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A relativização da coisa julgada na investigação de paternidade.

Verdade material e verdade real em conflito com falta do exame de DNA

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Agenda 24/03/2018 às 15:14

3. ELEMENTOS DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Com a relativização da coisa julgada é possível utilizar ferramentas que auxiliam nas decisões judicias. Abaixo serão abordadas algumas delas.

3.1 PRINCÍPIO DA VERDADE MATERIAL: A PROVA MATERIAL E TESTEMUNHAL

A prova dentro do processo representa uma ferramenta de grande importância. Dependendo do caso, capaz de até reconstruir um fato passado. Esse instrumento, que fica a disposição das partes se bem aproveitado tem influência direta na convicção do juiz.

Não se pode esquecer que, enquanto se busca a verdade corroborando provas admitidas em direito, o assento da filiação é erga ommes, em virtude da presunção de veracidade.

Prova-se a filiação:

1) Pela certidão do termo do nascimento, inscrito no Registro Civil, de acordo com os arts. 1.603 e 9o, I, do Código Civil e os arts. 50 e s. Da Lei n. 6.015/73. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta desse registro, em razão da presunção de veracidade da filiação e da fé pública cartorária, tendo-se em vista que a força probante do assento é erga ommes, salvo provando-se erro (vício material involuntário cometido pelos pais ou pelo oficial do Registro Civil) ou falsidade (fraude perpetrada pelos pais, com o sem auxílio do oficial do Registro Civil, tendo ou não a intenção de obter alguma vantagem ilícita) deste (CC, art. 1.604). (...). (DINIZ, 2011, p. 500)

Por outra vertente, o avanço científico trouxe grande suporte ao direito probatório, pois possibilitou que situações relevantes para as decisões judiciais pudessem ser averiguadas e valoradas com instrumentos técnicos, reduzindo bastante os segmentos em que os juízos sobre os fatos eram formulados apenas sobre bases de conhecimento não científicos.

A prova material, assim como a testemunhal são corroboradas quando se trata de reconhecimento de paternidade. Seja ele realizada de forma voluntária ou judicial.

No direito brasileiro é permitido o reconhecimento voluntário da paternidade, previsto no artigo 1.609 do Código Civil.

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:

I - no registro do nascimento;

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

Antes da chegada e popularização do exame de DNA a paternidade era afirmada ou rejeitada por indícios e presunções. Por exemplo, caso fosse comprovado o relacionamento amoroso, presumia-se o sexual e por consequência a paternidade.

É válido destacar que a imprescritibilidade da ação de investigação de paternidade não se comunica com os efeitos patrimoniais decorrentes da sentença declaratória, como direito a alimentos, herança. Entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal com a edição da Súmula no 149. “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”.

(AI 70009136854) Ou seja, é imprescritível o direito de investigar a paternidade. A imprescritibilidade está consagrada no art. 27 do ECA, direito que não pode ser limitado a menores, até para não esbarrar no princípio da igualdade, que acaba por tisnar de inconstitucional qualquer tratamento discriminatório. Agora, inclusive o art. 1.601 do Código Civil consagra, modo expresso, a imprescritibilidade da ação contestatória da paternidade, e não se encontra qualquer justificativa para se permitir a livre pretensão desconstitutiva do vínculo formulada pelo pai, e não assegurar igual direito ao filho, ou seja, de buscar o verdadeiro vínculo parental. (BRASIL. Tribunal de Justiça do RS, 2003)

Por outro lado, existe também o reconhecimento judicial, destacados nos artigos 1.606, 1.615 e 1.616 do Código Civil.

Art. 1.606. A ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz. Parágrafo único. Se iniciada a ação pelo filho, os herdeiros poderão continuá-la, salvo se julgado extinto o processo.

Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.

Art. 1.616. A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.

Ainda na seara das provas, de forma mais específica na testemunhal, em virtude da escassez cientifica pra coleta de provas, no passado era dada bastante relevância a confissão, tida como uma prova de extrema relevância.

Contudo, a possibilidade de meios truculentos, financeiros, ameaças para obtenção e até mesmo ser forjada a fizeram perder a força. Ficando assim sem credibilidade.

Com o advento do Código Civil de 2002 a confissão não ficou tendo a mesma força de outrora. O artigo. 1.602 deixa isso de forma clara. “Não basta a confissão materna para excluir a paternidade”.

Esse novo código (2002) tinha que ter uma certa operabilidade, afinal, o anterior era de 1916 e não acompanhava mais as mudanças sociais.

Após uma longa tramitação no Congresso Nacional, especialmente em razão da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Código Civil foi promulgado em 10 de janeiro de 2002, e sua vigência iniciada um ano após a sua publicação. Na Câmara Federal atuou como revisor o deputado Ricardo Fiúza, e no Senado Federal, o senador Josaphat Marinho. O novo Códex se assenta em três princípios fundamentais: eticidade, sociabilidade e operabilidade. (NADER, 2011 p. 219).

Ademais, com o progresso da área científica observa-se que a tal verdade do processo não é necessariamente descoberta, mas simplesmente provada.

Por conseguinte, a nível de prova material a prova pericial tem as categorias de exame, vistoria ou avaliação. Essas categorias são elencadas na Seção X – Da Prova Pericial.

Nesse sentido, de forma mais específica o Artigo 464 do Código de Processo Civil de 2015 trata do exame, que pode ser entendido como ação de verificação de pessoas, podendo ser aplicado quando objeto da perícia é de natureza material, isto é, pode ser visto, ouvido, sentido e examinado. A exemplo pode-se ter a prova pericial genética por meio do exame de DNA.

Por outro lado, não se pode deixar de destacar o livre convencimento motivado do juiz, fazendo inclusive, que de ofício determine as provas necessárias ao julgamento do mérito. O NCPC em seu artigo 370 dá mais detalhes.

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Do mesmo modo, a decisão fundamentada é reafirmada pela Constituição Federal de 1988, no seu artigo 93, inciso IX “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público á informação”.

Enfim, a busca da verdade material leva em consideração vários elementos nos casos que envolvem paternidade, não se podendo desconsiderar a força probatória da prova testemunhal. Por outro lado, dever-se entender que a prova material, em tese, carrega consigo uma força mais robusta. Ambas serão analisadas de acordo com suas especificidades, que cada caso concreto carrega consigo.

3.2 A SEGURANÇA JURÍDICA EM CONFLITO COM A VERDADE REAL

No passado eram comuns exames laboratoriais de tripagem sanguínea que serviam como método de exclusão oferecendo às demandas que tratavam de filiação uma certa segurança, mas de forma apenas relativa. Claro que, na época isso acabava por garantir uma certa segurança jurídica.

Quando se utiliza o vocábulo para designar a atividade probatória ou os meios com que ela se desenvolve, diz-se que está falando de prova num sentido objetivo. Quando ele á utilizado para designar a convicção que as provas produzidas no processo geram no íntimo do julgador, isto é, o resultado que a atividade e os meios probatórios induzem no espírito do juiz, diz-se que se está usando aí o termo prova num sentido subjetivo. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2014, p. 16).

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Por ser relativa, novas demandas foram sendo encaminhadas, pois com o exame de DNA a certeza seria praticamente quase que absoluta. Para se chegar nessa certeza de forma mais consistente, são permitidos todos os meios de prova, legais e legítimos, devendo prevalecer o princípio da verdade real, ainda que em tese, intangível essa verdade real dos fatos.

Dentre os admitidos, apesar de sua fragilidade está a confissão. Também são permitidos a prova testemunhal, a pericial e a documental. No entanto, tais provas não conduzem a verdade real, apenas revelam os indícios do vínculo genético de paternidade. Como já tratado acima, a verdade real dos fatos é intangível.

Deve-se levar em consideração, que, quando aplicada à impugnação da paternidade, a confissão é mitigada. Isso fica claro nos seguintes artigos do Código Civil:

Art. 1.600. Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado para ilidir a presunção legal da paternidade;

Art. 1.602. Não basta a confissão materna para excluir a paternidade

A prova testemunhal é utilizada nas ações investigatórias nos casos em que não foi possível a realização da prova pericial através do exame de DNA ou quando as partes rejeitaram a sua realização. Nestes casos, deve o juiz utilizar a prova indireta, ou testemunhal, para fundamentar sua decisão.

O testemunho contém o relato daquilo que foi percebido pela testemunha por meio de qualquer um de seus sentidos: visão, olfato, paladar, tato e audição. Não cabe à testemunha fazer juízos de valor sobre os fatos, muito menos enquadrá-los juridicamente – isso é função do órgão jurisdicional -, embora não de pode ignorar a circunstância de que todo depoimento trará consigo as marcar do depoente. (DIDIER JR; BRAGA, OLIVEIRA, 2014, p. 189).

A relevância dela pode ser observada principalmente, nas ações filiatórias em que se discute a existência de vinculo afetivo fundado na posse do estado de filho. Na verdade, o Código Civil não trata de forma expressa, a posse de estado de filho como prova da filiação. Todavia, o art. 1605, afirma que “poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: (...) II – quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.

As testemunhas serão ouvidas, em regra, na audiência de instrução e julgamento. Podendo esta ser arrolada de ofício pelo próprio juiz ou por provocação do Ministério Público.

Quando se trata de ação de investigação de paternidade a importância da prova pericial, em especial o exame de DNA, transcende o âmbito dos demais tipos de provas. Este meio de prova encontra respaldo legal no artigo 212 do Código Civil. “Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe de forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I – confissão; II – documento; III – testemunha, IV – presunção; V – perícia”.

O exame de DNA não constitui necessariamente a única prova material a ser realizada na investigação de paternidade. Não sendo possível a sua realização, existem outros meios de provas alternativas.

Todavia, havendo tal exame, em tese é desnecessário prosseguir na instrução processual ante a certeza desta prova pericial. O exame referido é sem dúvida uma prova substancial na investigação de paternidade.

Não se pode negar que a realização desta prova apresenta certa dificuldade, pois depender da colaboração de ambos: investigado e investigante. Sem contar com o custo financeiro.

Sucede que, do mesmo modo que se pode falar na existência de um direito fundamental à vedação da prova ilícita, é induvidosa a existência do direito fundamental a prova. Trata-se de direitos que não se contradizem; antes, eles se complementam: o direito à prova é limitado pela legitimidade dos meios utilizados para obtê-la. O problema é que é possível que, no caso concreto, esses direitos fundamentais entrem em rota de colisão. É o que se dá por exemplo, nos casos em que o único meio de prova de que a parte dispõe para demonstrar suas alegações de fato foi obtido ilicitamente. Há nesses casos, posições as mais variadas: há quem não admita, em hipótese alguma, a prova ilícita; há que a admita sempre; há quem a admita apenas no processo penal, e desde que em favor do acusado; e há, por fim, quem defenda a aplicação do princípio da proporcionalidade para a solução do conflito. (DIDIER JR; BRAGA, OLIVEIRA, 2011, p. 34).

Na maioria dos casos o exame pode ser realizado sem ônus, através da assistência judiciária gratuita. Todavia, em face do elevado número de exames a serem realizados, há um tempo de espera muito grande.

É válido ressaltar uma análise mais cuidadosa concernente aos exames de DNA uma vez que resolve a origem genética do indivíduo, mas não necessariamente a paternidade. Situação que muitas vezes é construída pela afetividade não dependendo necessariamente do vinculo biológico, mesmo que, as partes tenham sido inertes em busca da verdade.

Ninguém duvida que o direito à filiação é um direito à identidade, que integra o postulado fundamental da personalidade. Assim, a busca a identificação do vínculo de filiação é personalíssima, indisponível e imprescritível, e nada - rigorosamente nada - tem a ver com os prazos decadenciais estabelecidos no Código Civil, no qual se quer ver um limite ao seu exercício. Não há como falar em perda do direito ele estado por inércia da pessoa. (DIAS, 2015 p. 444).

Em virtude das discussões relacionadas a recusa da realização do exame de DNA o Superior Tribunal de Justiça sumulou a matéria. Logo, entende-se que a postura omissiva do réu induz à presunção da paternidade.

Para Diniz (2011, p. 533) “O suposto pai pode negar-se a fazer o teste, por ser um atentado à sua privacidade, imagem científica e intangibilidade corporal”. Com sua recusa imotivada, o juiz, tendo por suporte todo o conjunto probatório, basear-se-á em presunção juris tantum de paternidade.

O Código Civil de 2002 trata nos artigos 231 e 232 sobre a recusa em se submeter ao exame, determinando que:

Art. 231 – Quem se nega a submeter-se a exame médico necessário, não poderá́ aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232 – A recusa à perícia medica ordenada pelo juiz poderá́ suprir a prova que se pretendia obter com o exame”

Isso fica claro na Súmula 301 STJ “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”. A referida súmula reforçou o reexame de matéria, pacificando a jurisprudência dos tribunais quanto a presunção relativa.

Em seu contínuo labor de julgar, os tribunais desenvolvem a análise do Direito, registrando na prática, as diferentes hipóteses de incidência das normas jurídicas. Sem o escopo de inovar, essa atividade oferece, contudo, importante contribuição à experiência jurídica. Ao revelar o sentido e o alcance das leis, o Poder Judiciário beneficia a ordem jurídica, tornando-a mais definida, mais clara e, em consequência, mais acessível ao conhecimento. Para bem se conhecer o Direito que efetivamente rege as relações sociais, não basta o estudo das leis, é indispensável também a consulta aos repertórios de decisões judiciais. A jurisprudência constitui, assim, a definição do Direito elaborada pelos tribunais. (NADER, 2011 p. 171).

Nesse sentido, a própria coisa julgada, que tem proteção constitucional (CF 5o XXXVI), dá espaço na busca à identidade dos vínculos de filiação, pois sua relativização está amparada pela jurisprudência.

No que diz respeito às pessoas, não existem restrições em nosso ordenamento jurídico. Podem ser inspecionadas pessoas vivas ou mortas, em qualquer condição. Deve-se, contudo, preservar os direitos fundamentais da pessoa a ser examinada, considerando-se ilegítimas perícias realizadas contra sua vontade (art. 5o, LVI, CF). (DIDIER JR; BRAGA, OLIVEIRA, 2014, p. 212).

Enfim, a suposta segurança jurídica que no passado era relativa, pode agora ser corroborada pelo exame de DNA e com isso se chegar na verdade real biológica.

3.3 CORRENTE CONSERVADORA

Antes de tudo deve-se novamente reforçar que demandas ao transitarem em julgado estão cobertas pela coisa julgada material, o que em tese impossibilita nova apreciação pelo Judiciário uma vez que torna inadmissível o reexame do assunto anteriormente decidido.

Por outro lado, o Direito voltado para área de família é extenso e junto com ele também são as complexidades que engendram as várias formas de famílias que existem.

Observa-se historicamente que poucos agrupamentos (institutos ou instituições) sobreviveram a tantas estocadas do tempo e das transformações sociais, religiosas, econômicas políticas e culturais. A família, contudo, persiste, adapta e amolda-se, inventa e reinventa-se. (JUSTO, 2014, p. 563).

Ademais, com o advento da coisa julgada presume-se que todas as provas admitidas em direito foram dentro das possibilidades produzidas pelas partes. Contudo, mesmo que outros argumentos possam futuramente surgir, o legislador infraconstitucional atentou para alguns detalhes. Vejamos:

De acordo com o Artigo 1600 do Código Civil de 2002, “Não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para ilidir a presunção legal de paternidade”. Esse artigo acaba sendo de grande importância, pois muitos homens acabam alegando um suposto adultério para contestar ação de investigação de paternidade que já está com trânsito em julgado.

As leis infraconstitucionais também concedem proteção a família, contudo, respeitando a a supremacia da Constituição.

As normas constitucionais são dotadas de preeminência, supremacia em relação às demais leis e atos normativos que integram o ordenamento jurídico estatal. Todas as normas devem se adequar, têm de ser pertinentes, precisam se conformar com a Constituição, que é parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo, a “lex legum” (a lei das leis). (VELOSO, 2003, p. 17).

Todavia, por ser imprescritível, pode ser alegada a qualquer momento. Nesse ponto o legislador também atentou, tratando no Artigo 1601 do Código Civil “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível”.

A presunção de paternidade não é juris et de jure ou absoluta, mas juris tantum ou relativa, no que concerne ao pai, que pode elidi-la provando o contrário. Essa ação negatória de paternidade é de ordem processual, sendo privativa do marido, por ter nela interesse moral e econômico (...). (DINIZ, 2011 - p.493).

Ademais, não se pode deixar de elencar o Artigo 1599 do Código Civil “A prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade.

Mesmo que no passado a realidade social fosse outra no que concerne aos recursos probatórios e coleta de provas, as demandas envolvendo reconhecimento de paternidade foram encaminhadas. Logo, acobertados pela coisa julgada e protegidos constitucionalmente.

Não se pode esquecer de ressaltar importantes princípios como o contraditório, a ampla defesa e a relevância da garantia de um processo justo, como a paridade das armas.

Nunca houve dificuldade, em doutrina ou jurisprudência, para se afirma a existência de um direito constitucional de defesa, consubstanciado, especialmente nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (Art. 5o, LV). Por outro lado, não se afirmava com a mesma empolgação a existência de um direito constitucional à produção de provas, terminando por ficar relegado ou segundo plano.

Todavia, a compressão do contraditório – permeado do princípio também constitucional da igualdade substancial – exige o reconhecimento da garantia processual de paridade de armas entre as partes. Ou seja, todos têm direito as mesmas oportunidades de convencer o magistrado, utilizando-se de idênticos instrumentos, para que obtenham tutela justa, adequada e eficaz ao seu direito material (JUSTO, 2014, p. 587).

Nesse ponto persiste a problemática, pois relativizar a coisa julgada acaba por colocar uma instabilidade no sistema jurídico, uma vez que a soberania da coisa julgada é colocada em evidência. Em uma direção encontra-se a certeza da segurança jurídica, representada pela coisa julgada, em outra, o princípio da dignidade da pessoa humana, que representa a justiça para o caso concreto.

Para os favoráveis da relativização da coisa julgada, o fenômeno de imutabilidade só ocorre se no processo de investigação de paternidade não tiverem sido produzidas todas as provas permitidas em lei, a exemplo o exame de DNA.

Logo, pode-se considerar que não faz coisa julgada material a decisão judicial em ações filiatórias nas quais não foram esvaziados todos os meios de prova.

[...] A relativização da coisa julgada material é uma tese extremamente polêmica, que nasceu no seio do Superior Tribunal de Justiça (Min. José Delgado) e que, mesmo entre os que a aceitam, só é defendida para casos extremamente extraordinários. Essa tese parte da premissa de que nenhum valor constitucional é absoluto, devendo todos ser sistematicamente interpretados de modo harmonioso e, consequentemente, aplicando-se à coisa julgada o princípio da proporcionalidade, utilizado para o caso de colisão entre princípios constitucionais. Esse princípio significa que, em casa de conflito entre dois ou mais valores tutelados pela Constituição, deve-se dar prevalência àquele que no caso concreto se mostre mais intimamente associado à índole do sistema constitucional. Assim, segundo parte da doutrina seria possível desconsiderar a coisa julgada, em processo próprio, para que prevaleça outro bom constitucionalmente tutelado, de índole material. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 333-334).

Por outro lado, existe uma corrente conservadora minoritária que entende pela preponderância da coisa julgada. Independentemente se ocorreu ou não o esvaziamento das provas admitidas em direito.

Com as raízes marcantes no regime totalitarista, segundo Nery Jr (2004, p.868) a relativização da coisa julgada é inconstitucional e o mesmo afirma que " desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo".

As possibilidades da relativização se encontram previstas no artigo 966 do Novo Código de Processo Civil, no qual prevê as hipóteses de cabimento da ação rescisória, em especial o inciso VII.

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

A mitigação da coisa julgada deve permanecer apenas nos casos excepcionais, incumbindo ao juiz a tarefa de descobrir as situações nas quais pode ser relativizada.

Nesse sentido, pode-se entender que a relativização da coisa julgada deve se dar apenas em situações de caráter excepcional, com o objetivo de justificar a superação da decisão que já está transitada em julgado.

Logo, a ação de investigação de paternidade, que em determinado momento histórico não esgotou todos os meios de prova, nesse caso, a realização do exame pericial de DNA, poderá ser novamente proposta e discutida.

3.4 AÇÃO ANULATÓRIA E AÇÃO RESCISÓRIA

Na legislação processual civil, o NCPC trata dos dos atos de disposição de direitos, que homologados pelo juízo podem ser anulados.

Para esses casos existe a ação anulatória, que pode ser ajuizada em primeira instância podendo se encaminhada da forma autônoma, seguindo o procedimento ordinário ou de forma incidental seguindo outro procedimento.

Essa ação é cabível contra atos praticados em juízo pelas partes, ou até mesmo por outros participantes do processo. Não se pode esquecer que ela é direcionada ao ato impugnado e não necessariamente a sentença. Para Didier Jr e Cunha (2010, p. 455) “a competência para a querela nullitatis é do juízo que proferiu a decisão nula, seja o juízo monocrático, seja o tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processo de sua competência originária”.

As situações de atos que podem desencadear a ação anulatória estão dispostas no artigo §4o do artigo 966 do NCPC, sendo voltadas para atos homologatórios. Por outro lado, em se tratando de sentença de mérito, utiliza-se a ação rescisória, discutida de forma específica no próximo tópico.

Art. 966 § 4a “Os atos de disposição de direitos, praticados pela parte ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bom como os atos homologatório praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.

O efeito incidental que tem como base o artigo 313 do NCPC, é aquele que se dá após o ajuizamento de pedido de ação anulatória no decorrer do processo inicial, fazendo com que fique suspenso até que se julgue a ação anulatória. “Art. 313, v, a “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”

Com isso, se o pedido de anulação não obtiver sucesso, o processo principal volta ao andamento normal. Ou seja, o pedido foi julgado improcedente, tendo a decisão natureza declaratória negativa.

Em outras palavras, se a ação anulatória obtiver êxito, o processo principal será atingido, uma vez que terá um ato nulo, logo, como se não tivesse existido. Essa decisão que decreta a procedência da ação anulatória tem natureza constitutiva negativa, pois desconstituirá́ o ato judicial.

Feita essas considerações, passa-se a análise da ação rescisória. Para Didier Jr, Braga, e Oliveira (2014, p.351) “A ação rescisória ostenta a natureza de ação autônoma de impugnação, voltando-se contra a decisão de mérito transitada em julgado [...]. Ou seja, ela acaba por provocar a instauração de um novo processo, buscando o desfazimento da coisa julgada material.

A ação rescisória não é recurso, por não atender a regra da taxatividade, ou seja, por não estar prevista em lei como recurso. Ademais, os recursos não formam novo processo, nem inauguram uma nova relação jurídica processual, ao passo que as ações autônomas de impugnação assim se caracterizam por gerarem a formação de nova relação jurídica processual, instaurando-se um processo novo. Eis por que a ação rescisória ostenta a natureza jurídica de uma ação autônoma de impugnação: seu ajuizamento provoca a instauração de um novo processo, com nova relação jurídica processual. (DIDIER JR; CUNHA, 2014, p. 351).

Não se pode olvidar que a coisa julgada material é uma característica do Estado Democrático de Direito. Para o cidadão, além do acesso a justiça também lhe é assegurado um fim processual a lide.

Nesse sentido, processualmente falando já existe coisa julgada material e através de sua função jurisdicional o Estado novamente é chamado.

Caracterizada a insatisfação de alguma pessoa em razão de uma pretensão que não pôde ser, ou de qualquer modo não foi, satisfeita, o Estado poderá ser chamado a desempenhar a sua função jurisdicional; e ele o fará em cooperação com ambas as partes envolvidas no conflito ou com só uma delas (o demandado pode ficar revel), segundo um método de trabalho estabelecido em normas adequadas. A essa soma de atividades em cooperação a à soma de poderes, faculdades, deveres, ônus e sujeições que impulsionam essa atividade dá-se o nome de processo. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 46).

A ação rescisória vem prevista no artigo 966 do NCPC, inciso VII. O legislador tratou de esclarecer que a suposta ação deve ser fundada em prova nova. “VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”

Logo, poderá ser intentada se a prova colhida em momento a partir do qual não se permitia mais juntá-los aos autos do processo originário. Assim, a parte deverá demonstrar que desconhecia o documento durante o processo originário, ou se conhecia, a ele não teve acesso.

Biologicamente falando, o exame de sangue muito usado no passado servia apenas para excluir a paternidade, mas não dava a certeza, ou seja, a verdade que tanto se buscava.

4) O exame de sangue, adequado para excluir a paternidade se o filho e o pretenso pai pertencem a diverso grupo sanguíneo; porém, se do mesmo grupo, não se pode proclamar a filiação, mas tão somente a mera possibilidade da relação biológica da paternidade, devido a circunstância de que os tipos sanguíneos e o fator Rh, embora transmissíveis hereditariamente, são encontrados idênticos em milhões de pessoas. Assim, se o tipo de sangue for o mesmo no investigante e no investigado, isso não quer dizer que sejam parentes, pode ser mera coincidência. O exame hematológico é prova negativa, só serve para excluir a paternidade. (DINIZ, 2011, p. 528-529).

Não se pode esquecer que o prazo para propositura da ação rescisória se extingue em dois anos, de acordo com o Artigo. 975 do NCPC. “O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do transito em julgado da última decisão proferida no processo”. Com o passar desse biênio decadencial chega-se a coisa soberanamente julgada e em tese seu conteúdo não poderá ser alterado.

Contudo, mesmo tendo chegado a coisa julgada material e constitucionalmente protegida, pode-se ter uma nova rediscussão, pois a coisa julgada não pode sobrepor a realidade.

Ementa: AÇÃO RESCISÓRIA - AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE JULGADA IMPROCEDENTE - EXCLUSÃO DA PATERNIDADE POR EXAME DE DNA - ERRO ESSENCIAL - BUSCA DA VERDADE REAL - RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. - Para desconstituir o registro de nascimento é necessário erro ou falsidade, contudo tenho que o exame de DNA, por ter como resultado um erro essencial sobre o estado da pessoa, é prova capaz de desconstituí-lo, pois derruba, por completo, a verdade jurídica nele estabelecida. - Diante de uma prova tecnológica e cientificamente avançada como o exame de DNA e, ainda, não havendo, nos autos, elementos suficientes para contradizer o resultado por ele alcançado, não há razão para decidir contrariamente à sua conclusão. - Em face do progresso tecnológico, que disponibilizou a descoberta e certeza da paternidade biológica, surgiu a necessidade de relativização da coisa julgada, em sede de investigação de paternidade, em prestígio da busca da verdade real. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2013)

Dessa forma, o prazo da ação rescisória só deverá começar a ser computado a partir da da ciência da parte a respeito do exame de DNA e não do trânsito em julgado da decisão anterior.

Se fosse o contrário, ou seja, a partir do trânsito em julgado a ação rescisória restaria prejudicada pois deveria a parte ajuizar a ação no prazo legal de dois anos, sendo que, dependendo do caso concreto, ainda não teria ciência do avanço da ciência, qual seja o exame de DNA.

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