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Da presunção de violência e da necessidade de análise casuística nos casos de estupro do vulnerável menor de 14 anos

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6 DA CAPACIDADE DE CONSENTIMENTO DO VULNÉRAVEL

Na teoria do delito, o consentimento da vítima tem duas finalidades: a exclusão da ilicitude do fato e o afastamento da tipicidade. [180] Sua relevância ocorre com dois enfoques: se elementar, exclui-se a tipicidade, se não, é ilegal a sua justificação.[181]

Embora o Direito Penal determine o tipo penal, o consentimento do ofendido pode gerar consequências diferentes das dispostas em lei. Todavia, esse consentimento deve ser anterior ou simultâneo à conduta, não admitindo consentimento posterior.[182]

O consentimento do indivíduo protege a sua vontade, bem como a sua liberdade de dispor, com exceção da vida, de sua integridade corporal.[183] Diante disso, para sua admissibilidade devem ser preenchidos alguns pressupostos: que o ofendido tenha permitido, sem coação ou fraude; que o ofendido, no momento da concordância, tenha capacidade de compreender os significados e as consequências da sua anuência; o bem jurídico deve ser disponível; o fato típico deve ser previsto em lei, sendo objeto de consentimento do ofendido.[184]

Contudo, para o autor Rogério Greco, não existe a capacidade de consentimento para os menores de 14 anos e somente após os 18 anos é que se tem perfeita higidez mental para consentimento. O mesmo autor também assevera que, independentemente do bem jurídico estar disponível, isto não será considerado quando enquadrado no intervalo etário hora discutido.[185]

É importante ressaltar que a disponibilidade do bem jurídico está relacionada à autonomia da pessoa. Contudo, há doutrinadores que pontuam que o bem disponível não pode ferir a autonomia do indivíduo, pautando-se nisso para afirmar a eficácia da lei, assegurando que o menor de 14 anos, ainda que haja constrangimento ilegal, não tem maturidade suficiente para consentir atos de natureza sexual, o que interfere na sua autonomia presente e futura.[186]

O consentimento deve ser considerado de forma significativa pelo Estado na tutela dos bens jurídicos, enquanto não crie perigo ou dano social, sendo considerado ilícito quando obriga o titular do direito a situações imorais.[187]

Oposto a isso, o autor José Henrique Pirangeli assevera ser necessário que o consentimento não esteja em oposição aos bons costumes, para que possa considerar ou não sua validade, enquanto a conduta do agente independe dessa premissa. Ou seja, a disposição de um bem jurídico, diante de um fato que seja contra os bons costumes, não exclui a tipicidade.[188]

 É oportuno destacar que o consentimento implica como manifestação de vontade do indivíduo, existindo, na maioria dos casos, de forma objetiva, ainda que seja juridicamente inválido[189] nos casos de menores de 14 anos, pois, ao considerá-los vulneráveis, é compreendido como vício de consentimento.[190]

A discussão do caso em tela ocorre devido à discordância do Estatuto da Criança e do Adolescente com o Código Penal, sendo estes regulados de forma discordantes, pois este último trata o adolescente, com idade entre 12 e 14 anos, como absolutamente incapaz, enquanto, para o Estatuto da Criança e do Adolescente, trata-se de capacidade relativa, sendo consideradas as situações fáticas, compondo seu consentimento e vontade.[191]

A esse propósito, o entendimento do autor Juarez Cirino dos Santos refere que o consentimento dos vulneráveis deve se manifestado por seu responsável, na hipótese de prevalência da vontade do adolescente, em caso de conflito entre esses e seus responsáveis.[192]

Sobre tal aspecto, o ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci aduz:

Pode-se considerar o menor, com 13 anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que nos parece acertada. A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e muito menos afastar a aplicação do princípio da intervenção mínima e seu correlato princípio da ofensividade.[193]

Ante o exposto, nota-se um real conflito acerca do consentimento quanto à sua validade, visto que este se encontra limitado pelo Código Penal, não permitindo ao indivíduo menor de 14 anos, ainda que comprovada a maturidade psíquica, externalizar sua vontade e desejos decorrentes da natureza sexual.

6.1 Vulnerabilidade relativa e absoluta

São qualificadas vulneráveis as pessoas que, de forma relativa ou absoluta, possuam alguma incapacidade, falta de inteligência ou força para tutelar seus valores e conveniências,[194] e que possam ter seus direitos ofendidos ou atacados.[195] É essa vulnerabilidade que sofre valoração do julgador quanto ao nível de abuso em pessoas nessas condições.[196] Trata-se de pessoas com direito ou capacidade de consentir limitados.[197]

A criação do tipo penal contido no artigo 217-A do Código Penal, após passar a não mais possibilitar a presunção de violência, trata a vulnerabilidade dos menores de 14 anos, absoluta e taxativamente, como meio de tentar eliminar a discussão acerca da incapacidade de consentimento na relação sexual.[198]

Diante disso, o autor Guilherme de Souza Nucci considera correto e viável manter o debate quanto à capacidade de consentimento, equiparando a vulnerabilidade do Código Penal ao Estatuto da Criança e do Adolescente, qual seja 12 anos de idade.[199]

Ademais, conforme Cezar Roberto Bitencourt, o legislador utiliza a vulnerabilidade em outros enfoques e condições distintas, considerando duas modalidades de vulnerabilidade: a relativa, quando menor de 18 anos, e a absoluta, quando menor de 14 anos.[200]

Portanto, para que se possa declarar a vulnerabilidade, se relativa ou absoluta, é necessário avaliar os pressupostos de grau, intensidade e extensão, pois eles apresentam resultados e importância distintos. O mesmo autor procura demonstrar assim que, em que pese existir a presunção absoluta, a vulnerabilidade pode ser relativa, e também há casos de presunção relativa com vulnerabilidade absoluta, de acordo com cada situação casuística.[201]

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Contudo, como já citado, o legislador, ao criar o tipo de pena em tela, considerou o menor de 14 anos em sua máxima vulnerabilidade. Todavia, no caso concreto, é possível verificar uma vulnerabilidade relativa, ainda com a idade prevista no tipo penal que, por peculiaridades inerentes e particulares, não o faz absolutamente vulnerável.[202]

Em suma, resta claro que a vulnerabilidade é correspondente a cada pessoa, pois cada um se desenvolve de forma individual, merecendo valoração de acordo com cada caso, de modo que esta, no caso de estupro de vulnerável, não pode ser considerada absoluta, pois existem pessoas com a mesma idade que possuem grau de vulnerabilidade diferente.           

6.2 Importância de ouvir a vítima e seu valor probatório

São consideradas especialmente peculiares as declarações de crianças e adolescentes, devido à sua fragilidade emocional.[203]

Contudo, é necessário que o procedimento investigatório seja aprimorado. Em face disso, busca-se a efetiva participação de psicólogos, psiquiatras, terapeutas e assistentes sociais, de modo a preparar a vítima, fazendo a interlocução nas audiências, que devem ser informais e distintas das audiências de foro, de delegacias ou de gabinetes do Ministério Público.[204]

Em vista disso, o Conselho Nacional de Justiça expediu a seguinte recomendação: “Recomenda aos tribunais a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais. Depoimento Especial.”[205]

Tal recomendação fundamenta-se, especialmente, no §1º do artigo 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual dispõe: “Sempre que possível a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.”[206]

No tocante ao exposto, o autor Guilherme de Souza Nucci julga importante ouvir e colher as declarações das vítimas infanto-juvenis, havendo elementos relevantes a serem julgados, quais sejam: qual é o nível de verdade na declaração da vítima, qual é o trauma causado à mesma, a existência de confronto entre as declarações do acusado e da vítima, valendo-se do princípio da presunção de inocência do réu.[207]

É notável o entendimento do STJ que, em casos de estupros contra crianças e adolescentes, preconiza que as vítimas sejam ouvidas por um psicólogo. Trata-se de um “depoimento sem dano”, que deve ser feito em uma sala reservada, devido à condição especial de pessoa em desenvolvimento que deve ser respeitada.[208]

Nesse viés, torna-se indispensável a valoração do depoimento da vítima, quando do crime de estupro de vulnerável, de forma diferenciada, para a aplicação satisfatória do Direito Penal. Deve ser considerado, ainda, o apoio da psicologia, de modo que os interesses do acusado não sejam prejudicados. Ademais, o depoimento da vítima, como prova testemunhal, pode substituir o exame de corpo de delito, quando os vestígios já tiverem desaparecido.[209]

Posta assim a questão, é importante ressaltar que:

A atividade probatória é função fundamental a fim de que se alcance uma efetiva prestação jurisdicional, sendo imprescindível que o operador do direito utilize-se de meios válidos, necessários e adequados para que se concretize a tutela pleiteada. Desse modo, é imperioso pormenorizar tais meios, hábeis a formar a convicção do julgador, observando-se as particularidades inerentes a cada tipo penal, cujas especificidades podem ensejar especial valia a determinado meio probatório.[210]

Guilherme de Souza Nucci considera, ainda, o depoimento sem dano um método inovador como meio de solucionar o problema. A criança ou adolescente é ouvida em uma sala reservada, de modo que não sofra a pressão de um depoimento formal.[211] Entretanto, para ser considerado, o depoimento da vítima deve estar coerente com as demais provas do processo e necessita transmitir credibilidade.[212]

Perante o exposto, em que pese a jurisprudência pátria não impedir a condenação do acusado diante da palavra da vítima, esta deve estar de acordo e alinhada com os demais fatos presentes no processo.[213]

A esse propósito é importante destacar o seguinte entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DUVIDOSAS. PALAVRAS DA VÍTIMA CONTRADITÓRIAS. PRESUNÇAO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. RELATIVIZAÇÃO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ALVARÁ. OFICIAR. 1. Em homenagem ao devido processo legal e para assegurar a efetivação de direitos fundamentais, havendo dúvida acerca da ocorrência do evento delitivo, bem como da autoria do crime, deve ser operada a absolvição do réu. 2. A palavra da vítima, em casos de crimes contra os costumes, apesar de merecer valor, deve ser coesa e corroborada pelos demais elementos probatórios. 3. Sendo patente o amadurecimento precoce dos jovens na vida sexual, não se pode mais imperar a tese de presunção absoluta de violência nos casos em que envolva adolescente, sendo necessário avaliar a condição de vulnerabilidade da vítima caso a caso. 4. Alvará. Oficiar.[214] 

 Também é importante ressaltar que, por mais que psicólogos e magistrados tenham a habilidade de extrair o máximo de verdade de uma pessoa, deve-se ter o devido cuidado com a condição influenciável dos menores de 14 anos, e o medo de contrariar ou desmentir uma colocação posta a eles. Esse apontamento considera o princípio da inocência em seu máximo aproveitamento, visto que qualquer contradição pode ser premissa para inocentar o réu.[215]

“A prova, de culpa ou de inocência, deve ser buscada por todo e qualquer meio moralmente legítimo e não vedado em lei.”[216]

Dessa forma, conclui-se que é imprescindível ouvir as vítimas, especialmente no caso de estupro de vulnerável, em tela. Todavia, o manejo e a interpretação de tais depoimentos devem ser realizados de maneira extremamente cuidadosa e peculiar, visto às condições de desenvolvimento, tanto físico quanto psíquico, dessas vítimas, com a finalidade de julgar de forma determinada o caso.

6.2.1 Princípio da presunção de inocência

O princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade tem como fundamento a prevalência do interesse do réu, assim como o direito de não fazer provas contra si mesmo, ainda que fique silente.[217]

Esse é um princípio derivado da dignidade da pessoa humana, irrenunciável e indisponível, visto o estado natural de inocência da pessoa, que demanda o respeito aos direitos e garantias fundamentais individuais, admitindo o contrário, somente em caso de necessidade de se provar a culpa do agente.[218]

Considerando o exposto, resta claro que o ônus da prova não cabe ao acusado, mas à sua acusação, sendo considerado inocente até a sentença, com trânsito em julgado.[219] Sendo assim, não obstante esteja em confronto com o poder punitivo estatal e ainda que em estado de dúvida, o estado de inocência do acusado deve ser preservado.[220]

Ademais, o princípio da presunção de violência está disciplinado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”[221]

Nesse sentido, a presunção de inocência enfoca-se sobre duas regras: uma disciplina que a acusação tem o ônus de provar a culpa do acusado, e este, por sua vez, não deve provar sua inocência; e a outra não permite que o acusado seja considerado culpado sem antes ter o trânsito em julgado da sentença.[222]

Posta assim a questão, a presunção legal de violência, nos casos de estupro de vulnerável, conflita diretamente com os princípios do Direito Penal moderno, principalmente com o princípio da presunção de inocência. A partir do momento que essa presunção torna-se absoluta, esse conflito se faz ainda mais ostensivo, restritivo e limitador, visto que não admite, em hipótese alguma, prova em contrário.[223]

A respeito disso, assevera o doutrinador Luiz Flávio Gomes: “O princípio da presunção de inocência exige comprovação efetiva dos fatos. Logo, a lei não pode presumi-los. E violência é fato. Existe ou não existe.”[224]

Ou seja, ainda que comprovada a experiência sexual do menor, ou que esse possua maturidade e consciência de seus atos, tratar-se-á de forma taxativa a presunção, impossibilitando qualquer prova em contrário.[225]

Por tais razões, torna-se inconstitucional a presunção absoluta de violência no estupro de vulnerável, visto que se encontra em conflito com o princípio constitucional da presunção de violência, por não existir a possibilidade de produção de prova em contrário.

6.2.2 Princípio da taxatividade e a sua não aplicação

O princípio da taxatividade tem como critério evitar tipos penais vagos, com a finalidade de garantir a segurança jurídica que o Estado necessita, tornando-se instrumentos inadequados quando usados de forma excessivamente abertas e quando abrangida a inteireza penal.[226]

Contudo, usar a legislação penal no que tange à dignidade sexual de modo restrito, é “negar a validade do consentimento em todas as hipóteses, aprioristicamente, é ir contra a realidade, é ignorar que o direito penal é direito de cada caso concreto”.[227]

Na visão do doutrinador Guilherme de Souza Nucci, o princípio da taxatividade deve ser banido do universo penal, uma vez que, em inúmeros casos, deve-se usar da flexibilidade para certos contornos típicos, não existindo uma figura absoluta.[228] Como no caso do estupro de vulnerável, em tela, o qual, como tipo penal inédito, traz diversas discussões jurisprudenciais, provocando inúmeros debates acerca da sua valoração, onde é incabível a utilização do princípio da taxatividade.[229] Além do mais, a tipicidade depende da indispensável interpretação, corretamente aplicada, de modo a evitar tipos fechados, considerando a interpretação valorativo-cultural e jurídica.[230]

Ante ao exposto, não é possível aplicar taxativamente o disposto em lei, visto que há a necessidade de se interpretar o tipo penal de forma que seja menos gravosa ao acusado.

6.3 Erro de tipo e a (im)possibilidade da exclusão da tipicidade

O autor Guilherme de Souza Nucci conceitua o erro de tipo como “erro que incide sobre elementos objetivos do tipo penal, abrangendo qualificadoras, causa de aumento e agravantes.”[231]

Outrossim, considerando que na modalidade devem estar presentes os pressupostos de consciência da ilicitude e da vontade, estes tornam-se excluídos quando o autor se engana ou desconhece algum dos elementos do tipo penal.[232]

É válido ressaltar que nos casos de estupro de vulnerável somente será excluída a sua tipicidade quando comprovada a admissibilidade quanto às circunstâncias que conduziram inevitável erro de tipo quanto à menoridade da vítima.[233]

É necessário não perder de vista a posição que a jurisprudência pátria vem assumindo diante da matéria sub examine, comungando do mesmo entendimento, conforme se pode concluir de acordo com as seguintes ementas:

APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO DE VULNERÁVEL - MENOR DE 14 ANOS - ERRO DE TIPO - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. "Se o autor pratica relações sexuais incorrendo em erro sobre a idade da vítima, circunstância esta elementar do delito de estupro de vulnerável, exclui-se o dolo de sua conduta e, consequentemente, a própria tipicidade, na medida em que não há previsão de modalidade culposa para referido crime". Precedentes da jurisprudência. O advogado que atuar em processo penal como defensor dativo de pessoas necessitadas faz jus aos honorários em Segunda Instância pela prestação de serviços ao Estado, pois é dever deste prestar assistência judiciária aos necessitados[234]

PENAL - ESTUPRO - ABSOLVIÇÃO -NECESSIDADE - DESCONHECIMENTO DA IDADE DA VÍTIMA - ERRO DE TIPO - ARTIGO 20 DO CÓDIGO PENAL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Impõe-se a absolvição quando o apelante pratica a ação típica incorrendo em erro sobre circunstância elementar, o que afasta a tipicidade da conduta. 2. O error aetatis afasta o dolo e consequentemente a adequação típica da conduta. 3. Recurso provido.[235]

Ademais, a prova inequívoca de que a vítima tenha comprovada experiência sexual pode ser possibilidade de exclusão da tipicidade, desde que seja determinante para constituir erro de tipo.[236]

Perante o exposto, comprova-se o seguinte entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL - MATERIALIDADE E AUTORIA - VÍTIMA-MENOR DE 14 ANOS - VIOLÊNCIA PRESUMIDA- PRESUNÇÃO RELATIVA DE VIOLÊNCIA - AUSÊNCIA DE VIOLÊNCIA OU COAÇÃO - PROVA DE EXISTÊNCIA DE ALGUM TIPO DE RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE OS ENVOLVIDOS - CONHECIMENTO DA VÍTIMA A RESPEITO DE ATOS DE NATUREZA SEXUAL COMPROVADA - CONSENTIMENTO EXPRESSO - ABSOLVIÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO - VOTO VENCIDO. - Com base na relativização da presunção de violência prevista no art. 224, alínea 'a' do CP, o consentimento expresso da vítima e seu conhecimento a respeito de atos de natureza sexual têm o condão de descaracterizar o delito de estupro no caso concreto, e ensejar a absolvição do acusado.[237]

Assim sendo, não há de se considerar absoluta a presunção de violência em casos que a vítima já tivesse discernimento de seus atos e uma vida sexual ativa. Dessa forma, pode ser alegado erro de tipo, a fim de afastar a presunção. Ademais, como visto nas ementas acima, o mesmo pode acontecer quando houver elevado desenvolvimento físico, conduzindo o agente a pensar que a vítima tenha idade superior a 14 anos, quando esta tenha consentido o ato.[238]

É relevante mencionar que o erro de tipo se equipara à ignorância, na qual se tem desconhecimento da realidade. Nesse caso, o agente não atua com a vontade de praticar a conduta descrita no tipo penal.[239]

Portanto, observa-se o entendimento contrário da jurisprudência pátria, em face do disposto legal, diante do erro de tipo do agente, excluindo a ilicitude do fato típico em casos pontuais, de acordo com a análise do caso concreto.

6.4 Da necessidade da análise casuística

Como já observado em vários pontos do presente trabalho, a análise casuística é de extrema importância, diante de alguns casos de estupro de vulnerável.

Nas palavras do autor Luis Flávio Gomes, “cuidando-se de adolescente, cada caso é um caso. Pode haver violência real, mas também pode haver consentimento válido. Tudo depende do caso.”[240]

Diante de tal afirmativa, é importante salientar que a vulnerabilidade pode apresentar-se em diferentes graus e, por isso, precisa ser valorada casuisticamente, ou seja, cada situação deve ser analisada em duplo juízo, quanto à natureza da presunção e quanto à intensidade da vulnerabilidade.[241]

Além disso, há de se verificar, que deve existir a possibilidade de ser juridicamente válido o ato sexual com adolescente, visto que pode haver consentimento por parte deste. Assim, analisando cada caso concreto, deve-se considerar, em relação ao adolescente, o seu grau de informação, de cultura e de conhecimento, além de sua consciência para prática de atos sexuais e a certeza da voluntariedade para o ato.[242]

Portanto, não se pode perder de vista que é fundamental que se prove a contrariedade e o constrangimento sofridos pela vítima.[243]

Por tais razões, entende-se que o julgador não deve se posicionar de forma taxativa diante de determinados casos de estupro de vulnerável, considerando cada caso concreto de acordo com as particularidades do envolvido quanto ao seu desenvolvimento, seus costumes e a sua vida histórico-cultural, de modo a avaliar os princípios constitucionais basilares para a solução do conflito de tal fato jurídico. Ademais, cada pessoa se desenvolve de forma diferente, tanto física quanto emocionalmente, não sendo possível anular a dignidade sexual quanto ao seu desenvolvimento para tais atos, apreciando de forma ponderada a sua vontade e capacidade para tanto.

Sobre os autores
Carlos Eduardo Pires Gonçalves

Graduado em Direito pela Universidade Paranaense (2004). Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Penal pela Unp - Universidade Potiguar. Professor das disciplinas de Processo Penal II, Direito Penal III e IV, e Prática Processual Penal I e II no curso de Graduação em Direito da Unifamma. Leciona em diversos cursos de pós-graduação na área criminal.

Anielle Sabino da Costa

Graduada em Direito pela FAMMA - Faculdade Metropolitana de Maringá

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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