IV. CONCLUSÃO
No presente artigo, discutiram-se os fatores institucionais positivados e não positivados no ordenamento a favorecer a expansão de poder do Judiciário brasileiro. Todos eles devem ser compreendidos em conjunto, pois possuem influências recíprocas. A redemocratização e o retorno das garantias institucionais do Judiciário e funcionais de seus membros, permitiu a tomada de decisões que viessem a ir de encontro com os interesses de instâncias políticas desinteressadas na efetivação de direitos, sem medo de futuras represálias institucionais. Por outro lado, uma Constituição extremamente analítica e desconfiada do legislador, a abranger quase todos os ramos do direito, aliada a um sistema de controle de constitucionalidade que talvez seja o mais amplo do mundo em ferramentas instrumentais e modalidades de acesso, permitiu a ampla judicialização, isto é, o Judiciário pode ser chamado a dar a última palavra sobre praticamente qualquer assunto.
Os fatores acima se aliam a uma delegação normativa realizada pelo legislador, constituinte e ordinário, a promulgar cada vez cláusulas abertas e principiológicas nos textos normativos, delegando o poder de criação da norma específica diretamente ao Judiciário, e ao comportamento estratégico dos atores políticos, transformando o Poder Judiciário em um terceiro turno do processo legislativo ou se omitindo em situações de alto custo político da tomada de decisão.
Somados a esses fatores, adicione-se a adoção pela doutrina nacional de uma nova teoria dos princípios, que permite um agigantamento da função jurisdicional, tornando fluidas as fronteiras entre a aplicação judicial de uma norma e a própria criação da mesma, conjugados a uma percepção latente de uma disfuncionalidade e baixa representatividade das instâncias políticas tradicionais.
Nesse sentido, muito se falou no presente capítulo na adoção de teorias estrangeiras e na questão da discricionariedade judicial. A compreensão do fenômeno da discricionariedade judicial é fundamental para possibilitar estabelecer uma fronteira entre o que é um ato de interpretação e o que é um ato de criação judicial do direito, possuindo alta relevância para este trabalho que visa aferir critérios de legitimidade para este último fenômeno.
Garapon ao refletir sobre o papel do juiz na democracia, proclamou que “(…) A justiça é guardiã do direito, quer dizer, dos pactos anteriores aos quais somos ligados. Ela garante a identidade da democracia (...)”. O fato é que o espaço simbólico da democracia vem migrando silenciosamente da política para o Judiciário.
Todavia, o descrédito que afeta as instituições políticas clássicas, causado pela crise de representatividade e insatisfação que é marca das democracias contemporâneas, não deve conduzir à conclusão de substituição da política e discussão pública por juízes e argumentos jurídicos. A Justiça garante a identidade da democracia, mas só a política pode lhe dar alma. Urge corrigir a democracia, e não solapá-la.
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