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Nepotismo e dispensa de servidora pública grávida

Agenda 21/05/2018 às 14:08

Trata-se de texto que analisa, à luz da jurisprudência do TJSC, as possíveis repercussões financeiras decorrentes da exoneração de servidora pública grávida em função de sua admissão ter-se feito ao arrepio da SV n. 13 sobre nepotismo.

Sabe-se que a empregada gestante é protegida da dispensa arbitrária, desde a confirmação da gravidez até o quinto mês após o parto (ADCT, art. 10, II, b). Trata-se de regra concebida pelo legislador constituinte originário com o fito de proteger tanto a maternidade quanto o nascituro, o que representa desdobramento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil através da Convenção n. 103 da OIT sobre proteção à maternidade (promulgada pelo Dec. n. 58.820/66).

Contudo, caso uma servidora tenha sido admitida em violação à SV n. 13 (nepotismo) e esteja grávida, como deve o gestor público proceder? Pode ela ser exonerada do serviço público sem que essa decisão acarrete as repercussões financeiras previstas no ADCT?

Dispõe o ADCT:

Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Apesar de a regra fazer referência a “empregada gestante”, o que poderia remeter à ideia de trabalhador regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jurisprudência, após exaustivo debate, findou por reconhecer que a prerrogativa se estende igualmente às servidoras ocupantes de cargos comissionados, não obstante serem estes de livre nomeação e exoneração.

A fim de ilustrar esse entendimento, foram transcritos alguns julgados do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo que o mais recente deles teve repercussão geral reconhecida:

DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRABALHISTA. CONTRATOS POR PRAZO DETERMINADO E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO NÃO OCUPANTES DE CARGOS EFETIVOS. GRAVIDEZ DURANTE O PERÍODO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DIREITO À LICENÇA- MATERNIDADE E À ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ARTIGO 7º, XVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 10, INCISO II, ALÍNEA B, DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS. ARE 674103 RG/SC - SANTA CATARINA REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Relator (a): Min. LUIZ FUX Julgamento: 03/05/2012 Publicação ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-115 DIVULG 17-06-2013 PUBLIC 18-06-2013.

Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidora gestante. Cargo em comissão. Exoneração. Licença-maternidade. Estabilidade provisória. Indenização. Possibilidade.

1. As servidoras públicas, em estado gestacional, ainda que detentoras apenas de cargo em comissão, têm direto à licença- maternidade e à estabilidade provisória, nos termos do art. 7º, inciso XVIII, c/c o art. 39, § 3º, da Constituição Federal, e art. 10, inciso II, alínea b, do ADCT.

2. Agravo regimental não provido” (RE nº 420.839-AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 26/4/12).

SERVIDORA PÚBLICA GESTANTE OCUPANTE DE CARGO EM COMISSÃO – ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT/88, ART. 10, II, “b”) – CONVENÇÃO OIT Nº 103/1952 – INCORPORAÇÃO FORMAL AO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (DECRETO Nº 58.821/66) - PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO – DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO ÓRGÃO PÚBLICO COMPETENTE – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

- O acesso da servidora pública e da trabalhadora gestantes à estabilidade provisória, que se qualifica como inderrogável garantia social de índole constitucional, supõe a mera confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao órgão estatal competente ou, quando for o caso, ao empregador. Doutrina. Precedentes.

- As gestantes – quer se trate de servidoras públicas, quer se cuide de trabalhadoras, qualquer que seja o regime jurídico a elas aplicável, não importando se de caráter administrativo ou de natureza contratual (CLT), mesmo aquelas ocupantes de cargo em comissão ou exercentes de função de confiança ou, ainda, as contratadas por prazo determinado, inclusive na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição, ou admitidas a título precário

– têm direito público subjetivo à estabilidade provisória, desde a confirmação do estado fisiológico de gravidez até cinco (5) meses após o parto (ADCT, art. 10, II, “b”), e, também, à licença-maternidade de 120 dias (CF, art. 7º, XVIII, c/c o art. 39, § 3º), sendo-lhes preservada, em consequência, nesse período, a integridade do vínculo jurídico que as une à Administração Pública ou ao empregador, sem prejuízo da integral percepção do estipêndio funcional ou da remuneração laboral. Doutrina. Precedentes. Convenção OIT nº 103/1952.

- Se sobrevier, no entanto, em referido período, dispensa arbitrária ou sem justa causa de que resulte a extinção do vínculo jurídico-

-administrativo ou da relação contratual da gestante (servidora pública ou trabalhadora), assistir-lhe-á o direito a uma indenização correspondente aos valores que receberia até cinco (5) meses após o parto, caso inocorresse tal dispensa. Precedentes” (RE nº 634.093-AgR/DF, Relator o Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 7/12/11).

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CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA-GESTANTE. EXONERAÇÃO. C.F., art. 7º, XVIII; ADCT, art. 10, II, b.

I. - Servidora pública exonerada quando no gozo de licença-gestante: a exoneração constitui ato arbitrário, porque contrário à norma constitucional: C.F., art. 7º, XVIII; ADCT, art. 10, II, b.

II. - Remuneração devida no prazo da licença-gestante, vale dizer, até cinco meses após o parto. Inaplicabilidade, no caso, das Súmulas 269 e 271-STF.

III. - Recurso desprovido (RMS n. 24.263/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 9/5/03).

Ressalte-se que, não obstante a matéria ter-se consagrado na doutrina como hipótese de “estabilidade provisória”, nada obsta que a empregada grávida seja dispensada, desde que lhe seja paga indenização correspondente à sua remuneração desde a data da dispensa até cinco meses após o parto. Trata-se de entendimento sumulado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) nos seguintes termos:

Súmula nº 244 do TST

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).

II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

No mesmo sentido, dispõe o Prejulgado 1976 da Corte Catarinense de Contas:

Prejulgado 1976 (TCE/SC)

1. O estado de gravidez de servidora detentora de cargo em comissão não configura impedimento à sua exoneração, a qualquer tempo, pela autoridade que a nomeou, em face da natureza do cargo de livre nomeação e exoneração, conforme disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

2. É direito da servidora púbica gestante exonerada do seu cargo ou função o recebimento de indenização substitutiva correspondente à sua remuneração desde a data da exoneração até cinco meses após o parto, a ser paga a partir da oficialização do ato de dispensa.

De forma bastante sucinta, percebe-se que:

1- O dispositivo do ADCT tem por objetivo proteger a trabalhadora, o nascituro e a própria maternidade;

2- Ele busca preservar a trabalhadora, seja ela celetista ou servidora pública estatutária, da dispensa arbitrária em caso de gravidez;

3- A chamada “estabilidade provisória” não impede que a empregada/servidora seja dispensada sem justa causa, muito embora crie para o empregador a obrigação de pagar indenização correspondente à sua remuneração desde a data da dispensa até cinco meses após o parto.

O questionamento apresentado, entretanto, reveste-se de uma particularidade pouco comum: a servidora comissionada grávida foi nomeada em aparente violação à Súmula Vinculante n. 13, que dispõe sobre nepotismo.

Em consulta à jurisprudência do TJSC, foram encontrados três julgados que versam especificamente sobre a matéria. O primeiro deles consiste no julgamento de uma apelação cível manejada por servidora comissionada nomeada pelo marido, então Prefeito Municipal, à qual foi negada, em primeira instância, pretenso direito à indenização.

Nesse caso, a Corte Catarinense negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de primeira instância de não indenizar a servidora grávida dispensada:

APELAÇÃO CÍVEL - AGRAVO RETIDO - AUSÊNCIA DE PEDIDO PARA SEU CONHECIMENTO NAS RAZÕES DO RECURSO - EXEGESE DO ART. 523, § 1º, DO CPC - AGRAVO NÃO CONHECIDO. Consoante dispõe o art. 523, § 1º, do CPC, não se conhecerá do agravo retido na instância ad quem se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, a sua apreciação. APELAÇÃO CÍVEL - ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - CARGO EM COMISSÃO - EXONERAÇÃO - GRAVIDEZ - ESTABILIDADE - PRETENSO DIREITO À INDENIZAÇÃO - ARTS. 7º, XVIII, DA CF/88, E 10, II, "B", DO ADCT - AUTORA NOMEADA PELO MARIDO, À ÉPOCA, PREFEITO MUNICIPAL, PARA O EXERCÍCIO DE CARGOS EM COMISSÃO - CONFIGURAÇÃO DE NEPOTISMO - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ART. 37, CAPUT, DA CF/88 - PROIBIÇÃO EXTENSÍVEL AOS PODERES EXECUTIVO, LEGISLATIVO E JUDICIÁRIO, NÃO OBSTANTE A INEXISTÊNCIA DE LEI - ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUANDO DA APRECIAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO N. 07/05 DO CNJ - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DA REQUERENTE AFASTADA - REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO - RECURSO DESPROVIDO.

Não obstante a inexistência de determinação legal estrita que vede os Poderes Executivo e Legislativo de contratar parentes para o exercício de cargos de confiança, tal proibição se impõe em homenagem aos princípios constitucionais da impessoalidade, da eficiência, da isonomia e, sobretudo da moralidade, que, segundo orientação do Supremo Tribunal Federal, devem nortear as contratações de servidores pela Administração Pública, em quaisquer das esferas do Poder Público. Em que pese o artigo 4º da Lei n. 1.060/50 indicar que basta a simples afirmação da parte na petição inicial de que não tem condições de arcar com "as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família", não exigindo a condição de miserabilidade, se, no caso concreto, ficar demonstrado a inexistência de carência financeira, não devem ser mantidos os benefícios da justiça gratuita. (TJSC, Apelação Cível n. 2004.010506-1, de Anchieta, rel. Des. Rui Fortes, j. 06-05-2008).

Nos outros dois casos, as exonerações foram decorrentes de obrigação assumida no bojo de termo de ajustamento de conduta proposto pelo Ministério Público para coibir o nepotismo:

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDORA COMISSIONADA EXONERADA DURANTE A LICENÇA-MATERNIDADE. EXONERAÇÃO DECORRENTE DE TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E O MUNICÍPIO DE LONTRAS, COM VISTAS A IMPEDIR A PRÁTICA DO NEPOTISMO. JUSTA CAUSA CARACTERIZADA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Apelação Cível n. 2009.027241-9, de Rio do Sul

Relator: Desembargador Substituto Ricardo Roesler

ADMINISTRATIVO – SERVIDORA PÚBLICA – CARGO EM COMISSÃO – EXONERAÇÃO – JUSTA CAUSA – TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA FIRMADO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO, COM VISTAS AO FIM DA PRÁTICA DO NEPOTISMO – INAPLICABILIDADE DO ART. 10, II, b, DO ADCT, QUE SOMENTE CONTEMPLA DISPENSA ARBITRÁRIA OU SEM CAUSA JUSTA – ESTABILIDADE E INDENIZAÇÃO INDEVIDAS – SENTENÇA REFORMADA – APELO PROVIDO.

Apelação Cível n. 2008.008519-8, de Curitibanos

Relator: Des. Orli Rodrigues

Diante dos julgados analisados, pode-se concluir que a dispensa de servidora comissionada grávida é perfeitamente viável e que, haja vista sua contratação ter-se dado em descumprimento da SV n. 13, ela não teria direito a indenização.

Sobre o autor
Roberto Di Sena Júnior

Mestre em Direito (UFSC); Especialista em Direito Público (Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus); Especialista em Direito Processual Civil (UCAM); Analista do MPSC

Informações sobre o texto

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