As punições administrativas decorrem do poder disciplinar[1] da Administração Publica, sendo que a apuração das infrações administrativas se dá por meio de processo administrativo disciplinar ou meios sumários[2].
Há grande importância do processo administrativo disciplinar, pois esse é obrigatório para a aplicação da penalidade de demissão a servidor público estável (artigo 41, §1º, II da Constituição Federal) ou de penalidade de suspensão por mais de trinta dias, cassação de aposentadoria e disponibilidade e destituição de cargo em comissão (artigo 146 da Lei 8.112/90).
Todavia, em observância à segurança jurídica, existe a necessária limitação ao poder disciplinar, que é a prescrição, representando a perda do prazo para aplicação da penalidade administrativa[3].
O artigo 142, § 1º da Lei 8.112/90 estabelece que a prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. Tal lacunosa redação nos levanta algumas dúvidas, como quem deve ter conhecimento do fato para que se inicie o prazo.
De início, o conhecimento deve ocorrer no âmbito da pessoa jurídica ou órgão no qual se encontra vinculado o servidor público responsável pelo fato caracterizado como transgressão disciplinar. E assim o é por que só dentro da estrutura organizacional em que se encontra lotado o servidor há a possibilidade de se aplicar a respectiva sanção administrativa (o poder disciplinar é uma decorrência da hierarquia[4]).
E a pessoa que deve ter o conhecimento dos fatos é aquela que possui atribuição para a tomada de medida para a apuração da falta (instauração de processo administrativo disciplinar). Isso se justifica por tal autoridade ter a obrigação de determinar a imediata apuração do ilícito administrativo (artigo 143 da Lei 8.112/90), sob pena de, não o fazendo, incorrer em improbidade administrativa (artigo, 11, II da Lei 8.429/92) e no crime de condescendência criminosa (artigo 320 do Código Penal).
O Superior Tribunal de Justiça inicialmente proferiu decisões contrárias a tal tese (MS 11.974), mas acabou por consolidá-la como entendimento dominante:
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDORA DO INSS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CONHECIMENTO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. INSTAURAÇÃO DO PAD. CAUSA INTERRUPTIVA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. PORTARIA INAUGURAL. DESCRIÇÃO DETALHADA DOS FATOS IMPUTADOS É EXIGÍVEL APENAS COM A PORTARIA DE INDICIAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM, POIS OS FATOS PELOS QUAIS JÁ PUNIDA A IMPETRANTE NO PRIMEIRO PAD FORAM EXCLUÍDOS DO SEGUNDO. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL PARA QUE SERVIDOR QUE PARTICIPOU DE UMA COMISSÃO PROCESSANTE VENHA A PARTICIPAR DE OUTRA. PENALIDADE DE DEMISSÃO. PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ORDEM DENEGADA.
(...)
3. A Lei 8.112/90, ao versar sobre a prescrição da ação disciplinar (art. 142), prevê como seu termo inicial a data do conhecimento do fato pela autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar (§ 1º do art. 142), cujo implemento constitui causa interruptiva (§ 3º do art. 142).
(...)
8. Segurança denegada.
[STJ, MS 20.615/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe de 31/03/2017 - grifamos][5]
Entretanto, devemos ressaltar que o servidor que não tem atribuição para determinar a abertura de investigação administrativa contra seu subordinado por infração disciplinar não pode quedar-se inerte, deve levar a falta ao conhecimento da autoridade competente ou incorrerá no crime de condescendência criminosa[6].
Ao lado disso, para iniciar-se o prazo prescricional, há a necessidade que a ciência da autoridade com atribuição para instauração de processo administrativo disciplinar seja inequívoca, não sendo aceita a presunção da ciência. É essa a orientação jurisprudencial:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO DE DEVER FUNCIONAL. APLICAÇÃO DE SUSPENSÃO. PRESCRIÇÃO. INEXISTENTE. CONTAGEM A PARTIR DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA. RAZOABILIDADE DA PENA. CARACTERIZADA REINCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
[STJ, MS 16.093/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 18/06/2012 - grifamos]
Logo, não se presume a ciência dos fatos simplesmente pela veiculação dos mesmos em matéria jornalística, pois não há a ciência inequívoca. Essa ocorre, v.g., quando um delegado de Polícia oficia à autoridade com atribuição para instaurar o processo administrativo disciplinar, informando que determinado servidor foi preso em flagrante extorquindo particular.
Por fim, conclui-se pelo exposto que, no processo administrativo disciplinar regido pela Lei 8.112/90, a prescrição começa a correr da data em que o fato se torna conhecido de forma inequívoca pela autoridade competente para a instauração de processo administrativo disciplinar.
Notas
[1] “Poder Disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração”- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.122.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 711.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 820.
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ob. cit. p. 95.
[5] Nesse mesmo sentido: STJ MS 20.942, MS 18.333, MS 17.954, MS 14.838, MS 20.955, MS 13926, AREsp 981333 e MS 23.663.
[6] Guilherme de Souza Nucci ensina que somente é agente do crime do artigo 320 do Código Penal o funcionário que tem competência para punir e aquele que seja superior hierárquico do funcionário faltoso e não leve ao conhecimento da autoridade competente a falta – NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1351.