a constitucionalidade da norma, por maioria, em julgamento que ocorreu em 09 de junho de 2016. Essa decisão fortaleceu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, uma vez que impede que seu conteúdo a respeito da educação tenha sua constitucionalidade questionada em outros tribunais. A fundamentação foi baseada no direito à igualdade como fundamento de uma sociedade democrática, assim como pela necessidade de estimular a diversidade.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.146/2015 (arts. 28, § 1º e 30, caput, da Lei nº 13.146/2015). 1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana. 2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim imperativo que se põe mediante regra explícita. 3. Nessa toada, a Constituição da República prevê em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência, conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244. 4. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio. Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta. 5. O enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da estupefação diante do que se coloca como novo, como diferente. 6. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB). 7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. 8. Medida cautelar indeferida. 9. Conversão do julgamento do referendo do indeferimento da cautelar, por unanimidade, em julgamento definitivo de mérito, julgando, por maioria e nos termos do Voto do Min. Relator Edson Fachin, improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.
(ADI 5357 MC-Ref, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-2016)
Após pouco mais de um ano de julgamento definitivo da ação no STF, que resultou na declaração de constitucionalidade da lei, exporemos, abaixo, a jurisprudência de alguns tribunais estaduais a esse respeito, no que toca à inclusão da pessoa com deficiência nas instituições de ensino:
- Dano moral reconhecido em virtude de recusa na matrícula por ter atingido o número máximo de alunos por sala de aula (TJ/SP)
APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – RECUSA NA MATRÍCULA DE CRIANÇA COM NECESSIDADES ESPECIAS – NÚMERO MÁXIMO DE ALUNOS POR SALA – DANOS MORAIS VERIFICADOS – O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) estabelece que a matrícula de pessoas com deficiência é obrigatória pelas escolas particulares e não limita o número de alunos nessas condições por sala de aula; – As provas dos autos denotam que havia vaga na turma de interesse da autora, mas não para uma criança especial, pois já teriam atingido o número máximo de 2 alunos por turma; – Em que pese a discricionariedade administrativa que a escola tem para pautar os seus trabalhos, a recusa em matricular a criança especial na sua turma não pode se pautar por um critério que não está previsto legalmente. A Constituição Federal e as leis de proteção à pessoa com deficiência são claras no sentido de inclusão para garantir o direito básico de todos, a educação; – Não há na lei em vigor qualquer limitação do número de crianças com deficiência por sala de aula, a Escola ré sequer comprovou nos autos que na turma de interesse da autora havia outras duas crianças com deficiência – e também o grau e tipo de deficiência – já matriculadas, – Dano moral configurado – R$20.000,00. RECURSO PROVIDO
(TJSP; Apelação 1016037-91.2014.8.26.0100; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 20ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/11/2017; Data de Registro: 20/11/2017)
- Necessidade de atendimento educacional especializado (TJ/MG)
REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO À EDUCAÇÃO. MENOR. DEFICIÊNCIA MENTAL LEVE. TRANSTORNOS DE COMPORTAMENTO. ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO. NECESSIDADE. A educação, como direito social, deve ser prestada pelo Estado de forma plena, sendo que o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, está garantido na Carta Magna. Demonstrada a necessidade do menor, portador de deficiência mental leve e transtorno de comportamento, ter atendimento educacional especializado, deve o Município contratar pessoa capacitada para acompanhar o aluno, de forma a assegurar sua participação na rede regular de ensino. Em reexame necessário, confirmar a sentença.
(TJ-MG – Remessa Necessária-Cv: 10325150017722001 MG, Relator: Gilson Soares Lemes, Data de Julgamento: 07/07/2017, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/07/2017)
- Contratação de monitor (TJ/RS)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO À EDUCAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE MONITOR. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70075047142, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Julgado em 05/09/2017).
(TJ-RS – AI: 70075047142 RS, Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Data de Julgamento: 05/09/2017, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/09/2017)
- Intérprete de libras a aluno portador de deficiência auditiva (TJ/PR)
APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENSINO FUNDAMENTAL. APLICAÇÃO DAS NORMAS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DISPONIBILIZAÇÃO DE PROFISSIONAL INTÉRPRETE EM LINGUA BRASILEIRA DE SINAIS (LÍBRAS). ALUNO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ESTADO DE GARANTIR ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA, PREFERENCIALMENTE NA REDE REGULAR DE ENSINO, PARA O FIM DE ASSEGURAR TRATAMENTO ADEQUADO E ISONÔMICO AOS ESTUDANTES. DIREITO FUNDAMENTAL BÁSICO E DE PRIORIDADE ABSOLUTA. DECISÃO MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS (ART. 85, § 11, CPC/2015). RECURSO CONHECIDO
(TJ-PR – REEX: 152921936 PR 1592193-6 (Acórdão), Relator: Carlos Eduardo Andersen Espínola, Data de Julgamento: 07/03/2017, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1992 20/03/2017)