Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, oriundo da Lei Federal n. 13.105, de 16 de março de 2015, surgiu no Brasil o IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, um novo instituto jurídico processual que traz como essência a resolução em definitivo e em grande escala de processos com igual questão jurídica a serem apreciadas pelo Poder Judiciário. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso (CPC, art. 987, caput).
O Recurso Extraordinário que eventualmente é interposto das decisões dos Tribunais locais que julga o IRDR (CPC, art. 976) possui regramento próprio, que lhe é peculiar, a começar do efeito suspensivo em que é recebido (CPC, primeira parte do §1.º, do art. 987).
Como se sabe, a regra geral entabulada no nosso ordenamento jurídico de há muito, é que o Recurso Extraordinário possui apenas efeito devolutivo, não suspendendo a execução do julgado.
Outro ponto inerente ao RE interposto das decisões em IRDR é que a questão constitucional nele aviltada tem a sua presunção (absoluta) de repercussão geral (CPC, art. 987, §1.º, segunda parte).
O §2.º do art. 987, do CPC, por sua vez, aduz: "julgando-se o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito". O objetivo é tentar resolver em definitivo todas as demandas que envolvam a mesma questão jurídica já apreciada por esses Tribunais Superiores.
O IRDR tem como maior incumbência desafogar o Judiciário e decidir no mesmo sentido processos de massa, onde pessoas que estejam na mesma situação fática, discutindo igual questão de direito recebam soluções díspares, dando azo à insegurança jurídica. Nessa toada, o IRDR opera como uma “nova droga jurídica” prescrita como capaz de curar a mazela e o desordenado crescimento da judicializaçao do país, com (pelo menos em tese) a pacificação dos conflitos de massa em lides que se amontoam sem fim na justiça brasileira, tendo nesse ponto um papel de controle social.
Dito isso, passemos a uma questão mais sofisticada que permeia o hodierno pensamento da doutrina processualista do país, que é a seguinte: “Cabe Recurso Extraordinário de todas as decisões no julgamento de IRDR?”.
Como é de sabença geral, a desistência pela parte recorrente de um recurso que foi afetado para fixação de tese jurídica pelo Tribunal, não é embarreramento de que a tese jurídica levantada seja fixada pelo órgão julgador. O recurso não será julgado no mérito (o caso não será apreciado), porque o sujeito recorrente desistiu, mas o precedente será produzido pelo Tribunal competente.
No julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, acontece a mesma coisa. Portanto, existem duas possibilidades: a) o acórdão do IRDR que fixa a tese e julga o caso, e b) o acórdão do IRDR que apenas fixa a tese, na hipótese de desistência do recurso pelo recorrente.
O RE previsto no art. 987 do CPC cabe em qualquer dessas hipóteses? Ou seja, é possível interpor o RE nos dois casos acima mencionados? Essa é a grande questão.
Penso que apenas cabe RE da decisão em IRDR que fixa a tese e julga o caso. Desse modo, se houver apenas fixação da tese sem julgamento da causa, porque houve desistência do recurso interposto, não caberia o recurso extraordinário aqui referido.
Isso porque a CF/88 nos art. 102, inciso III e art. 105, inciso III que tratam da competência do STF e STJ, respectivamente para julgar recursos excepcionais (RE e REsp), falam em julgamento de “causas decididas”. Logo, é preciso haver julgamento da causa pelo Tribunal para que haja o cabimento do RE.
Tanto isso é verdade, que o Supremo Tribunal Federal jamais admitiu RE da decisão do Tribunal que acolheu o incidente de inconstitucionalidade de uma lei local (estadual ou municipal). Nesse incidente de arguição de inconstitucionalidade (CPC, arts. 948 a 950), o plenário (ou órgão especial) é quem reconhece ou não a (in) constitucionalidade da lei, e retorna a questão à turma ou à câmara à qual competir julgar o caso, seguindo a decisão fixada.
Para o STF, somente caberia RE da decisão da turma ou câmara que julga o caso, não cabe da decisão do Plenário que fixou a tese jurídica. Para nós, o raciocínio é o mesmo quando se julga o IRDR. Portanto, no caso de só fixar a tese, não caberia Recurso Extraordinário.
A bem da verdade, a questão é embrionária, e existem pensamentos diversos. Há doutrina defendendo que é preciso repensar o conceito de “causa” para fins de julgamento dos recursos excepcionais, para abranger também aquelas decisões que apenas fixam as teses jurídicas.
Todavia, há uma tradição enraizada na comunidade jurídica da compreensão do conceito de “causa”, para costumeiramente afirmar que “causa” significa julgamento de caso.
Do exposto, podemos chegar a seguinte conclusão preambular: No julgamento do IRDR que fixa a tese e julga o caso, resta indene de dúvidas que cabe Recurso Extraordinário. Nos casos em que houve a desistência do recurso pelo recorrente, e o Tribunal apenas fixou a tese jurídica, a priori, não caberia o conhecimento do RE.
Todavia, é possível defender igualmente que é cabível esse recurso excepcional nos casos em que o órgão do judiciário somente fixou a tese jurídica sem julgar o caso propriamente dito. Há doutrina defendendo isso.
O tema é complexo e merece uma maior atenção por parte da doutrina e dos tribunais. Na verdade, será a jurisprudência do STF que, em última análise, definirá o futuro desse imbróglio jurídico. A questão ainda permanece aberta.