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Justiça de conciliação nas ações previdenciárias: uma análise crítica

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4.      Análise sobre a função do Juiz, Procurador Federal e Advogado, personagens envolvidos perante a concepção de Justiça Construída no instituto da Conciliação

Com o entendimento da conciliação aliado ao conceito de justiça, agora é preciso entender como estes influenciam nas ações previdenciárias. É de suma importância compreender que nos acordos temos concessões recíprocas a resolver o conflito, e desse modo, o cunho da conciliação é aplicar os princípios da independência, imparcialidade, autonomia de vontade tendo a informação para uma orientação adequada e por fim, uma decisão que ampare ambas as partes na satisfação da resolução da lide.

Quando foi referido o termo concessão para com as renúncias, há uma distinção entre transação, submissão e a renúncia. A transação é uma abdicação parcial dos interesses; na submissão existe uma pretensão contraria deixando de lado seu direito; e pôr fim a renúncia que possui relação com a conciliação, pois a parte abre mão do seu direito, do seu interesse, fazendo assim a resolução da lide. 

Na audiência de conciliação o juiz deve auxiliar as partes com esforço para o reconhecimento do direito reivindicado para a negociação na direção dos valores devidos. Como aduz Bruno Takahashi (2014), é inegável que todo acordo deva se basear em renúncias recíprocas. E é por justamente haver uma renúncia de seu direito que o princípio da informação é inquestionável para que se tome uma decisão coerente diante da proposta lançada em razão da proporcionalidade do objeto em discussão para não ocorrer acordos injustos e uma renegação desproporcional de direitos.

Então, passando a presenciar as audiências previdenciárias, conhecendo de sua estrutura, agregado as críticas de autores e demais aplicadores do direito, é essencial conhecer as características dessas ações, e perceber que não se trata de matérias que podem suportar uma longa duração no judiciário. A referência que se faz é para uma parte de sociedade que depende do benefício para sua subsistência sob natureza alimentar, fazendo parte do fundamento social previsto constitucionalmente, com caráter público de presunção da hipossuficiência econômica e informacional. E essa é uma das razões pelo qual está sendo discutido, visto que prepondera a aceitação dos acordos por não serem capazes de arcar com os atos da vida cotidiana em vista da demora processual.

Merece destaque o pensamento de Cappelletti e Garth sobre o exposto:

[...] embora a conciliação se destine, principalmente, a reduzir o congestionamento do judiciário, devemos certificar-nos de que os resultados representam verdadeiros êxitos, não apenas remédios para problemas do judiciário, que poderiam ter outras soluções.  (CAPPELLETTI. GARTH, 1998, p.8) 

Propõe-se uma divisão em dois planos. No primeiro será observado o polo passivo das demandas previdenciárias, o INSS, autarquia federal representada por um corpo de Procuradores Federais/AGU capacitados, e por ser um litigante habitual como supracitado, é favorecido por conhecer dos casos devido a prática no cotidiano. E em segundo plano será discuto o desinteresse da própria parte e do pouco empenho dos personagens judiciários em busca das audiências de conciliação para solucionar os litígios, tendo por consequência, o prolongamento do processo. 

No que se refere ao primeiro questionamento como ensina o Manual da Conciliação da Procuradoria-Geral Federal, é na audiência de conciliação o momento oportuno para a propositura do acordo por ser a ocasião para a realização dos atos de instrução, depoimentos, e demais elementos necessários. E sem dúvidas, por ser um litigante habitual, possui experiência para conhecer dos casos e propor acordos. O manual nada mais é do que um guia, um dirigente de condutas, orientando o respeito aos limites em busca de uma forma mais célere, reconhecendo os direitos e contribuindo para com o Estado.

São numerosas as vantagens da conciliação. Ela permite a satisfação mais veloz do direito das partes; evita a exaltação dos ânimos entre elas; é um fator de economia, visto que ameniza, para as partes, as despesas do curso normal de um processo; e permite o melhor funcionamento do Poder Judiciário, evitando o acúmulo de questões que poderiam ser resolvidas pela própria Administração Pública (Manual de Conciliação da Procuradoria Geral Federal, 2013, p. 07)

Muitos posicionamentos foram apontados quando o assunto a ser aludido era o INSS no polo passivo das demandas. Isso porque é fato que este possui benefícios de sua experiência por ocupar a primeira posição entre os maiores litigantes, o que proporciona um maior conhecimento e facilidade em conhecer dos casos tanto em sua forma material como processual.

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Com essa habilidade em dominar a realidade dos benefícios ali indeferidos administrativamente, como por exemplo, saber das provas necessárias, da carência, entre outros requisitos administrativos que o INSS utiliza, não deixa de ser uma prática para um maior planejamento de propostas, até por conhecer dos pedidos que são deferidos ou indeferidos pelo Juiz.

A experiência demonstra que a composição em audiência acaba sendo mais proveitosa e persuasiva, pois permite o convencimento direto da parte interessada, dirimindo-se diretamente eventuais dúvidas. Todavia, a celebração do acordo pode ser realizada em qualquer momento processual, não sendo essencial a realização de audiência. (Manual de Conciliação da Procuradoria Geral Federal, 2013, p. 10) 

Quanto à questão de conhecer os benefícios, lembra-se o acesso às informações que os Procuradores Federais possuem em função do seu cargo e das suas prorrogativas, tendo normatização conforme Portaria PGF nº 915, de 2009, e os requisitos materiais na Portaria AGU nº 109, de 2007.

Os poderes do Procurador Federal para a celebração de acordos são regulados por normas da Advocacia-Geral da União e outras específicas relativas às diversas instituições representadas, fator que aumenta a gama de possibilidades no âmbito da Procuradoria-Geral Federal. (Manual de Conciliação da Procuradoria Geral Federal, 2013, p. 13) 

E desta forma, representando o INSS, eles oferecem acordos tendo como base o princípio do interesse público, prevalecendo o interesse coletivo sobre o individual, com ressalva em analisar as particularidades de cada caso, resgatando a valor da justiça.

Contudo, é percebido que a reciprocidade de concessões não alcançam a forma estabelecida devido à incerteza sobre o direito material por uma das partes do processo, e a convenção se torna inviável por parte do litigante habitual, que responsável pela previdência social ofertam acordos em que já se pressupõe deferimento do pedido, com ínfimas chances de êxito e a conciliação vem a reduzir parcelas em atraso, pagamentos a menor custo, diminuição dos honorários sucumbências, a não efetivação de juros, entre outros.

Fato é que as conciliações buscam acordos e têm por meta através do judiciário incentivar que as próprias partes resolvam seus litígios, contudo, esse apoio tem bom base fundamental respeitar os princípios constitucionais, não prejudicando um e beneficiando outro. Reforça-se mais uma vez, que os acordos são indispensáveis para a tentativa em prol da celeridade, das relações, sob forma clara e objetiva, sem coação das partes em aceitar ou não, possuindo liberdade em discordar e continuar judicialmente, mas não aceita-se sem questionar a via conciliatória sob cunho apenas a reduzir gastos.

Por finalizar a linha de raciocínio, o segundo questionamento faz indagar sobre o termo “desinteresse”, não por mero descaso da parte em conhecer dos seus direitos, e sim da carência em informações, na qual fora citado o INSS como litigante habitual, e neste momento é referido um litigante eventual, fortuito, algo que depende das circunstâncias; e para com as partes que procuram o judiciário em alcance dos benefícios previdenciários, sabe-se que esses não possuem as mesmas habilidades em conhecer das normas, e dos seus direitos, o que por isso são representados através dos advogados.

Por maioria dos casos, as partes ativas das demandas não possui capacidade jurídica para diferenciar seus reais direitos das propostas lançadas, e que por vezes o sucesso da realização dos acordos depende da atuação do Procurador, e mais uma vez é visível a discrepância no nível de conhecimento na área entre parte e réu, e por circunstância, acabam cedendo as condições lançadas por não possuir estrutura em arcar com o tempo das fases processuais do benefício em pauta, e acordam, mesmo que o valor seja inferior em comparação com o benefício integral.

Se entendido o concreto papel dos meios de solução de controvérsias, percebido será que as críticas propostas por muitos autores e operados do direito possuem uma visão equivocada, mas não totalmente dispensada. O correto seria uma análise das situações com efetiva atuação do conciliador, seja ele terceiro capacitado, ou o juiz, ou até a figura do advogado, em orientar a parte para as consequências da renúncia deixando-a ciente dos atos consentidos para que ela tenha plena capacidade de entender o que fora acordado, relutando contra uma coação ou simplesmente pura necessidade.

Diante disso, é imprescindível para o estudo do previdenciário o entendimento da função do conciliador juntamente com a importância do Advogado, do Juiz e do Procurador Federal em contribuição com o instituto conciliatório de forma clara, segura, justa e proporcional com ambas as partes na situação do caso concreto. E cabe explicar que ao tratar do caso individual não acarretará em maior morosidade, pois a proposta tem por cunho tratar das particulares de cada ação para uma proposta adequada. Logo, se esta for aceita, tem-se a resolução da lide sem adentrar ao judiciário, e por fim, auxiliará na celeridade das demandas por aceitar os acordos.

Faz-se neste momento alusão aos dados estatísticos da Justiça Especial Federal, avultando a ausência das audiências, e instigando somente o impulso do processo apenas com a citação para contestar nos autos. Fato é, para menor descumprimento da orientação normativa, uma representação de juízes tendem a selecionar certa quantidade de processos, estes com possibilidade de êxito. Mesmo que esta seleção seja defendida por alguns estudiosos cuja finalidade seria evitar o desgaste processual, esta análise na escolha é algo a ser relevado e discutido, principalmente quanto ao segurado, evitando o subjetivismo na escolha pelo juiz. Se existe possibilidade em acordo, este deve ser incentivado, e não sendo possível, aplica-se as medidas cabíveis.

Como aduz o artigo 27 da Lei 9.099/95, não havendo conciliação, tem-se a realização da audiência de instrução e julgamento. Em caso de ausência do autor na audiência prévia de conciliação no JEF, será causa de extinção do processo como prevê o art. 51, I, da lei citada. E sendo o caso de julgamento liminar, não há fundamento na designação da audiência conciliatória, porque o caso é de improcedência do pedido.  

Espera-se para isso que os personagens jurídicos se esforcem na democratização do papel do judiciário, percebendo que estes possuem uma interligação, pois a soma de todos formam um único corpo, o Judiciário, que tem como escopo a proteção e representação do indivíduo perante seus direitos e deveres estabelecidos constitucionalmente.

Assim, a começar pelo Advogado diante da nova perspectiva do direito moderno com aplicabilidade nos meios consensuais, sua atuação passa a ser discutida com o objetivo de reforçar que sua por função tem como escopo defender e preservar o direito pela sociedade, e não visar apenas as custas e honorários a desmerecer a realidade daquele beneficiário que carece de atenção de recursos financeiros para praticar os atos da vida cotidiana.

Não é por menos que se vem discutindo o papel do advogado como negociador e não mais apenas como aquele que vai defender os interesses de uma pessoa em juízo. Mesmo porque o advogado já percebeu que não adianta mais ter apenas o conhecimento técnico jurídico para exercer a profissão, pois vais exigir dele conhecimento em outras áreas afins. (BRANDÃO, ANO 2012) 

Cabe mensurar que o Estatuto da Advocacia, conforme Lei N° 8.906/94 reforça a missão e atividade do advogado:

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público. (Grifou-se) 

Aliado ao Procurador Federal merece destaque uma de suas funções que será a representação judicial das autarquias, como é o caso do INSS. Perante a Lei n°13.327/2016 no artigo 37° que apresenta as atribuições do cargo, vale destacar a participação em audiências proferindo sustentação oral, a promoção de análises de precatórios e requisições de pequeno valor, a utilização dos sistemas existentes de informações sobre sua produção jurídica, e por fim, destaca-se a incumbência de propor e celebrar acordos nas hipóteses previstas em lei.

Por fim, é citado a figura do Juiz, este imparcial, sendo ativo na instrução do processo, cooperando para a paz social e manutenção da ordem jurídica. O Processo Civil que evidencia:

Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

II - velar pela duração razoável do processo;

III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;

IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; (Grifou-se) 

Com realce nesse artigo dois incisos evidenciam mais uma vez a função de cooperação dos personagens, na qual o juiz deve incentivar a conciliação, não apenas no primeiro momento da audiência, mas para depois das produções de prova, mostrando que o acordo é incentivado, pois tem-se a busca da judicialização através da autocomposição, contribuindo com as demandas, e mais ainda, a satisfação de ambas as partes, visto que a responsabilidade pela condução das audiências de conciliação possui uma porcentagem de 42,1% segundo pesquisa do Conselho da Justiça Federal para os juízes como conciliadores.

O Código Civil expõe o entendimento supracitado:

Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

[...]

§ 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (Grifou-se)

Cabe ainda salientar a quantidade excessiva de pleitos com metas a serem cumpridas, que por vezes não condiz com as funções expostas, por demandar ausência de tempo para realizar as suas atividades sob o princípio da duração razoável do processo, que visa sua forma célere e prestação jurisdicional, omitindo-se de sua função firmada no código de processo civil. Alude-se novamente a ideia do conciliador nesse momento para a figura do juiz que vedará qualquer forma de constrangimento, orientando para a composição da lide.

Urge a indispensabilidade do diálogo entre os personagens quanto a designação da audiência, com vista nos prazos a favorecer a análise técnica diante das particularidades de cada processo, e aplicação em demandas que tenham mesmo pedido com idêntico tratamento.

Aprecia-se o dito na exposição de todos os elementos informativos com o reforço do lado ético profissional e a busca da igualdade, concomitante com a seriedade nas propostas de acordo, analisando cada caso reconhecendo seus direitos, sendo um deles o acesso ao processo justo de forma a garantir uma prestação jurisdicional adequada, como assim a Carta Magna estabelece através dos seus princípios como o devido processo legal, razoável duração do processo, e a inafastabilidade da apreciação jurisdicional como previsto acima, e não simplesmente propor algo comum em relação aos pleitos repetitivos, ignorando que cada caso possui sua especialidade. Bem como nos diz Miguel Reale, não há nada pior que a injustiça célere.  

Sobre os autores
Vinicius Pinheiro Marques

Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Vinicius Pinheiro; TEIXEIRA, Rayanne Silva Barbosa. Justiça de conciliação nas ações previdenciárias: uma análise crítica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5425, 9 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65921. Acesso em: 8 nov. 2024.

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