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A duração do seguro-desemprego à luz da Constituição e da Convenção 168 da OIT

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Agenda 04/04/2018 às 12:40

4 – Exigibilidade do direito à duração adequada do seguro-desemprego e critérios para sua satisfação judicial: celetistas e domésticas

Tanto os arts. 7º, II e 201, III c/c 194, I da Constituição como a Convenção 168 da OIT estatuem direitos públicos subjetivos exigíveis judicialmente.

Relembrando o afirmado pelo STF na já citada ADI 1.439-MC,

As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário.

Qualquer trabalhador que seja ou tenha sido – ressalvada eventual prescrição – beneficiário do seguro-desemprego é titular do direito à sua prorrogação pelo tempo que satisfizer os parâmetros da Constituição e da Convenção 168, bem como ao pagamento das parcelas em atraso desde a cessação inconstitucional.

Os melhores instrumentos processuais para tanto seriam ações coletivas ou ações civis públicas com pedido principal de pagamento do seguro-desemprego por prazo indeterminado, com fulcro no art. 19, 1, e pedido subsidiário para que, se julgado improcedente tal pleito, a União opte entre (i) pagar o seguro-desemprego por 6 meses com fulcro no art. 19, 2, “a” a todos os trabalhadores que a ele façam jus, ou (ii) estabelecer uma escala de duração baseada no tempo anterior de emprego que resulte numa média de 6 meses, com base no art. 19, 3. As dezenas de milhões de trabalhadores com direito a parcelas adicionais às já auferidas não podem, no entanto, permanecer reféns da inércia ou inépcia dos legitimados a mover tais ações (sindicatos, Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União) que, vinte anos após promulgada a Convenção 168, parecem não haver tomado conhecimento de sua existência. Tornam-se necessárias, assim, as ações individuais, não obstante os inconvenientes práticos que encerram.

Como antes visto, a regra estabelecida pela convenção (art. 19, 1) é a duração indeterminada do benefício em exame até a obtenção de novo trabalho. A limitação no tempo, conquanto permitida sob condição da observância dos pisos estipulados no art. 19, 2 e 3 c/c arts. 15 e 16, é exceção e precisa estar prevista em norma interna do Estado-parte.

No Brasil, não há disposição de direito interno em vigor sobre a matéria. A Convenção 168 revogou, em 1998 – por posterioridade, incompatibilidade e hierarquia – o escalonamento previsto na Lei 8.900/1994. A repetição de tal escala na atual redação do art. 4º e respectivo § 2º da Lei 7.998, dada pela Lei 13.134/2015, e a duração única de 3 meses estabelecida na Lei Complementar 150 se chocam, por suas vezes, com vedação presente na mesma convenção. Por consequência, o art. 4º e respectivo § 2º da Lei 7.998 e o art. 26 da Lei Complementar 150 inexistem juridicamente.

Assim, conquanto permitidos a limitação e o escalonamento, o fato é que não há disposições de direito interno válidas que os instituam no Brasil. Destarte, e ao menos em princípio, se aplica o art. 19, 1, da convenção, em cujos termos “as indenizações atribuídas em caso de desemprego completo (...) deverão ser abonadas enquanto durarem essas contingências”.

Caso, porém, os compromissos de classe do Judiciário brasileiro o levem a – na busca desesperada de um subterfúgio para não aplicar um texto normativo tão claro – considerar que o intuito legislativo de limitar e/ou escalonar a duração inicial do benefício deve ser considerado ainda que a duração definida em lei seja insubsistente por seu descompasso com a Convenção 168, terão os trabalhadores ao menos o direito a que tal duração satisfaça o piso internacional.

Em tal hipótese, haverá direito a um período inicial em que o provento será calculado sobre suas remunerações anteriores e a um período adicional de percepção de benefício em valor estipulado segundo suas necessidades de subsistência.

No tocante à extensão cronológica e à forma de efetivação desse direito, há duas situações distintas: a dos trabalhadores regidos pela CLT, cujo seguro-desemprego é disciplinado pela Lei 7.998, e a das empregadas domésticas, cujo acesso ao benefício em questão é regido pela Lei Complementar 150 e, supletivamente, pela mesma Lei 7.998.

4.1 – Duração inicial: trabalhadores regidos pela CLT e Lei 7.998

Para a duração do período inicial, a Convenção 168 fornece dois critérios: fixa-lo em 6 meses para todos os trabalhadores (art. 19, 2, “a”), em vez dos 3 a 5 da Lei 7.998, ou estipular critérios de duração baseados no tempo anterior de emprego registrado que satisfaçam a duração média de 6 meses (art. 19, 3), em vez dos 4 da Lei 7.998. Na primeira hipótese, todos os trabalhadores com direito ao seguro-desemprego deverão recebê-lo por 6 meses; na segunda, alguns poderão auferi-lo por menos tempo, desde que outros o façam por tempo maior, de modo a compor uma média de 6 parcelas.

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Em demandas individuais de trabalhadores aos quais aos se tiver deferido o benefício por 4 meses (duração média estipulada na Lei 7.998), tal discussão não se coloca porque o resultado prático será o mesmo: um ou outro critério tem como consequência a ampliação da duração inicial de 4 para 6 meses, de modo a satisfazer ou a duração única do art. 19, 2, “a”, ou a duração média do art. 19, 3.

Os desempregados com direito, pelos critérios da Lei 7.998, à duração máxima do seguro-desemprego (5 meses) podem, como ocupantes únicos do polo ativo da demanda, pleitear a ampliação do período inicial de pagamento para 6 meses, pois nenhum dos critérios da Convenção 168 (duração única do art. 19, 2, “a” ou duração média do art. 19, 3) resultará, para eles, em período menor. Contudo, o mais adequado sob o prisma estratégico é que as demandas desses trabalhadores tenham no polo ativo, além deles, pelo menos mais um a quem tiver sido assinalada a duração mínima da mesma Lei 7.998 (3 meses).

A razão para tal é que, na hipótese de se entender aplicável o art. 19, 3, que determina duração média de 6 meses, configura-se, entre os titulares de seguro-desemprego com duração superior ou inferior à média, litisconsórcio por afinidade de questões jurídicas (art. 113, III do CPC) ou assistência litisconsorcial pelo reflexo do que se deferir a uns sobre a relação entre outros e o ente obrigado a pagar o seguro-desemprego (União).

O litisconsórcio ou assistência litisconsorcial se dá porque se algum órgão jurisdicional decidir que um trabalhador a quem foi deferido o seguro-desemprego por 3 meses não tem direito à ampliação desse período, isso acarretará para quem o recebe por 5 meses direito à ampliação de tal prazo para 9, pois, de outro modo, não se atenderá à duração média de 6 meses preconizada no art. 19, 3, da convenção. Se, por outro lado, houver provimento jurisdicional deferindo a um trabalhador a quem originalmente foi reconhecido direito ao seguro-desemprego por 5 meses sua ampliação para 7 de modo a manter o critério de uma parcela a mais que a média hoje presente na Lei 7.998, advirá daí para aqueles a quem foi deferido o benefício pelo prazo mínimo de 3 meses sua extensão para 5, de modo a também perfazer uma média de 6 meses.

Na falta de um provimento de caráter geral emitido em ação coletiva ou ação civil pública, a unificação de critérios ter-se-á que dar progressivamente, por meio dos instrumentos que a legislação processual fornece para uso dos tribunais (incidentes de uniformização de jurisprudência, resolução de demandas repetitivas e assunção de competência).

4.1.2 – Duração inicial: trabalhadoras regidas pela Lei Complementar 150

Diversa – e mais simples – é a situação das trabalhadoras domésticas, cujo acesso ao seguro-desemprego se rege primordialmente pela Lei Complementar 150, tendo a 7.998 incidência apenas supletiva.

Como o art. 26 da LC 150 estabelece duração única (e não escalonada) para o pagamento do benefício a essas trabalhadoras, não tem lugar, quanto a elas, o art. 19, 3 da Convenção 168. A adequação do seguro-desemprego delas à exceção admitida na norma definidora da legalidade internacional quanto ao tema se dá, portanto, apenas pelo art. 19, 2, “a”, que estipula duração inicial unificada em 6 meses, e não nos 3 da inconstitucional lei interna.

4.2 – Duração adicional

No que tange à duração adicional (art. 19, 2, “b” c/c art. 16 da convenção), não há diferença entre a situação de celetistas e domésticas e a aferição do mínimo aquém do qual toda limitação é insubsistente é mais fácil que parece.

Ao contrário do que se dá com a duração inicial, a Convenção 168 não delimita a adicional, consignando apenas que ela “poderá ficar limitada a um período prescrito” (art. 19, 2, “b”). A dificuldade que adviria daí, no entanto, é só aparente. À falta de parâmetro normativo sobre quanto deve durar esse período adicional, mas existindo norma que o assegura, cabe delimitá-lo no minimum minimorum, ou seja, na menor duração que o Estado-parte poderia estipular: 1 (uma) parcela. Como duração inferior a isso (zero) consubstancia descumprimento da Convenção 168 vedado aos legisladores, não se invade, assim, a seara da discricionariedade daquele poder.

Similar raciocínio – com a diferença de não ser total o vazio normativo – se aplica ao valor dessa parcela adicional, que, sempre conforme a Convenção 168, não é fixada conforme o histórico remuneratório do titular, mas em valor que lhe assegure, em tese, a subsistência.

Nos termos das “normas nacionais” a que remete o art. 16 da Convenção, o valor correspondente, em tese, à subsistência digna e aplicável como piso ao seguro-desemprego não é outro senão o salário mínimo. É assim por expressa disposição constitucional do art. 201 § 2º e também por previsão igualmente literal da Lei 7.998:

Art. 5º O valor do benefício será fixado em Bônus do Tesouro Nacional (BTN), devendo ser calculado segundo 3 (três) faixas salariais, observados os seguintes critérios: (...)

§ 2º O valor do benefício não poderá ser inferior ao valor do salário mínimo.

Inexistindo, pois, discricionariedade legislativa para fixar o valor da parcela adicional em menos que o salário mínimo, há direito líquido e certo à percepção dela em tal valor.


Conclusão

A duração do seguro-desemprego não pode ser inferior a 7 meses para as trabalhadoras domésticas. Para os demais trabalhadores, ou se aplica esse piso de forma unificada, ou se define uma escala em que a média tampouco pode ser inferior a ele (6 meses com base nas remunerações anteriores do trabalhador, 1 em valor igual ao salário mínimo).

Ainda que não se considere aplicável o que a Convenção 168 da OIT define como regra (o pagamento do seguro-desemprego enquanto durar a situação que origina o direito a ele), a Lei 7.998 e a Lei Complementar 150 tampouco atendem aos critérios a que a mesma convenção condiciona a faculdade dos Estados-parte estabelecerem exceções.

A legislação que rege o seguro-desemprego no Brasil está, pois, fora da legalidade internacional e afronta garantias reconhecidas na Constituição como fundamentais.


Nota

[1] http://site.cndl.org.br/tempo-medio-de-desemprego-no-pais-ja-dura-um-ano-e-dois-meses-revela-pesquisa-do-spc-brasil-e-cndl/

Sobre o autor
Henrique Júdice Magalhães

Advogado (OAB/RS 72.676), ex-pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e ex-consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Cursa atualmente o doutorado em Direito na Universidad de Buenos Aires.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Henrique Júdice. A duração do seguro-desemprego à luz da Constituição e da Convenção 168 da OIT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5390, 4 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65144. Acesso em: 23 dez. 2024.

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