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Intervenção federal: instrumento do Federalismo

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Agenda 19/02/2018 às 15:00

4. A INTERVENÇÃO FEDERAL NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

4.1 Pressupostos materiais

Inicialmente, cumpre salientar, que a Constituição Federal de 1988 possui rol taxativo das hipóteses legitimadoras da intervenção federal. O STF já proferiu diversas decisões neste sentido, como por exemplo, na Intervenção Federal nº 591-9/BA, relator Ministro Celso de Mello, publicada no Diário da Justiça, Seção I, em 16.09.1998, página 42.

As hipóteses de cabimento da intervenção federal estão previstas no art. 34, que dispõe: “A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para...”. Vejamos as hipóteses.

4.1.1 Primeira hipótese de Intervenção Federal: manter a integridade nacional (inciso I).

A intervenção federal é instrumento para garantir a Federação. É característica da Federação a sua indissolubilidade, não sendo conferido aos Estados Federados o direito de secessão, isto é, o direito de retirada. O Estado Federado que tente se separar será objeto de intervenção federal. A Constituição federal prevê expressamente no art. 1º a indissolubilidade da União.

Pinto Ferreira (apud Lewandowski)[31] anota que:

(...) não é apenas a secessão propriamente dita que constitui ofensa à integridade nacional, como também a autorização, por parte da unidade da Federação, para ingresso ou permanência de forças estrangeiras em seu território, sem autorização do Congresso Nacional, ou a manutenção de entendimentos diretos com outros países. Evidentemente, não é qualquer concerto com autoridades estrangeiras que há de autorizar a intervenção, sendo preciso que atente contra a coesão do País.

4.1.2 Segunda hipótese de Intervenção Federal: repulsa à invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra (inciso II).

A invasão estrangeira afronta a soberania do nosso país, sendo caso de expulsão das tropas estrangeiras por vias diplomáticas e em último caso, a força. A invasão de uma unidade federada em outra ofende a autonomia dos entes e o equilíbrio da federação, pautada pela igualdade entre seus estados membros, cabendo a intervenção dos demais estados federados para retomada da autonomia da unidade invadida. A intervenção federal se coloca como instrumento para a retomada da soberania e autonomia respectivamente.

Cumpre ressaltar, que a intervenção nesta hipótese é cabível não só para repelir invasão já concretizada, como também para reprimir a ameaça concreta de invasão.  Observa-se que no caso de invasão de uma unidade da federação em outra, a intervenção pode se dar tanto na unidade invadida quanto na unidade invasora.

4.1.3 Terceira hipótese de Intervenção Federal: pôr termo o grave comprometimento da ordem pública (inciso III).

Cumpre observar que não é qualquer desordem que compromete a ordem pública, mas tão somente aquela que não consiga ser debelada pelas autoridades da unidade federada. Outrossim, caberá a intervenção federal em caso de omissão das autoridades estaduais em combater os distúrbios que comprometem a ordem pública. Por ordem pública deve-se entender um ambiente de paz social num governo sem embaraços.

4.1.4 Quarta hipótese de Intervenção Federal: garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação (inciso IV).

O art. 2º da Constituição Federal proclama que são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A separação dos poderes é princípio basilar da federação. Atos que impeçam ou perturbem o livre exercício de qualquer dos poderes, devem ser rechaçados como garantia do próprio pacto federativo. A intervenção federal é instrumento para o restabelecimento da independência dos poderes.

Segundo Lewandowski[32]:

Materializa-se o pressuposto caso esteja o Legislativo “impedido de reunir-se livremente, de tomar deliberações dentro da faixa de sua competência constitucional, de dar exeqüibilidade aos seus atos”; ou na hipótese de se verificar constrangimento à atuação do Executivo, “seja porque recusada a posse ao eleito, seja porque não se transfere o poder ao substituto em se verificando o afastamento ou renúncia”; ou na circunstância de verem-se os órgãos judiciários “materialmente cerceados para o desempenho de sua judicatura, por ação ou omissão das autoridades estaduais”, ou ainda se o Judiciário local encontrar-se, total ou parcialmente, impedido de funcionar.

(...) Nessa linha de raciocínio, pode-se admitir que a falta de repasse, por parte do Executivo, ao Legislativo ou ao Judiciário, das verbas orçamentárias necessárias ao regular funcionamento destes constitui pressuposto ensejador da intervenção, posto que sem recursos tais Poderes não podem desincumbir-se de suas funções constitucionais.

4.1.5 Quinta hipótese de Intervenção Federal: reorganizar as finanças da unidade da federação (inciso V).

 É cabível a intervenção federal  para reorganizar as finanças da unidade da federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos;

O conceito de dívida fundada é controverso. A Lei 4.320/1964 dispõe que dívida fundada compreende os compromissos de exigibilidade superior a doze meses, contraídos para atender a desequilíbrio orçamentário ou a financiamento de obras e serviços públicos. Porém, a doutrina critica este conceito. Geraldo Ataliba (apud Lewandowski)[33] diz que não é o prazo de doze meses que qualifica uma dívida como fundada e que não cabe constituir dívida fundada para atender a desequilíbrio orçamentário.

Lewandowski  conclui que “a natureza da dívida seja ela fundada ou flutuante, somente pode ser identificada, caso a caso, pelo exame de sua destinação e pelo reflexo que acarreta na situação patrimonial do ente público”[34].

De toda forma, não podemos esquecer que a Constituição Federal, somente autoriza a intervenção federal nesta hipótese se o não pagamento for injustificado. Havendo motivo de força maior a fundamentar o inadimplemento, não cabe a intromissão na unidade federada.

Nos termos do Código Civil de 2002, art. 393, parágrafo único, deve se entender força maior ou caso fortuito como o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Outrossim, no que tange a falta de repasse de receitas tributárias aos Municípios, verifica-se que tal conduta atenta à autonomia destes, uma vez que não há como se falar em capacidade de auto-administração e auto-governo sem recursos financeiros para lastreá-los. A federação é baseada na autonomia dos seus integrantes e maculada esta, cabe intervenção federal para se restabelecer a autonomia daqueles. Aliás, a constituição no art. 160 expressamente veda a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos, nesta seção, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos relativos a impostos.

4.1.6 Sexta hipótese de Intervenção Federal: prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial (inciso VI).

A Constituição estabelece uma divisão de competências, cabendo a União a edição de normas de caráter geral e aos Estados Federados a legislação de interesse local, observado as  normas gerais. Esta divisão de competências busca a harmonia e é garantia de sobrevivência do pacto federativo, uma vez que evita conflitos entre os entes. Porém, caso ocorra conflitos caberá ao Judiciário, resolve-los, com base na divisão de competências previstas na Constituição.

Os Estados Federados não podem deixar de cumprir a lei federal, ainda que a entendam inconstitucional, caso em que devem recorrer ao Judiciário como explanado acima. O não cumprimento da lei enseja a Intervenção Federal.

No tocante às decisões judiciais, cumpre observar que estas podem emanar de qualquer órgão do judiciário, seja da justiça comum, seja da justiça especial, e o descumprimento de qualquer delas enseja a intervenção federal. É direito fundamental  na Constituição Federal (art. 5º, XXXV) que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, e o pronunciamento judicial deve ser cumprido sob pena de ofensa a este direito e consequentemente ao Estado de Direito.

O STF na Intervenção Federal 590-QO, que teve como Relator o Ministro Celso de Mello decidiu que:

(...) A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas em julgado traduz imposição constitucional, justificada pelo princípio da separação dos poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso sistema jurídico, a própria concepção de Estado Democrático de Direito. O dever de cumprir as decisões emanadas do Poder Judiciário, notadamente nos casos em que a condenação judicial tem por destinatário o próprio poder público, muito mais que simples incumbência de ordem processual, representa uma incontornável obrigação institucional a que não se pode subtrair o aparelho do Estado, sob pena de grave comprometimento dos princípios consagrados no texto da Constituição da República (...) (julgamento em 17.09.1998, DJ de 09.10.1998).

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Outrossim, devemos definir “ordem judicial”. Segundo Lewandowski “...ordem consiste numa determinação assinalada por uma corte ou um magistrado, dentro ou fora de uma lide, para que se faça ou deixe de fazer algo”.  Para Pontes de Mirada, deve-se entender que ordem é “qualquer comandamento ou mandado”.[35]

Ademais, por “decisão judicial” devemos compreender “o derradeiro ato de um processo, colocando fim a uma demanda, em que se atribui razão a uma das partes”, nos termos da lição de Lewandowski. Por sua vez, Pontes de Miranda entende por decisão judicial “qualquer resolução que se haja executar”.[36]

Por fim, devemos destacar, que os Estados Federados devem não apenas cumprir as ordens e decisões que lhe são diretamente endereçadas, bem como prestar auxílio para que sejam efetivadas as dirigidas a terceiros. O descumprimento de qualquer delas é causa de intervenção Federal.

4.1.7  Sétima  hipótese de Intervenção Federal:  assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais (inciso VII).

É cabível a intervenção federal para assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a)forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b)direitos da pessoa humana;

c)autonomia municipal;

d)prestação de contas da administração pública, direta e indireta;

e)aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Estes princípios são chamados de sensíveis, visto que proclamam regras fundamentais do Estado Democrático de Direito e do Pacto Federativo. Os princípios referem-se a organização do Estado e seu desrespeito provoca uma reação enérgica, qual seja, a intervenção Federal.

Passemos ao estudo das hipóteses:

a)forma republicana, sistema representativo e regime democrático.

                 No que tange a forma republicana, nos reportamos aos estudos elaborados no início deste trabalho.

No tocante ao sistema representativo e ao regime democrático, eles vêm expressos no parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal, que dispõe que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Porém, tendo em vista que a dimensão do país torna impraticável o exercício direito do poder, adotamos um sistema representativo de governo, também chamado de democracia indireta, pela qual o povo elege representantes que administram o Estado. Mas, a democracia indireta é excepcionada por instrumentos de manifestação direta do povo, quais sejam: plebiscito, referendo e iniciativa popular legislativa.

Ressalta-se como garantia do sistema representativo e do regime democrático, que eles serão exercidos através do sufrágio universal, com voto secreto, direto e periódico.

Lewandowski leciona que[37]:

(...) não se deve olvidar que o sistema representativo pressupõe ainda a existência de mecanismos que estabeleçam o predomínio da vontade da maioria, com a garantia de que as minorias encontrem expressão no plano político. Para tanto, deve-se assegurar não apenas o pluripartidarismo, como também a mais ampla liberdade de opinião, de reunião e de associação, além de outras franquias pertinentes.

A intervenção federal, portanto, sob a rubrica do desrespeito ao sistema representativo, pode ser desencadeada se um Estado ou o Distrito Federal impedir ou dificultar, por qualquer modo, a participação do povo na gestão da coisa pública, quer embaraçando o voto direto, quer obstando o funcionamento dos partidos políticos, quer ainda restringindo as liberdades fundamentais.

Ademais, o regime democrático pressupõe um Estado assegurador da participação do povo no poder, do respeito ao princípio da legalidade, do sufrágio universal, do respeito as direitos e garantias fundamentais e de tantos outros direitos e garantias consagrados em nossa Constituição.

b) direitos da pessoa humana

A Constituição consagra como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e rege-se nas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II). Resta claro que nossa Carta Magna se pauta pela respeito aos direitos humanos e em decorrência deste respeito, previu o Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Referido título consagra não apenas direitos subjetivos ao povo, como serve de parâmetro de interpretação para todas as demais normas e de norteador da atuação estatal e até mesmo do particular.

Ademais, a própria constituição previu que os direitos e garantias fundamentais nela expressos, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte.

E visando ampliar a garantia do povo, a emenda constitucional nº 45 de 8 de dezembro de 2004 acrescentou dispositivo prevendo que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

c) autonomia municipal

Os Municípios nos termos dos arts. 1º e 18 da Constituição Federal integram a federação brasileira, sendo dotado de autonomia, a qual implica na capacidade de auto-organização, autogoverno, auto-administração e autolegislação. Os arts. 29 e 30 da Carta Magna prevêm a competência dos Municípios de forma a assegurar sua autonomia.

 A afronta a autonomia municipal é uma afronta a própria Federação, ensejando a intervenção federal para a sua manutenção.

d) prestação de contas da administração pública direta e indireta

A prestação de contas é atividade inerente aquele que administra coisa alheia. O administrador público gerencia à coisa pública e como tal, deve prestar contas a população.

O art. 70 da Constituição estabelece que haverá fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas, e será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Acrescenta o parágrafo único que prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelo quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações. O art. 71 prevê que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com a ajuda do Tribunal de Contas.

Por paralelismo, tais disposições se aplicam aos Estados Federados. Outro não é o sentido do art. 25 caput da Constituição Federal.

Hely Lopes Meirelles[38] explica que prestação de contas não se refere apenas ao dinheiro público, mas a administração como um todo:

O dever de prestar contas é decorrência natural da administração como encargo de gestão de bens e interesses alheios. Se o administrador corresponde ao desempenho de um mandato de zelo e conservação de bens e interesses de outrem, manifesto é que quem o exerce deverá prestar contas ao proprietário. No caso do administrador público, esse dever ainda mais se alteia, porque a gestão se refere aos bens e interesses da coletividade e assume o caráter de um múnus público, isto é, de um encarto para com a comunidade.

(...) A prestação de contas não se refere apenas aos dinheiros públicos, à gestão financeira, mas a todos os atos de governo e de administração.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

A manutenção e desenvolvimento do ensino e as ações de serviços públicos são direito sociais nos termos do art. 6º, portanto, direitos fundamentais da pessoa humana. E mais, estão compreendidos no que se convencionou chamar “mínimo existencial”, isto é, a garantia de um padrão mínimo de vida ao indivíduo, de forma a assegurar as condições materiais indispensáveis a uma existência digna. A norma constitucional foi criada objetivando assegurar este mínimo existencial.

A inobservância da regra, implica na ofensa aos direitos fundamentais e consequentemente uma afronta a Federação, que como já visto, tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, dignidade esta somente efetivada se garantido um mínimo existencial.

4.2 Pressupostos Formais

O art. 36 da Constituição Federal disciplina os aspectos formais para a decretação da intervenção federal. Dispõe o dispositivo que a decretação da intervenção federal dependerá:

Inciso I  - no caso do art. 34, IV (garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação), de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário.

A solicitação do Poder Legislativo ou Executivo é mero pedido, não vinculando o Presidente da República, que discricionariamente decidirá se decreta a intervenção federal. Por outro lado, a requisição do STF é ordem, vinculando o Presidente da República, que se não decreta-la comete crime de responsabilidade nos termos do art. 12, n. 3 da Lei 1.079/50. Observa-se que o STF age de ofício ou mediante provocação do presidente do Tribunal coacto.

Lewandowski[39] observa que em algumas hipóteses, analisadas no caso concreto, quando houver solicitação do Poder Legislativo ou Executivo coacto o Presidente da República estaria obrigado a decretar a intervenção federal, sob pena de crime de responsabilidade.

Outra discussão da doutrina é a situação de decretação da intervenção federal sem a solicitação do poder coacto. Entende Pontes de Miranda que a falta de solicitação é causa de nulidade da intervenção. Todavia, a solicitação é presumida se evidenciado o constrangimento do poder coacto. Copilamos a doutrina da obra de Lewandowski[40]:

Pontes de Miranda assinala, sob outro prisma, que a falta de provocação, na hipótese sob exame, torna a intervenção inconstitucional e, por conseguinte, nula a sua decretação, cumprindo ao Congresso Nacional desaprová-la ou suspendê-la. Encaminhada, porém, a solicitação, ainda que depois decretada a medida, fica o ato interventivo convalidado ex nunc.

 Interessante questão, todavia, emerge nesse ponto: seria a intervenção para assegurar o livre exercício de Poder estadual, desacompanhada de provocação, sempre inconstitucional? O que ocorreria se o Poder local coacto ou impedido, por qualquer razão, não puder manifestar-se? Quedaria inerme o Presidente da República? Nessa situação, tem entendido a doutrina nacional e estrangeira, como foi visto anteriormente, que a solicitação, se evidente o constrangimento, deve ser presumida.

Inciso II – no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral.

Cabe ao STF a requisição quando a ordem ou decisão for fundamentada na Constituição Federal, ao STJ quando tiver fundamentação legal e ao TSE quando lastreada em matéria eleitoral.

A requisição com base em descumprimento de ordem ou decisão da Justiça Trabalhista, Justiça Militar, Justiça Federal e Justiça Estadual incumbirá também ao STF, ainda que fundada em legislação infraconstitucional, conforme por ele já decidido (STF, IF 230, Rel. Min. Sepúlvida Pertence, julgamento em 24.04.1996, DJ de 01.07.1996)

Efetuada a requisição, como já explanado acima, o Presidente da República esta obrigado a decretá-la, sob pena de crime de responsabilidade nos termos do art. 85, VII da Constituição Federal.

Lewandowski[41] colaciona em sua obra discussão trazida por Pontes de Miranda referente ao papel do Congresso Nacional nas hipóteses de intervenção federal por requisição do judiciário. Vejamos:

Teria o Legislativo poder de desaprovar a medida nesta hipótese? Entendia o jurisconsulto, ao examinar hipótese análoga prevista no art. 10, IV e VI da Constituição de 1967, emendada em 1969, que não poderia o Congresso Nacional suspender a intervenção, sendo também desnecessária a sua aprovação, salvo “se houve processo de responsabilidade do membro ou membros do Poder Judiciário, que a requisitarem, ou se o Presidente da República interveio sem a provocação devida”.

O mesmo raciocínio é válido para a atual sistemática constitucional da intervenção. Como o decreto que a desencadeia, segundo o art. 36, §3º da Lei Maior, pode limitar-se suspender o ato impugnado, se a medida bastar ao restabelecimento da normalidade, dispensando-se a oitiva do Legislativo, não há lugar para a aprovação parlamentar. De outro lado, tratando-se de requisição judicial não poderia o legislativo obsta-la, sob pena de vulnerar o princípio da separação dos poderes. Entretanto, existindo qualquer vício de forma ou eventual desvio de finalidade na decretação da intervenção, o Congresso Nacional poderá suspendê-la, a qualquer tempo, com fundamento no art. 49, IV, da Constituição em vigor.

Inciso III – de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do art. 34, VII (inobservância dos princípios constitucionais sensíveis), e no caso de recusa à execução de lei federal. 

Podemos vislumbrar duas hipóteses distintas, a primeira refere-se à violação dos princípios constitucionais sensíveis, caso em que a decretação da intervenção depende da procedência da ação direita de inconstitucionalidade interventiva pelo STF, ajuizada pelo procurador geral da república. A outra hipótese,  depende do julgamento procedente da representação proposta pelo citado procurador também pelo STF. Observando-se que anteriormente a emenda constitucional 45, o julgamento nesta última hipótese era de competência do STJ.

Nas hipóteses do inciso em comento, provida a representação ministerial e requisitada a intervenção, esta o Presidente da República obrigado a decretá-la uma vez que se trata de ato vinculado como outrora já explanado.

4.2.1 Intervenção de ofício pelo Presidente da República

Cabe ao Presidente da República decretar de ofício a intervenção federal nas hipóteses do art. 34, incisos I, II, II e V da Constituição. Nestas hipóteses o chefe do executivo fará um juízo de oportunidade e conveniência quanto à decretação da intervenção. Trata-se, portanto, de ato discricionário.

A legitimidade da decretação de ofício da intervenção federal esta no caráter de urgência imprimido pelas situações dos incisos I, II e III, que não podem aguardar as delongas de uma apreciação por outro Poder. Ademais, somente o Poder Executivo possui meios materiais e humanos para atuar nestas hipóteses, sendo o Presidente da República o Comandante Supremo das Forças Armadas nos termos do art. 84, XIII da Constituição.

No que tange a hipótese do inciso V, a legitimidade foi prevista ao Presidente da República, pois seria ilusório esperar que o ente federado inadimplente a solicite.

Cumpre observar que a doutrina entende ser o ato de decretação da intervenção federal um ato político e, portanto, em regra, insuscetível de controle judicial. O exame jurisdicional somente seria possível no caso de manifesta ofensa às normas constitucionais.

4.3 Aspectos Gerais da Intervenção Federal

Na decretação da intervenção federal de ofício ou solicitada, o Presidente da República deverá ouvir o Conselho da República (art. 90, I CF) e o Conselho da Defesa Nacional (art. 91, §1º, II CF), no entanto, não esta vinculado a manifestação destes. Aliás, em casos de urgência, nada impede que a consulta seja posterior a decretação.

O instrumento pelo qual o Presidente da República institui a intervenção federal é o decreto. O decreto deve especificar a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção. Caso necessário, o decreto também nomeará interventor.

Expedido o decreto presidencial, este será submetido à aprovação do Congresso Nacional no prazo de vinte e quatro horas. Se as casas legislativas não estiverem funcionando, serão convocadas extraordinariamente, no mesmo prazo (art. 34, §2º CF).

Nas hipóteses do art. 34, incs. VI e VII, se o decreto limitar-se-á suspender a execução do ato impugnado, por esta medida mostrar-se suficiente para o restabelecimento da normalidade, não precisará o decreto ser submetido à aprovação do Congresso Nacional (art. 34, §3º CF).

Lewandowski [42]explana que:

Entende-se por amplitude a abrangência da intervenção, isto é, o Estado ou o Município que atinge, bem como o Poder ou os Poderes sobre os quais incide. Prazo constitui a duração da medida, que poderá ser determinada ou indeterminada. Isso significa que é possível estabelecer-se, desde a edição do ato, o termo final da intervenção ou condiciona-la à consecução dos objetivos que se pretende atingir com a mesma. O que não se tolera é a intervenção com prazo limitado, decretada e termos genéricos, posto que tal vulneraria a autonomia da unidade federada objeto da medida. Finalmente, por condições compreende-se o detalhamento da ação interventiva, que inclui os meios pelas quais a mesma  se concretiza.

Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento legal (art. 34, §4º CF). A intervenção federal não é o instrumento apropriado para punir as autoridades faltosas, estas deverão ser processadas administrativa, civil e/ou criminalmente, assegurados o contraditório e a ampla defesa, e nestes serem punidos, inclusive com a eventual perda do cargo. Portanto, finda a intervenção, em regra, as autoridades afastadas retomam ao cargo.

4.4 O interventor

As atribuições do interventor serão explicitadas no decreto de intervenção federal e estas variam conforme a situação concreta de anormalidade que ensejou a medida extrema, sem prejuízo de orientações recebidas do Presidente da República. Segundo Lewandowski:[43]

(...) nada obsta que o seu  executor exerça funções executivas ou legislativas em toda a sua plenitude, na hipótese de fazer às vezes dos titulares das mesmas. Compete desse modo, ao interventor, nomeado para substituir o Governador...., vetar e sancionar leis, editar decretos regulamentares e praticar todos os atos administrativos necessários à restauração da ordem jurídica ou material vulnerada. Incumbe-lhe, ainda, editar atos normativos, com força de lei, respeitados os princípios constitucionais de competência,se a intervenção recair sobre o Legislativo. Pontes de Miranda, porém, adverte que os “atos dele não podem, de regra, atingir o Poder Judiciário”, posto que não é lícito alcançar os juízes em suas garantias constitucionais, cabendo-lhe, quando muito, recompor os órgãos judicantes, eventualmente integradas por pessoas irregularmente nomeadas ou providas.

De qualquer modo, cumpre reparar que o interventor, embora constitua figura emergente em situações de anormalidade institucional, não fica investido de poderes excepcionais, competindo-lhe apenas desempenhar as funções regularmente exercidas pelas autoridades que, em caráter temporário, é chamado a substituir.

          O interventor é um agente público e consequentemente a pessoa jurídica de direito público interventora responde pelos danos que este causar a terceiros, assegurado o direito de regresso contra ele, caso tenha agido com dolo ou culpa, nos termo do art. 37, §6º CF.

Por fim, trazemos á baila duas discussões da doutrina, sintetizadas por Lewandowski[44]:

Faz –se mister salientar, de outra parte, que o interventor não pode figurar como sujeito ativo de crimes de responsabilidade ou de infrações político-administrativas, tal como o Governador e o Prefeito, não se sujeitando, pois, a julgamento pelo Legislativo, particularmente ao processo de impeachment, embora responda por seus atos na qualidade de funcionário público. Isso explica porque, na verdade, o interventor não ocupa cargo, nem exerce mandato, sendo mero executor de um conjunto de providências destinadas á restaurar a normalidade institucional em determinado ente federado, por conta da União ou do Estado, conforme a situação.

A doutrina nacional e estrangeira tem estudado também a questão da responsabilidade pelas despesas da intervenção, concluindo que os custos da medida, como regra, devem ser suportadas pela União, posto que a mesma é sempre desencadeada em benefício do conjunto dos entes associados. Entretanto, se a unidade federada tiver dado causa à intervenção, deverá esta arcar com as despesas decorrentes da ação excepcional.

Sobre o autor
Rodrigo Fernandes Lobo da Silva

Analista judiciário da Justiça Federal de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade de Taubaté - Unitau . Pós Graduado lato sensu em Direito Tributário pela Anhanguera Uniderp. Pós Graduado lato sensu em Direito do Estado pela Anhanguera Uniderp. Pós Graduado Lato Sensu em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Cataria - Unisul

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