Atendendo a reclamos do segmento rural o Congresso Nacional não manteve os vetos do Presidente da República a alguns dispositivos do PLC 165/2017, convertido na lei 13.606/18, que instituiu, entre nós, o Programa de Regularização Tributária Rural – “Refis Rural”. Em especial, para este artigo, foram derrubados os vetos da alínea "a" do inciso II do "caput" do art. 2º e da alínea "a" do inciso II do "caput" do art. 3º, do projeto, que previam o abatimento de 100% (cem por cento) das multas de mora e de ofício e dos encargos legais, incluídos os honorários advocatícios aos optantes pelo PRR.
Nas razões do veto, o Presidente da República aduziu risco de “sobrelevação de custo fiscal imputado ao Tesouro Nacional, sem previsão na Lei Orçamentária para recepção do impacto, e indo de encontro ao esforço fiscal empreendido no país”. Além disso, afirmou que “as alterações legislativas propostas, incluída a dispensa das exigências de regularidade fiscal, desrespeitam os mutuários do crédito rural adimplentes com a União e com os agentes financeiros, podendo representar estímulo indevido ao risco moral.”.
Em outras palavras, os dispositivos legais vetados, segundo o Chefe do Executivo, poderiam implicar em custos fiscais sem previsão no orçamento (“pedaladas”) e que o benefício estimularia a cultura do inadimplemento.
Tais razões, entretanto, não prevaleceram conforme amplamente noticiado, vez que o Congresso Nacional, em sessão conjunta (art. 66, §4º, da CF/88) no desempenho de sua competência prevista no artigo 57, §3º, inciso IV, da CF/88, conheceu e deliberou acerca dos vetos em referência, não mantendo, assim, a cobrança das multas e dos encargos em discussão.
Cuida-se de mais um capítulo na “novela” do FUNRURAL.
Agora, é mister verificar as consequências da decisão legítima e soberana do Congresso Nacional quanto aos optantes do PRR que aderiram antes da derrubada dos vetos já que nos termos do artigo 1º, §3º, da lei 13.606/18, a adesão ao PRR implicará: I - a confissão irrevogável e irretratável dos débitos em nome do sujeito passivo, na condição de contribuinte ou sub-rogado, e por ele indicados para compor o PRR, nos termos dos arts. 389 e 395 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); II - a aceitação plena e irretratável pelo sujeito passivo, na condição de contribuinte ou de sub-rogado, das condições estabelecidas nesta Lei; III - o dever de pagar regularmente as parcelas da dívida consolidada no PRR e os débitos relativos às contribuições dos produtores rurais pessoas físicas e dos adquirentes de produção rural de que trata o art. 25 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e às contribuições dos produtores rurais pessoas jurídicas de que trata o art. 25 da Lei nº 8.870, de 15 de abril de 1994, vencidos após 30 de agosto de 2017, inscritos ou não em dívida ativa da União; e IV - o cumprimento regular das obrigações com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Em outras palavras, a adesão ao “Refis Rural” importa, em princípio, em assunção, pelo contribuinte – Produtor Rural ou sub-rogado, da condição “irrevogável e irretratável” de devedor dos débitos confessados, não podendo, por força do princípio da obrigatoriedade das convenções (pacta sunt servanda), discutir a obrigação, seja no que diz respeito à sua existência (de resto já certificada pelo Supremo Tribunal Federal – RE 718874/RS), seja no que respeito à sua extensão, ou seja, o seu quantum e aqui reside questão que poderá se tornar controvertida. Explico.
No período anterior à apreciação dos vetos, a Receita Federal do Brasil procedia à consolidação dos débitos a serem parcelados pelo contribuinte, com as multas e com os encargos, nos termos do que determina o artigo 7º, da lei 13.606/18, de forma expressa:
Art. 7º A dívida objeto do parcelamento será consolidada na data do requerimento de adesão ao PRR. – sem grifos e subscritos no original
Agora, diante do novo quadro normativo, a consolidação da dívida levará em consideração a remissão operada pelo Congresso Nacional de modo que o contribuinte que doravante aderir ao PRR terá excluídas as multas e os encargos do seu parcelamento. Mas como ficarão os contribuintes que já parcelaram a dívida consolidada com as multas e os encargos? Eles não confessaram o débito? Poderão pedir o recálculo do parcelamento com vistas a excluir as multas e os encargos?
Não tenho dúvida a respeito do direito do contribuinte ao recálculo. As quedas dos vetos, e a consequente sanção presidencial do projeto nos termos do artigo 66, §5º, da Constituição, implicam em remissão do crédito, conforme estabelece o artigo 172, caput, do Código Tributário Nacional, devendo ser procedida a revisão de ofício do lançamento tributário realizado a partir da confissão do contribuinte no momento da opção pelo PRR, na forma como dispõem os artigos 155-A c/c 144 e 149, incisos I e VIII, do Código Tributário Nacional.
Somente desta forma se prestigiará a boa-fé do contribuinte, além de evitar o enriquecimento indevido por parte do Fisco a partir de um fato inidôneo a gerar distinção entre sujeitos que se encontrem em situação jurídica – devedores do FUNRURAL em tudo semelhante, inexistindo qualquer critério de discrímen que se justifique a partir da leitura do princípio da isonomia. Em outras palavras, não é possível distinguir positivamente os contribuintes que optaram pelo parcelamento somente após a deliberação dos vetos realizada pelo Congresso Nacional.
O contrário seria permitir o enriquecimento indevido do Fisco Federal em prejuízo dos contribuintes que optaram mais cedo pelo PRR, acreditando na manutenção das regras preestabelecidas. Não que o Congresso Nacional não pudesse exercer suas prerrogativas constitucionais, mas, com o perdão da crítica, o fez, neste caso, de forma atabalhoada posto que não regulamentou as relações jurídicas decorrentes do texto legal sancionado com os vetos posteriormente derrubados.
Ao proceder desta forma, o Parlamento permite, por exemplo, ao Fisco, interpretar as normas em discussão no sentido de não realizar a revisão dos lançamentos e parcelamentos com fundamento no ato jurídico perfeito configurado a partir da confissão de dívida deduzida no momento da adesão ao PRR, naquelas condições originárias, ou seja, com multa e encargos.
Em verdade, há uma miríade de argumentos (questionáveis, é verdade) no sentido de manutenção das regras já acordadas entre o Fisco Federal e os contribuintes, possibilitando, desta forma, a gestação de gigantesco contencioso que poderia ser facilmente evitado a partir de edição de decreto legislativo regulamentador das relações decorrentes do texto inicialmente sancionado ou pela edição de lei específica acerca do importante ponto.
Ao que tudo indica, a solução mais adequada, à luz do ordenamento jurídico vigente, seria a determinação administrativa da realização de revisão de ofício dos lançamentos que fundamentaram a opção pelo PRR de forma a excluir as multas e encargos dos contribuintes que consolidaram suas dívidas com o FUNRURAL antes da deliberação do Congresso Nacional, ou melhor, antes da sanção presidencial do projeto sem os vetos, da forma como preconizada pela Constituição.
Esperemos pelo bom senso.