RESUMO
O presente trabalho tem o condão de traçar reflexões correlatas a educação e à promoção e garantia dos Direitos Humanos em uma sociedade, por vezes, intolerante. A Secretaria de Direitos Humanos brasileira elaborou o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos na busca pela construção de uma cultura voltada para a sua práxis. Objetivou-se neste estudo, delinear o papel da educação dialógica e problematizadora, buscando no processo de ensino-aprendizagem um ensino que vá além do currículo tradicional, empoderando o estudante enquanto cidadão, ciente de seus direitos e deveres, bem como seu papel em sociedade. A educação problematizadora, em virtude de seu caráter político, permite o compromisso com o estudo e a prática dos Direitos Humanos. Demonstra-se, assim, a relevância do diálogo entre educador e educando, desenvolvido de forma autêntica resultando na construção do saber.
Palavras-chave: Direitos humanos; Educação; Democracia.
1 INTRODUÇÃO
Buscar uma reflexão acerca do educar-se em e para os Direitos Humanos é o norte deste estudo. Ao conhecer o Direito, o indivíduo se empodera. Ele torna-se cidadão, ciente de seus direitos e deveres. Deste modo, importante trazer à luz os Direitos Humanos posto que entrelaçados à moral e a dignidade da pessoa humana, intrínsecos ao homem e suas relações sociais.
Os Direitos Humanos têm como objetivo o bem comum e a paz social, sendo essenciais ao Estado Democrático de Direito. Buscando o reconhecimento dos direitos do homem por meio da educação, Paulo Freire construiu sua teoria, fundada na liberdade por intermédio da educação. Assim, a educação é compreendida como a “prática de liberdade”. Sob uma visão inicial, pode-se ter a relação direta entre educação e Direitos Humanos, posto que prescindam à sociedade, à garantia do bem-estar social e à multiculturalidade.
A partir deste viés propõe-se como objetivo a este trabalho revelar a indissociabilidade entre Direitos Humanos e educação, consubstanciado nas práticas pedagógicas voltadas à cidadania, democracia e paz social, nos diferentes níveis de educação, com o fim de promover-se uma sociedade mais justa e democrática.
Para tal, o método de abordagem que apoia este artigo é o dedutivo, em sendo sua premissa maior a educação enquanto inerente aos Direitos Humanos como pressuposição para a construção da cultura para a tolerância e a paz (premissa menor). Nota-se que, outrossim, foram utilizadas como técnicas de pesquisa, a pesquisa bibliográfica, a categoria e o conceito operacional (PASOLD, 2011, p. 205-207).
A discussão dos Direitos Humanos sob o contexto educacional é de grande relevância frente seu potencial formativo. Tem-se, portanto, a educação em e para os Direitos Humanos um instrumento para a construção de uma cultura de tolerância e paz. As práticas pedagógicas devem estar voltadas para o desenvolvimento da socioeducação, buscando na vivência e na prática dos Direitos Humanos, em espaço democrático de interação no ambiente escolar, a experiência para a formação de cidadãos.
Aborda-se, neste trabalho a escola enquanto espaço de interação, bem como a promoção da democracia em seu ambiente. De igual sorte, aborda-se os Direitos Humanos em uma escola cidadã, enfatizando o Direito Humano à educação e a sua construção cultural, desafios e práticas pedagógicas frente o norte da socioeducação.
A educação em Direitos Humanos nos diferentes anos do ensino é um dos grandes desafios na produção o conhecimento. Por não ser um tema que faça parte do currículo escolar, por vezes é trabalhado de forma superficial e sem a devida contextualização. Todavia, é essencial para que os estudantes tomem consciência do processo de mudanças socioculturais no qual estão inseridos, e o seu papel enquanto cidadão com poder para construir uma sociedade mais harmônica e justa.
2 ESCOLA: ESPAÇO DE INTERAÇÃO
A escola é o primeiro lugar no qual o indivíduo se depara com representações sociais. É a partir dela que são formadas as relações interpessoais, com a interação entre todos os agentes escolares aos quais o estudante é apresentado, sob uma visão transformadora, colocando-o ciente de seu papel crítico e criativo em sociedade.
Neste sentido, apresenta-se o entendimento de Gadotti (2007, p. 12) ao referir que “a escola não é só um lugar para estudar, mas para se encontrar, conversar, confrontar-se com o outro, discutir, fazer política”. A escola vai além de seus muros, posto que não se trate de um espaço físico, mas da onde se produza o conhecimento e se desenvolva as relações sociais.
As primeiras práticas dos conceitos para a convivência em sociedade são vivenciados na escola. “Ela é, ao mesmo tempo, fator e produto da sociedade” (GADOTTI, 2007, p. 12). A participação da família no processo de ensino-aprendizagem traz a comunidade à produção do conhecimento e valores para a convivência social. Nota-se que
os conteúdos de aula já prontos, estampados em manuais esque¬matizados, aniquilam os sentidos, marginalizam as sensações e criam dis¬tanciamentos entre a teoria debatida em sala de aula com a realidade exis¬tente por meio dos muros escolares. Percebe-se que o mundo do Direito se distancia, mais e mais, do mundo real e o despreza porque esse não é o local legítimo, nem racional, para se promover as desejáveis mudanças na dimensão humana. É necessário ultrapassar a concepção de que o aluno possui em seu intelecto um espaço vazio, o qual precisa ser moldado pelo docente com conteúdos prontos necessários ao aprendizado específico de uma disciplina, pois o que se espera é a constante ressignificação e desenvol¬vimento de novos conhecimentos diante das realidades vivenciadas pelos acadêmicos (AQUINO; DANIELI, 2016, p. 9-10).
É necessário que a escola não veja o “a-luno” como um ser sem luz, como um espaço vazio, uma esponja disposta a absorver conhecimento, mas que o enxergue em sua dimensão humana, repleto de sensações e saberes cuja interação, mediada pelo professor promove o conhecimento. Assim, além do ensino científico, é necessário se trabalhar o direito de forma empírica, colocando o estudante diante do Direito e frente à realidade na qual se insere.
Neste norte, ressalta-se que o desenvolvimento cognitivo da criança é acompanhado do desenvolvimento de valores morais e éticos, que nos levam à essência dos Direitos Humanos, posto que a moralidade seja o seu núcleo e “não pode ter sua validade condicionada a qualquer tipo de experiência histórica” (LUCAS, 2010, p. 43).
As vivências no Direito não devem ser forçadas, uma vez que “a moral é o mundo da conduta espontânea” (BETIOLI, 1995, p.55). A moral é bilateral e subjetiva, partindo de cada pessoa visando o bem e a paz social. Ela é fruto de uma construção diuturna, desde a mais tenra idade.
Importa destacar que “não somos seres determinados, mas, como seres inconclusos, inacabados e incompletos, somos seres condicionados” (GADOTTI, 2007, p. 12). Enquanto seres imperfeitos nos completamos com base em nossas experiências, no ambiente no qual estamos inseridos, na construção moral e de aprendizagem que se desenvolve no ambiente ao qual pertencemos. Todos estes condicionantes são relevantes para a formação do indivíduo.
Neste contexto tem-se a importância do professor enquanto problematizador. Ou seja, um mediador entre o conhecimento e as condicionantes sociais para a promoção do processo de ensino-aprendizagem. Trabalhar colaborativamente com todos os agentes educacionais, estando aberto a novas aprendizagens, práticas e saberes é fundamental para uma “sociedade aprendente”, na qual se busca trazer além do saber científico, o conhecimento empírico.
Professor e aluno estão em constante aprendizagem, uma vez que, segundo Paulo Freire “[...] esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago [...] para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (FREIRE, 1997, p.32). Esta sociedade em constante evolução é um ambiente de permanente busca e aprendizado. A partir dela deve-se buscar uma educação problematizadora e conscientizadora, promovendo o diálogo com base nas experiências do estudante. Educar é promover um processo de compreensão, realização e construção da vida do estudante e do seu bem conviver em sociedade.
2.1 DEMOCRACIA EM AMBIENTE ESCOLAR
Uma educação democrática é aquela que expande o conceito de cidadania. A instituição de ensino deve ser uma “escola para todos como forma de, mesmo com as limitações imposta pela formação social brasileira (onde a ciência era incipiente e o mundo rural ainda predominante), manter firme o ideal de democratização” (SILVA, 2018, p. 7).
A pseudo universalização ao acesso à escola não é uma democratização à educação, tampouco a segurança de uma educação para a cidadania. Educar para a democracia cidadã exige, além do convívio social e político, uma formação ética significante. Tanto instituições quanto profissionais do ensino-educação devem estar preparados para trabalhar a sociedade moderna e democrática proporcionando “um conjunto de experiências capazes de contribuir para a reconstrução e ampliação do conhecimento” (SILVA, 2018, p. 8). Importa frisar, neste ínterim que
a crise moderna de democracia não é uma crise de excesso de democracia, mas de falta de democracia. A crise de individualismo não é uma crise de excesso de individualismo, mas falta de verdadeiro individualismo. Tudo que a democracia prometera falhou, porque as instituições com que o buscamos realizar não eram aptas a consegui-lo. Prometeram-nos a valorização indivíduo e sua participação inteligente no governo e na direção de sua vida econômica. E que lhe deram? Uma organização política que suprime o indivíduo, manobrando, por intermédio do sufrágio universal, por grandes forças obscuras e invisíveis. Uma organização social em que o trabalho é distribuído e valorizado por alguns que o possuem e o dão, nas condições em que quiserem. Tal regime não é mau porque democrático, justamente porque não o é. Tal regime não é mau porque individualista, justamente porque não o é. A reconstrução social moderna visa reivindicar os aspectos democráticos e individuais que se impõem para uma sociedade justa e equilibrada (TEIXEIRA, 1997, p. 234-235).
Inobstante, a democracia em ambiente escolar não se confunde com a democratização no ensino. Ao trabalhar-se o Direito em ambiente escolar, busca-se um plano pedagógico que inclua diferentes vieses da democracia. Deste modo, a instrução do estudante acerca de seus Direitos os torna cidadãos de si próprios, facilitando aos indivíduos uma inserção social mais ciente de seu papel, uma vez que detenha conhecimento sobre seus direitos e deveres (BENEVIDES, 1996, p. 228).
Rousseau já nos ensinava que “a pátria não subsiste sem liberdade, nem a liberdade sem a virtude, nem a virtude sem os cidadãos [...] ora, formar cidadãos não é questão de dias, e para tê-los adultos é preciso educa-los desde crianças” (ROUSSEAU apud BENEVIDES, 1996, p. 235).
A produção do conhecimento sob a ótica dos Direitos Humanos vem a libertar os cidadãos da escuridão em que habitam, porquanto o saber lhes traz luz acerca da democracia, direitos e sociedade. A reflexão sobre os Direitos Humanos busca a construção da tolerância e da paz, visando “o fortalecimento do ser humano, individual e coletivamente – o que inclui, [...] a capacidade de se indignar e de resistir contra injustiças” (FISCHMANN, 2001, p. 74).
A capacidade de se colocar no lugar do outro trazendo um envolvimento cognitivo com o tema deve ser incentivada para que a construção da relação entre direitos humanos e paz. Ao estudar a essência dos Direitos Humanos o estudante toma consciência da importância de seu papel enquanto cidadão atuante em e para uma sociedade igualitária e humanista. Nota-se que "o 'empoderamento' do sujeito de direitos e a formação cidadã são eixos estratégicos da educação em Direitos Humanos como forma orientadora de atores individuais e coletivos" (PELLEGRINELLI, 2017, p. 59).
Ademais, a construção de uma ordem justa, que sobreponha a paz a períodos de violência, “deve-se ao fato de que sua efetiva construção depende de uma inovadora opção da humanidade pela solidariedade, pela democracia e pela paz” (BEDIN, 2001, p. 365).
2.2 SOCIOEDUCAÇÃO
O viés da socioeducação é trazer ao ambiente educativo aspectos sociais, histórico-culturais propondo-se uma mediação social. Trata-se de um instrumento que desenvolve a autonomia dos sujeitos, sensibilizando-os e os dando consciência de suas necessidades sociais. Sendo assim, “a educação social, para além de solucionar determinados problemas de convivência, tem uma função não menos importante, que é a de ser um instrumento igualitário e de melhoria da vida social e pessoal” (SORIANO DÍAZ, 2009, p. 103).
A educação social, com o trabalho dos Direitos Humanos no processo educativo tem o condão de quebrar paradigmas e promover um maior envolvimento de cada estudante junto à sociedade civil. Uma educação transformadora não infuencia, mas de forma multidisciplinar, demonstra a relação entre política social e educação social, sem que uma exerça controle sobre a outra, tampouco sobre o plano político pedagógico e princípios pedagógicos adotados pela instituição de ensino. “A educação social alcançará o seu verdadeiro espaço quando conseguir melhorar a convivência entre os cidadãos. [...] o trabalho socioeducativo é uma actividade que surge da própria necessidade da vida em convivência [...]” (SORIANO DÍAS, 2009, p. 101).
A socioeducação pressupõe um olhar que traga além do conhecimento científico, práticas que favoreçam o trabalho e a inserção do estudante em sociedade. Conhecer os seus direitos forma o estudante enquanto cidadão, um ser social que experimenta na prática os conceitos a ele ensinados. Ademais,
a Pedagogia Social e a Educação Social estão situadas num ponto onde confluem o educativo e o social, e as suas origens e desenvolvimento histórico só podem compreender-se a partir desta perspectiva. Na sua configuração, as necessidades práticas sempre apontaram o caminho da reflexão teórica, o que marcou a identidade da pedagogia social como disciplina científica e da educação social como espaço de intervenção prática [...]não há uma forma unívoca de entender a educação social, mas sim diversas concepções de acordo com espaços e momentos (SORIANO DÍAZ, 2009, p. 91).
Foi a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente que o conceito de socioeducação nasceu. A socioeducação “não é uma ciência e nem se enseje que se torne uma, mas é necessário que tenhamos conhecimento construído na área para balizar as práticas profissionais” (SILVA, 2017, p. 49). Seu principal objetivo foi, por intermédio do Direito, preparar o estudante para as oportunidades e convívio social. Tem-se, portanto, a contextualização das relações interpessoais voltadas ao universo jurídico, expondo as implicações jurídicas de diferentes condutas.
3 DIREITOS HUMANOS EM UMA ESCOLA CIDADÃ
Para uma educação democrática é necessário que se compreenda a escola como um projeto multidisciplinar. Se faz necessária a construção de um projeto pedagógico com a participação comunitária, onde o respeito aos direitos humanos olhem o estudante como “um ser da intervenção no mundo [...] e por isso mesmo deve deixar suas marcas de sujeito e não pegadas de puro objeto” (FREIRE, 2000, p.119).
Uma escola cidadã é aquela que “ao pensar o seu projeto e o seu currículo, trabalhe antes de tudo as relações pessoais e interpessoais entre os sujeitos [...] que, desta maneira, constrói e reconstrói, processualmente, a sua própria autonomia, jamais doada” (PADILHA, 2008, p. 32). Trata-se, destarte, não somente de um local de saberes onde se promove a produção do conhecimento, mas onde se dá importância à participação de todos os agentes educacionais no processo de ensino-aprendizagem. A comunidade toma um papel primordial posto que educandos e educadores promovam o conhecimento pela interação entre si, de forma coerente vivendo a experiência diuturna da democracia em um ambiente no qual se estimule elevados padrões morais e éticos.
Tem-se que a “educação à qual nos referimos, da escola para a comunidade e da comunidade para a escola [...]que cria um movimento de valorização da pessoa em sua plenitude” (PADILHA, 2008, p. 33). Os direitos humanos são indissociáveis à uma educação participativa e voltada à democracia em todos os segmentos escolares. Este processo de ensino-aprendizagem visa, além de formar alunos, conceber sujeitos capazes de “construir os instrumentos da sua própria auto-avaliação” (PADILHA, 2008, p. 32).
3.1 O DIREITO HUMANO À EDUCAÇÃO
A educação é um dos direitos humanos, sendo seu acesso determinado livremente por cada país, conforme seu plano nacional. “O direito à educação ou direito à instrução, como fora mais conhecido, a exemplo do direito à assistência social, é um direito que foi garantido ainda no decorrer do século XVIII” (BEDIN, 2002, p. 71).
O fortalecimento social perpassa pela instrução dos cidadãos. Educar em Direitos Humanos pressupõe despertar as pessoas para seus direitos. A garantia à educação é trazida em diferentes diplomas legais, sempre composta por três princípios: “a educação laica e democrática, artigo 3º, I; a educação primária será obrigatória, artigo 3º, VI,; e a educação pública será gratuita, artigo 3º, VII” (BEDIN, 2002, p. 71).
A Carta Magna brasileira em seu artigo 205 traz o direito à educação, referindo ser “direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2018, p. 1).
Em seu artigo 206, a Constituição Federal traz as condições nas quais será ministrado o ensino. Quanto ao ensino de Direitos Humanos, em 2006 o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos a vislumbrou como “um processo sistemático e multidimensional, orientando a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões” (BRASIL, 2007, p. 17).
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos visa formar cidadãos ativos, estabelecendo uma sociedade mais democrática, justa e equitativa. Para tal, tem-se a importância do espaço escolar enquanto um local de formação, de produção do conhecimento e de consolidação da personalidade e percepção de mundo do estudante. Sendo assim, “[...] universo da educação o espaço-tempo privilegiado para formar e consolidar os princípios, os valores e as atitudes capazes de transformar cada ser humano, no humano que queremos ver respeitado em todas as dimensões da vida” (BRASIL, 2007, p.11).
3.2 DIREITOS HUMANOS: A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA
Cada sociedade possui características histórico-culturais distintas e a ideia de direitos humanos está a elas diretamente relacionada. A pluralidade de culturas produz seus próprios valores, o que nos leva à necessidade de vislumbrar os direitos humanos sob uma ótica multicultural. Sendo assim, os Direitos Humanos "[...] são indubitavelmente um tema global, portanto, há que se criar espaços para o diálogo intercultural, a fim de se estreitar o vínculo de valores entre toda a humanidade e, dessa forma, alcançar a universalidade" (PELLEGRINI, 2017, p. 32).
É primordial que se trabalhe os direitos em direta relação à cidadania (HABERMAS, 1002, p. 158) por intermédio de uma educação problematizadora que se propõe “procedimentos da formação discursiva da opinião e da vontade” (HABERMAS, 1992, p. 168) com o condão de formar-se e vivenciar-se as expressões do universo jurídico. Destaca-se o ensinamento de Canotilho (1993, p. 517) ao explicar que
[...] que as expressões direitos humanos e direitos fundamentais são frequentemente usadas como sinônimas. Mas, segundo sua origem e o respectivo significado, podem ser diferenciadas pelo fato dos direitos humanos serem direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista), enquanto os direitos fundamentais são os direitos do homem, 'jurídico-institucionalmente' garantidos e limitados 'espaço-temporalmente (CANOTILHO, 1993, p.517).
Assim, em sendo o ser humano um sujeito inacabado e histórico (FREIRE, 1997, p. 55), são necessários os pressupostos de educação e liberdade para a construção da humanização do indivíduo. Importante, neste contexto, trabalhar o humano de forma ampla e universal buscando um norte à inconclusão humana, tornando o indivíduo consciente de seu inacabamento e, por meio dele, buscar o conhecimento (FREIRE, 1997, p. 55).
Educar para a liberdade é o cerne da educação em e para os Direitos Humanos (FREIRE, 1997, p. 55-56). Para tal, é necessário que se promovam práticas educacionais que caminhem para a contextualização dos direitos compreendendo o homem enquanto sujeito, uma vez que “todos os homens são titulares destes direitos inalienáveis” (BOBBIO, 2004, p. 17). Importa frisar que
os direitos humanos, na posição de universais não homogeneizadores, precisam justamente reconhecer a existência de uma moralidade que impõe reciprocidade de comportamentos a todos os indivíduos e instituições como condição de possibilidade para serem freadas as diferenças que conduzem à desigualdade excludente ou, mesmo, à homogeneização que inviabiliza o aparecimento das diferenças comuns à humanidade do homem (LUCAS, 2010, p. 61).
A educação tem um compromisso com a sociedade promovendo-a de forma igualitária, com respeito às diferenças do indivíduo. “A liberdade é concebida como horizonte final do destino do homem, mas por isto mesmo só pode ter sentido na história que os homens vivem” (FREIRE, 1982, p. 7).
Apenas através de uma educação orientada aos Direitos Humanos, pode-se buscar uma sociedade pluralista onde todos os homens sejam iguais em suas diferenças (SOUZA, 2018, p. 1). “Afastar a diferença, portanto, é ao mesmo tempo que negar as possibilidades de o entendimento humano tratar daquilo que, por sua moralidade, pode ser universalizado” (LUCAS, 2010, p. 61).
Educar para e em direitos humanos é educar para a humanidade, interligando-se a educação ao princípio da dignidade da pessoa humana (SOUZA, 2018, p. 1). Ao conhecer os fundamentos do direito o cidadão se compromete com a justiça social, posto que se torne ciente de sua responsabilidade com a humanização. Torna-se, assim, responsável pela construção do saber no mundo reafirmando sua natureza crítica para assegurar que “[...] a violação dos diretos de um homem era a violação dos direitos de todos os homens [...]”. (ARENDT, 2012, p. 167).
O compromisso com a educação é, também o compromisso com a transformação social para uma realidade mais democrática. “[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas [...]” (BOBBIO, 2004, p.25). A educação precisa despertar no âmago dos sujeitos a força para que suas atitudes e competências promovam, garantam e protejam seus direitos.
3.3 A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA DE PAZ E DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PARA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
Ao propor a construção de educação em Direitos Humanos com a cultura para a paz, deve-se ter a importância da postura dialógica dos agentes educacionais e de como se dá o processo de construção do conhecimento e cidadania em ambientes educacionais. Nota-se que “[...] ação e reflexão, de tal forma solidárias, em uma interação tão radical que, sacrificada, ainda que em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis [...]” (FREIRE, 2015, p. 77).
A prática crítico-problematizadora é fundamental para a educação voltada aos direitos humanos. A construção de saberes deve se dar com a prática, estando o professor como mediador desta construção. “Por isso, precisamos de práticas pedagógicas inovadoras para atuar diante de currículos formais rígidos, padronizados e “programados”, [...] A EDH com suas práticas pedagógicas devem ir além do liberalismo” (SILVA, 2017, p. 45). A educação em Direitos Humanos deve ter como base valores éticos e morais e sobrepor-se à conformidade e a um modelo preestabelecido que subjuga o estudante àquele que recebe conhecimento e não o produz de forma científica e empírica. É necessário que
se busque articular, no âmbito das políticas educativas e das práticas pedagógicas, o reconhecimento/valorização de nossa diversidade cultural, destacando a educação como um direito de todos e todas, em todos os níveis. O reconhecimento de incompletudes mútuas é condição importante para a efetivação do diálogo intercultural, que nada mais é do que uma negociação em aberto, um processo político. Progride pela via de conflitos e consensos, de forma reflexiva. Não basta a retórica (FEITOSA, 2007, p.285).
Deste modo, tem-se a importância da criação de práticas pedagógicas com o objetivo de apresentar aos estudantes uma visão cultural voltada à solidariedade, à cidadania e à paz. É necessário que se instigue uma maturidade cultural para repensar os sentidos e as dimensões dos saberes. É necessário que saiamos da zona de conforto para a busca de uma práxis voltada aos Direitos Humanos recuperando “a consciência do outro, em tempos em que o individualismo se tornou uma marca histórica, é tarefa suficientemente desafiadora para as práticas pedagógicas vigentes” (BITTAR, 2007, p. 327).
A prática pedagógica voltada aos Direitos Humanos e a uma cultura de paz deve ser natural e coletiva, buscando o diálogo e a inter-relação dos sujeitos numa reflexão crítica. Assim, “a tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado” (FREIRE, 1997, p. 38).
CONCLUSÃO
A educação para e em Direitos Humanos é uma produção de saberes socialmente relevante. Deve haver um compromisso entre professores e estudantes para que, por meio de práticas educativas o indivíduo tome consciência de si enquanto “ser-no-mundo”, como ensinava Paulo Freire. Conhecer-se no mundo fomenta a construção se cidadãos empoderados de si mesmos, críticos e atuantes.
Pensar a educação voltada aos Direitos Humanos, nos diferentes níveis educacionais, quer seja ensino fundamental ou médio, por exemplo, prescinde da consolidação de uma prática sócio-político-democrática. Nela, não se tem o condão de trabalhar a institucionalidade democrática formal, mas as diferentes relações plurais sociais existentes e o papel do indivíduo nelas.
É necessário trazer o humano à educação. Para trabalhar-se Direitos Humanos tem-se a necessidade de significar a educação e o direito, indo além do engessamento de determinados procedimentos pedagógicos. A pedagogia pode ser libertadora quando se fala em uma educação voltada aos Direitos Humanos. Porém, o profissional do ensino deve estar preparado para trabalhar no espaço institucional a prática de liberdade e cidadania, bem como suas implicações de forma multidisciplinar, articulado com diferentes matérias e disciplinas ministradas na instituição de ensino.
É prerrogativa constitucional o direito à educação, bem como responsabilidade do Estado em suprir as necessidades à sua concretização. Entretanto, é papel fundamental dos agentes educacionais adotarem uma postura dialógica que permita relações de intersubjetividade de forma a haver uma eficiente mediação de saberes.
Educação e Direitos Humanos são indissociáveis. É a formação educacional que torna um indivíduo ciente de seus direitos e deveres, bem como de seu papel em sociedade. Há uma íntima ligação entre cidadania, democracia e paz, com os Direitos Humanos. Trazer esta discussão ao ambiente escolar é apresentar ao estudante concepções de igualdade, respeito e tolerância, questões basilares ao princípio da dignidade da pessoa humana e, de forma mais ampla, aos Direitos Humanos.
O currículo escolar ainda não se volta aos direitos humanos. Suas lições não são obrigatórias nas escolas. O trabalho desta disciplina poderia amenizar uma crise de valores éticos e morais que se vislumbra em parte da sociedade. Não obstante, para que haja uma educação para os Direitos Humanos é necessária formação de profissionais do ensino enquanto socioeducadores, a fim de promoverem uma educação humanizada, compreendendo que a igualdade está nas diferenças e intersubjetividades do indivíduo.
Portanto, pensar em direitos humanos e educação é buscar a completude do ser inacabado de Paulo Freire. É, assumir um compromisso com a postura frente a sociedade para que a educação leve os sujeitos envolvidos a transformar sua realidade. A educação precisa despertar o cidadão que está em cada estudante para que contribuam no exercício de suas competências para a garantia e promoção dos Direitos Humanos.
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