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Apropriação indébita da contribuição para financiamento da Seguridade Social (Cofins)

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Agenda 07/03/2005 às 00:00

6.Conceito e Definição do Crime de Apropriação Indébita

Para melhor compreensão do objeto deste estudo, é importante também que se faça uma breve referência sobre o que vem a ser o crime de Apropriação Indébita, no ordenamento jurídico.

O art. 168 do Código Penal traz como núcleo, a apropriação indébita, que após a lei 9.983/00, passou a ser chamada de "apropriação comum", a qual incluiu, no mesmo diploma legal, o art. 168-A, que dispõe sobre um tipo especifico de apropriação indébita, o previdenciário, conforme texto atualizado, do Decreto Lei n.º 2.848/1940 (Código Penal), transcrito abaixo.

Apropriação indébita

Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Apropriação indébita previdenciária

Art. 168-A.

Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Define-se Apropriação indébita (art. 168), conforme se extrai do artigo acima, o fato do sujeito apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou detenção, sendo a característica principal o abuso de confiança, pois o sujeito em determinado instante passa a comportar-se como se fosse dono.

Sendo assim, para a ocorrência do ilícito, é necessário que o sujeito ativo esteja na posse ou detenção da coisa alheia móvel, de modo que, se não estiver na posse, ele não se apropria, ele furta. Então, deve haver tradição livre e consciente, origem legítima, e disponibilidade da coisa pelo sujeito ativo.

Este tipo de crime só é punível a título de dolo, pela vontade livre e consciente do sujeito de se apropriar de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção. O dolo deve ser imediato com a conduta de apropriação.

Portanto, a ação física consiste num ato posterior ao momento em que a coisa é transferida para o poder do agente, revelador do animus domini do sujeito, podendo ocorrer pelo consumo, alienação, retenção, desvio e não restituição.

Neste sentido esclarece, Salles Júnior, conforme transcrito

"Na apropriação indébita não ocorre uma violação da posse material do dono. A coisa não é subtraída (como no furto ou roubo), nem obtida fraudulentamente (como no estelionato). Ao revés é entregue, voluntária e licitamente, pelo proprietário, passando para a posse ou detenção do agente. O poder de fato do agente sobre a coisa é anterior ao crime. A quebra da fidelidade reside justamente no fato de o agente inverter o título da posse ou detenção. A posse ou detenção legítima, permitida ou tolerada, portanto, sempre a título precário, converte-se em poder de disposição. Não reclama o delito dolo inicial, mas sim, subseqüente".· (19)

Importante salientar que, conforme analise do artigo, vimos que para que haja a apropriação indébita, deve haver a tradição da coisa, ou seja, ela deve estar na posse do sujeito passivo, que a entrega livremente ao sujeito ativo, e este por sua vez, em um segundo momento, comete o delito ao apropriar-se da coisa como se sua fosse, negando-se a restituí-la ao verdadeiro proprietário ou "titular" da posse. Por tanto, se a coisa nunca saiu da posse do "suposto" sujeito ativo, este pode, no máximo, ser considerado inadimplente a determinada obrigação.

No caso do art. 168-A, o sujeito passivo é a Previdência Social, que deixa de receber os valores retidos e não repassados, seja pela empresa, seja pela instituição arrecadadora (em geral, os bancos) e o Sujeito Ativo é aquele que reteve "ou deveria ter retido" a Contribuição Previdenciária, e não recolheu o referido valor ao órgão arrecadador previdenciário, ou a instituição que o recebeu e não o repassou.

Embora o referido artigo 168-A, seja deveras questionável, pois, de acordo com a constituição [20], não se pode prender alguém por dívida, salvo pela falta de pagamento de pensão alimentícia e depositário infiel, o que seria, a princípio, o que se poderia imputar como "ilícito", neste caso (inadimplemento), o governo atribui ao "devedor" o ilícito de depositário infiel, conforme Lei 8866/94, que se encontra "sub judice [21]", (ADIN 1055).

Porém, esse não será o foco desta pesquisa jurídica, pois, sendo a Cofins um tributo não englobado como previdenciário, conforme amplamente explanado no Capítulo 2, mesmo que de forma equivocada, quando houver a inobservância do recolhimento de valores retidos, de acordo com o art. 30 da Lei 10.833/03, esta inobservância não se enquadraria no tipo penal, portanto não justifica a abordagem mais aprofundada.

Aliás, o aspecto deste artigo é tão controvertido, que o art. 86 da Lei 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social), já o tratava de forma muito semelhante, "Será punida com as penas do crime de apropriação indébita a falta de recolhimento, na época própria, das contribuições e de outras quaisquer importâncias devidas às instituições de previdência e arrecadadas dos segurados ou do público", mas sem a eficácia que se pretendia, pois se assim não fosse não se teria criado outro dispositivo legal para regulá-lo, como foi o caso do referido artigo 168-A do Código Penal.

Outro dispositivo legal que menciona a "apropriação indébita" é o art. 11 da Lei nº 4.357/64, que dispõe da seguinte forma.

Art. 11. Inclui-se entre os fatos constitutivos do crime de apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal, o não-recolhimento, dentro de 90 (noventa) dias do término dos prazos legais:

a) das importâncias do Imposto de Renda, seus adicionais e empréstimos compulsórios, descontados pelas fontes pagadoras de rendimentos;

§ 4º Quando a infração for cometida por sociedade, responderão por ela os seus diretores, administradores, gerentes ou empregados cuja responsabilidade no crime for apurada em processo regular. Tratando-se de sociedade estrangeira, a responsabilidade será apurada entre seus representantes, dirigentes e empregados no Brasil.

Esta lei, "aparentemente" continua em pleno vigor, apesar de em 1990, ter sido sancionada uma nova lei ordinária nº 8.137/90 que trata "dos crimes contra ordem tributária" deixando dúvida sobre aquela Lei estar ou não revogada por esta, porém, como vimos, aquela lei trata especificamente de Imposto de Renda, o que não é o caso da Cofins, embora o fisco possa querer utilizar-se dela de forma analógica, o que feriria os princípios da legalidade e da anterioridade, não sendo portanto, aceitável o referido procedimento.

Outras leis trataram também do assunto "crime contra ordem tributária", mas não se mencionou em momento algum o suposto "crime de apropriação indébita", não cabendo, por tanto, serem mencionadas.

Resta-nos por fim a Lei 8.137/90, que embora não mencione a apropriação indébita, trata, como dito, dos crimes contra ordem tributária, trazendo em seu texto, no que diz respeito à nossa pesquisa, o que segue.

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa

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Comentando o caput do artigo 1º, GRECO [22], quanto aos termos "tributo ou contribuição social", diz que ao utilizar os dois conceitos de forma alternativa, a lei provoca naqueles que atuam na área fiscal um "arrepio na espinha". Isto porque já foi pacificado, em função de decisões do próprio Supremo Tribunal Federal, que contribuição social é espécie do gênero tributo. Assim, a referência da lei seria desnecessária e inútil.

CANTO & CARVALHO [23], ao comentar a Exposição de Motivos 88, que acompanhou o projeto do qual se originou a lei 8.137/90, diz:

A E.M.88 deixa claro que o legislador quis fortalecer o sistema de arrecadação tributária, coibindo a sonegação e a evasão, mediante a imposição de sanções penais ainda mais severas, bem como criando novos tipos penais, para suprir ‘imprecisões e lacunas’ nas leis penais tributárias anteriores.

Como o objetivo deste capítulo era apenas esclarecer o que vem a ser, segundo a interpretação das leis que o referenciam, na visão de alguns renomados doutrinadores, o crime de Apropriação Indébita, e para que não haja invasão de um capítulo ou título em outro, o que seria redundante e cansativo ao leitor, passemos então ao próximo tópico.

6.1Impossibilidade da Caracterização do Crime de Apropriação Indébita da Cofins.

De plano, descarta-se, a hipótese de imputar o crime previsto no art. 168-A, do código penal ao sujeito possuidor da obrigação de recolher o valor retido, a título de Cofins, visto que, conforme demonstrado anteriormente, o próprio Ministério da Previdência, não reconhece os citados tributos como sendo de natureza previdenciária, considerando contribuição previdenciária, conforme já mencionado, somente as contribuições incidentes sobre folha de pagamento.

Com relação ao art. 168, como analisamos no capítulo 5, o tipo penal não se enquadra ao caso do não recolhimento de contribuição social, pois, como vimos, se o valor não saiu em nenhum momento da posse do "suposto sujeito ativo", não pode ter havido a entrega de coisa ou valor por parte do sujeito passivo, pois, obviamente este não a possuía e é evidente que para transferir a posse deve-se primeiramente tê-la, sendo imperiosa a sua disponibilidade, assim, também é incabível para os casos de não recolhimento dos valores retidos ou não, a título Cofins.

Nos casos de retenção na fonte, por analogia ao disposto pelo Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), os casos em que a lei atribuir ao responsável a retenção exclusiva na fonte, a fonte pagadora fica obrigada ao recolhimento do imposto, [24] ainda que não o tenha retido [25] enquanto que, nos casos de antecipação, [26] a responsabilidade é solidária, ou seja, cabe à fonte pagadora reter e recolher o tributo, mas caso não o faça na época própria, arcará com os encargos (multa, juros e atualização monetária), enquanto que o valor principal do tributo não retido, será de responsabilidade de quem recebeu a quantia, mas se a retenção houver sido realizada, a responsabilidade é integralmente da fonte pagadora.

Salienta-se, somente a título de curiosidade, que a previsão de cobrança de juros de mora e multas que variam de 75% a 150%, foi instituída pela lei ordinária n.º 9.430/96. Aquela mesma que ferindo a constituição federal "revogou" a isenção de Cofins, concedida por lei complementar às Sociedades Civis.

De acordo com o item 17, do parecer normativo 01/2002 da Receita Federal, "havendo a retenção na fonte, sem o devido recolhimento, a fonte pagadora, responsável pelo imposto enquadra-se no crime de apropriação indébita e caracteriza-se como depositário infiel de valor pertencente à fazenda pública".

Quanto à apropriação indébita de tributo, certamente a jurisprudência cometeu um equívoco quando admitiu que o não recolhimento de tributo pode configurá-la independentemente da caracterização do tipo penal e do dolo.

A evidência do equívoco se da pelo fato de que se as normas que dizem ser crime o não-recolhimento de tributos nos prazos legais criam tipo novo, diverso da apropriação indébita e são inconstitucionais porque afrontam a proibição de prisão por dívida (Art. 5º LXVII CF/88), ou então se apenas explicitam que esse não-recolhimento configura o tipo do art. 168, do Código Penal, sua aplicação somente há de se dar quando presentes todos os elementos daquele tipo, entre os quais o dolo específico, além do próprio núcleo "apropriar-se de coisa alheia."

Neste sentido, o julgado transcrito a seguir, demonstra o entendimento da necessidade da posse ou detenção prévia, para caracterizar o delito, conforme segue.

"Apropriação indébita. Inexistência de posse ou detenção prévia. Penal e processual penal. Apelação crime. Recurso defensivo. Apropriação indébita. Inexistente a posse ou detenção prévia dos objetos por parte da agente, imperativa a absolvição. "A unanimidade, deram provimento ao apelo defensivo para absolver, o acusado, com fundamento no art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal [27]".

Ainda. Não tendo o valor saído da posse da fonte pagadora, nada mais ocorreu, senão uma inadimplência, o que de acordo com nosso ordenamento jurídico, não é crime e muito menos é punível com prisão [28], como previsto nos casos de apropriação indébita.

Ressalva se faz à exceção do art. 5º LXVII da CF/88, quanto ao depositário infiel, pois esta figura vem sendo questionada pela ADIN 1055, cabendo apenas comentar que de acordo com os princípios jurídicos brasileiros, a figura do depositário não foi instituída para penalizar, mas sim, para beneficiar o devedor, fazendo cumprir o princípio da proporcionalidade, que busca basicamente o menor ônus possível ao devedor, sem com tudo deixar o credor de ter havido aquilo que lhe é por direito.

Além de ser questionável a sua aplicabilidade devido ao tratado internacional de São José da Costa Rica, assinado pelo Brasil, que exclui esta penalidade e deve ser muito rigorosamente observada, pois conforme o ilustre doutrinador MIRABETE [29], o Código de Processo Penal dá aos tratados o mesmo valor que a lei, afastando esta quando o contraria, citando ainda que mesmo o STF tem decidido que no conflito entre lei e tratado há prevalência deste.

Não bastasse, de acordo com nosso ordenamento jurídico, especialmente o penal, o "criminoso", no caso o contribuinte, não tem o dever de prestar informações, que possam servir como prova do cometimento do crime, que no caso seria contra a ordem tributária ou qualquer outro.

Caso contrário estaria se violando o princípio da isonomia, posto que aos autores de quaisquer crimes, por mais hediondos que sejam seus cometimentos, é assegurado pela Constituição o direito ao silêncio, vale dizer, o direito de não se auto-incriminar.

Entendendo o magistrado, que o contribuinte que se enquadrou no disposto do inciso II, art. 2º da lei 8.137/90 é criminoso, como ali se coloca, este então não há de ser tratado diferentemente, afinal a vigente Constituição Federal, além de garantir que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal, determina que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa."

Além dos argumentos já citados, lembra, com grande perspicácia o professor MACHADO que.

"Relevância também se faz ao Conceito Jurídico de "Tributo", pois, nos tipos penais supressão ou redução de tributo, e apropriação indébita de tributo, o conceito jurídico do que seja o tributo é decisivo.

Assim, não pode ser considerado autor desses crimes o contribuinte que agiu na firme e sincera convicção de que, na hipótese considerada, não havia tributo, mas exigência fiscal ilegal ou inconstitucional.

Sem a consciência de estar suprimindo, ou reduzindo, um tributo (prestação legalmente devida, nos termos da Constituição), não se completa o tipo penal de que se cuida. [30]

Com esse enfoque, vê-se que, de acordo com o que foi amplamente explanado, no capítulo 4, deste trabalho, em virtude da Cofins ser um tributo com sérios vícios, há que se verificar também, além de todos os pontos abordados até aqui, se o contribuinte, ao deixar de reter a contribuição ou retendo não a recolher ao fisco, se este tinha ou não plena convicção de que se tratava de tributo, ou se pairavam dúvidas de que se trata apenas uma exigência que embora legalmente prevista, fere a lei das leis, sendo por tanto inconstitucional.

Como se viu até aqui, o que de fato não existe é a certeza de que o tributo é de fato constitucional, inclusive quanto à exigência de retenção, que já foi contestada em juízo e segundo o entendimento da juíza [31] da 3ª Vara Cível Federal, que julgou um dos primeiros casos neste sentido, a competência para analisar a violação ao art. 246 da CF/88, ferido pela instituição da lei, precedida por medida provisória que regulou a matéria já revista pela emenda constitucional nº 20/98 é do STF, no entanto sentenciou favorável ao contribuinte, negando a antecipação de contribuições, fundada no fato de inexistir vínculo entre o terceiro (fonte pagadora) e o fato gerador, como prevê o Código Tributário Nacional, pois, no caso específico tratava-se de mera prestação de serviços, o que não tem nenhum vínculo com o fato gerador de contribuições sociais.

6.2IMPOSSIBILIDADE DA INCIDÊNCIA DE PRISÃO

Quando se está entre dois ou mais direitos fundamentais, cabe ao magistrado averiguar qual o mais importante, como no caso de se estar entre a lei claramente controvertida e a liberdade do individuo, há que se optar pela liberdade, pois o bem protegido é evidentemente mais importante.

Infelizmente o que se observa é que os atuais governantes do país, antiga esquerda, ao passar para o poder tornaram-se direita, enquanto que a antiga direita não se debandou à esquerda inimiga do Estado, como a existente anteriormente, quebrando o balanço, pois com todo o peso em um único lado, o "inimigo" passou a ser o individuo, que é visto, sem direito de defesa, como aquele que quer lesar o fisco e por isso deve ser punido exemplarmente, ainda que para isso se tenha que passar por cima de direitos e garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos.

Há também que se verificar o direito à ampla defesa, pois mesmo a lei 8.137/90, não tendo falado expressamente em apropriação indébita, fixou como sendo crime contra a ordem econômica, deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos, sujeitando neste caso o "criminoso" a pena de detenção e multa.

Como dito anteriormente o não recolhimento no prazo poderia caracterizar a inadimplência, mas nunca um crime punível com restrição à liberdade, pois não caracteriza em momento algum o tipo penal de apropriação, visto que o valor teoricamente retido na verdade nunca saiu de sua posse, por tanto não lhe foi entregue por outrem para ser repassado ao fisco.

Quanto ao delito previsto na mencionada lei, o tipo penal é "deixar de recolher no prazo legal", que demonstra exatamente o que foi afirmado, ou seja, que se trata de débito e não de apropriação, lembrando-se que a CF/88, é muitíssimo clara em se art 5º, LXVII quando expressa que "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel", sendo ainda esta ultima parte (depositário infiel) questionável em função do tratado de São José da Costa Rica, que extinguiu esta figura da legislação penal.

Ainda, o STF tem concedido suspensão de processos criminais contra contribuintes acusados de sonegação fiscal, cujo contribuinte tenha aderido a parcelamento ou tenha liquidado o débito, conforme divulgado pela imprensa [32] em matéria intitulada "Brecha legal suspende os processos contra sonegação", que traz as criticas de uma procuradora no Ministério Público Federal em São Paulo, ao art. 9º da lei 10.684/03 que condiciona a questão penal ao pagamento do tributo.

Mas qual o fundamento da prisão se não coagir aquele que deve a pagar, já que a constituição somente permite prisão por divida em caso de devedores de pensão alimentícia e depositário infiel, simplesmente castigar o inimigo da sociedade? Ou na verdade o que se pretende é ignorar a Lei Maior em defesa de ideais próprios, praticando o que pode ser chamado de "direito do inimigo", que visa punir o individuo não proporcionalmente ao que ele fez, no caso, deixar de pagar tributo no prazo legal, mas pelo que ele é, "inimigo do Estado".

Uma amostra do que se tenta demonstrar é que no ordenamento jurídico atual, o contribuinte considerado sonegador, é processado pelo "suposto crime" e não pelo crime de fato, visto que o processo penal corre paralelamente ao administrativo, podendo o individuo ser condenado pelo crime de sonegação fiscal sem que tenha tido a oportunidade de se defender na esfera administrativa, onde de fato se pode apurar se houve realmente o ilícito, já que o crédito tributário nasce com o lançamento.

Se o lançamento não vier a ocorrer por não ser constatado de fato sua exigibilidade e o individuo tiver sido condenado por sonegação, como ficam seus direitos à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e principalmente o principio do estado de inocência, pois até onde se sabe, nosso ordenamento tem todos como inocentes, até que se prove o contrário e não o inverso.

Mas deixando de lado os ideais e voltando à técnica jurídica, há que se considerar que como visto, o referido tributo é certamente inconstitucional em quase toda sua matéria, seja ela referente à base de cálculo, seja alíquota, seja a possibilidade de retenção e antecipação, seja pela constitucionalidade, dentre outros fatores já abordados. Portanto, antes de se pretender tirar a liberdade de alguém se deve primeiramente verificar se houve de fato algum ilícito, pois, assim como quem atira em pessoa morta não comete homicídio, quem deixa de recolher o que não é devido, não pode estar cometendo crime contra ordem tributária.

Também há que se verificar sobre a legalidade da própria disposição que determina a restrição à liberdade, pois acima desta devem estar os direitos individuais resguardados pela Lei Maior, entre eles o direito à liberdade, à ampla defesa, ao contraditório e ao princípio de inocência.

Deve-se deixar de lado de imediato o rancor, a pessoalidade, as próprias frustrações e a hipocrisia, para agir de acordo com o principio que rege a base da justiça, qual seja o da razoabilidade, que em curtas linhas determina que a pena a ser aplicada por qualquer que seja o ilícito, seja proporcional a este, sem exageros, como os que tão freqüentemente vimos não só em nosso país, mas em todo o mundo.

Antes de se tomar medida tão grave como a de restrição à liberdade, sobretudo quando se trata do sistema carcerário do nosso país, que embora teoricamente tenha como ideal a re-socialização, em verdade é apenas depósito de gente que a sociedade pretende ver afastada de sua convivência.

Há que se verificar ainda o texto da lei, pois "não há crime sem lei anterior que o defina", assim como "não há tributo sem lei anterior que o defina" portanto, se falamos em apropriação indébita, devemos buscar na letra da lei se aquela conduta descrita no tipo, enquadra-se no ato supostamente cometido pelo contribuinte, ou se o "crime" for contra a ordem tributária, no mínimo deve-se avaliar se o ato tido como ilícito de fato é, ou se na verdade é apenas uma forma criada para coibir o cidadão a não afrontar o que lhe é imposto.

Desta forma, há que verificar se o tributo que dera origem a tal questionamento de fato existe ou se é apenas mais uma agressão aos direitos do cidadão comum, que como parte hiposuficiente, simplesmente acata aquilo que lhe é determinado, mesmo que lhe sejam feridos os direitos constitucionais.

Lembrando o Mestre MEDEIROS, que embora não tenha escrito sobre o assunto, trata com maestria do problema que se mostra acima, qual seja a inversão de valores.

"(...) a sociedade, que muitas vezes aplaude legislações como esta [33], estará disposta a aplaudir, também quando o atingido pelo rigor da lei for seu filho próximo?.. .qual o sacrifício maior, manter a força das garantias constitucionais e ter a possibilidade, ainda que remota, de usufruir as mesmas numa situação processual adversa (onde muitas vezes se é inocente...) ou deitá-la por terra e arcar com as conseqüências do abuso do poder, da possível injustiça, da impossibilidade de defender-se amplamente?" [34]

Outro ponto muito importante é o relacionado à obrigação do contribuinte de declarar ao fisco de forma correta, sob pena de ser processado administrativa e criminalmente, além de sofrer enorme dano ao patrimônio, devido às multas, muitas vezes abusivas.

Cabe lembrar sobre o comentário já mencionado de que até mesmo quem comete crime contra a vida, por mais hediondo que seja, tem assegurado constitucionalmente o direito de ficar calado, ou serão os crimes contra o patrimônio mais importantes que os crimes contra a vida?

Nota-se por tanto, que pelo princípio da isonomia, sendo o contribuinte considerado como criminoso, como se faz crer nas mencionadas leis, o que não é o que se entende, cabe então ao Ministério Público, a averiguação dos ilícitos e não ao próprio contribuinte "criminoso", pois, este tem o direito, "como criminoso", de não se auto-incriminar, seja ficando calado, seja não declarando seu ilícito.

Sobre o autor
Alecson Pegini

contador e bacharel em Direito em Maringá (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEGINI, Alecson. Apropriação indébita da contribuição para financiamento da Seguridade Social (Cofins). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 607, 7 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6407. Acesso em: 7 nov. 2024.

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